O bom jornalista e escritor Marcelo Coelho fez nesta 4ª feira (22) uma interessante divagação sobre o politicamente correto e seus antípodas.
Eis os trechos principais:
"Hoje se vende muita coisa nas praias do Rio de Janeiro. Não sei por que sumiram as pipas, mas sem dúvida é um progresso que em vez de esteiras as pessoas usem uns paninhos leves de algodão estampado, em geral com as cores do Brasil ou imagens do Cristo Redentor.
Mas veja como é difícil ser politicamente correto. Impliquei com um desses panos —que mostrava, em cores alegres e padrão repetitivo, a imagem estilizada de uma favela.
'Não, com favela eu não compro', declarei à vendedora, uma senhorinha de óculos e um metro e meio de altura.
Minha atitude era a do branco esquerdista de 1970.
Onde já se viu transformar um problema de moradia em item pitoresco para turistas? Vamos vender souvenirs de navio negreiro? Quem acha favela uma coisa bonitinha devia mudar-se para lá...
Marcelo Coelho: espantado com os excessos do novo feminismo. |
Apesar de toda a minha consciência crítica, aprendi que eu estava sendo incorreto. A vendedora, sem antipatia, criticou meu modo de ver. "Tenho orgulho de morar em favela", começou. Não havia nada de feio na sua comunidade.
Ela sorria. "Muita gente ainda tem preconceito, não é?" Não adiantava explicar; ela prosseguiu, não sei bem a que propósito, dizendo que sua filha fazia pós-graduação em enfermagem na Alemanha.
Acabei comprando uma toalhinha com estampas de tucano, numa reorientação talvez inconsciente rumo à centro-direita e ao universo mental da terceira idade.
Como muita gente, fico espantado com os excessos do novo feminismo, pelo menos da forma com que aparece às vezes no Facebook. Contaram-me de um rapaz bem-intencionado que se solidarizou com posts contra o assédio sexual —e foi trucidado porque, na sua condição de homem, não poderia nem mesmo imaginar o que sentem as mulheres quando isso acontece.
Assobios, cantadas, galanteios: muito cuidado, isso pega mal. Qualquer frase pode ser entendida como machismo.
Outra que me contaram. A mãe estava com a filha adolescente num táxi. Ao saírem, a filha está indignada. "Viu como o motorista ficou olhando minhas pernas?" A mãe não entendeu. "Ué, mas ele não fez nada... Não falou coisa nenhuma..." A filha estava a ponto de chorar.
Quer saber? Não digo nada, nem acho nada. Como posso legislar sobre o que é ofensivo ou não, de uma ótica tão subjetiva assim? Vai saber que tipo de olhar, que tipo de sensação estava em jogo ali.
"Essas jovens feministas estão loucas!" Há casos e casos.
Muitas vezes, o que homens e mulheres da minha geração acham loucura, erro ou exagero talvez seja simplesmente fruto de mudança.
...A patrulha do politicamente correto existe. Existe também a patrulha dos incorretos, esbravejantes e atrasados. Fico com a vendedora dos panos de praia: não me condenou, não perdeu o bom humor e nem me levou a arrancar os cabelos dizendo que o mundo está perdido".
Lungaretti: nunca a espécie humana esteve tão ameaçada. |
A minha visão é um pouquinho diferente. Parto da constatação de que todas essas causas hoje voltadas contra aspectos da sociedade atual (e não contra seu todo) estavam em 1968 englobadas numa luta maior, contra a desumanidade capitalista e pelo advento de um mundo sem exploradores nem explorados, sem opressores nem oprimidos, sem injustos nem injustiçados, sem preconceituosos nem vítimas de preconceitos, sem destruidores do nosso habitat natural nem (por desnecessidade) seus defensores.
Mas, não foi daquela vez que conseguimos tornar realidade a única solução verdadeira e definitiva para todos esses problemas. Então, a frente por meio da qual os melhores momentaneamente somaram forças contra os piores se desintegrou e cada tendência voltou a priorizar seus objetivos específicos. A frustração resultante da derrota maior parece ter levado cada uma dela a intensificar suas lutas menores, radicalizando-as até se tornarem, amiúde, caricaturas de si próprias.
Deu no que deu: fanatismo por atacado, posturas demasiadamente agressivas contra os outros, priorização de besteirinhas que rendem mais discussões estéreis do que avanços significativos, etc. Adultos tentando iludir a si próprios, fingindo-se de rebeldes sem assumirem os riscos do confronto com um inimigo que, como as feras acuadas, desembesta a violência nestes seus momentos finais.
E, beneficiado pelas divisões dentre aqueles que deveriam dar-lhe fim, o capitalismo vai alongando sua sobrevida, embora esteja num beco sem saída e nada de positivo tenha a oferecer à humanidade, mas, pelo contrário, a esteja conduzindo para catástrofes econômicas e ecológicas.
Continuará se arrastando como um zumbi enquanto não nos convencermos de que é ele o grande obstáculo a superarmos, não só para a realização de nossos sonhos, mas para garantirmos a a própria sobrevivência da espécie humana, que nunca esteve tão ameaçada quanto agora.
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