quinta-feira, 9 de novembro de 2017

...E A DITADURA MILITAR CORTOU AS ASAS DA PANAIR (um artigo indignado de Dalton Rosado).

REGISTRO HISTÓRICO DE UMA VIOLÊNCIA JURÍDICA DO
ARBÍTRIO GOLPISTA (E QUE SE DIZIA NACIONALISTA!)

"Descobri que minha arma é
o que a memória guarda dos tempos da Panair.
Nada de triste existe que não se esqueça,
alguém insiste e fala ao coração.
Tudo de triste existe e não se esquece,
alguém insiste e fere no coração"
(Fernando Brant e Milton Nascimento, 
Conversando no bar (Saudade 
dos aviões da Panair)

Não sou exatamente um defensor das empresas capitalistas e muito menos do capitalismo, mas isto não significa, evidentemente, desconhecer a necessidade de organização de atividades econômicas setoriais pós-capitalistas, quando ditas atividades já não mais se voltarem para produção de valor econômico (dinheiro e mercadorias).

Neste sentido, e abstraindo o aspecto meramente mercantil de sua atividade, temos, no Brasil, um exemplo de empresa que orgulhava a todos os brasileiros por sua eficiência administrativa e desenvoltura tecnológica.

Como filho de um aeronauta, vivi a minha infância e pré-adolescência em meio a aviões e hangares da Panair do Brasil, e sei como eram gostosos os sanduíches que sobravam dos voos e que, vez por outra, eu comia tomando Coca-Cola, fruto da generosidade daquelas aeromoças que mais pareciam deusas da beleza e elegância. 
Em 1930, ainda como subsidiária da Panam Airways.

Quando penso naqueles tempos, ainda sinto o cheiro do interior daqueles aviões impecavelmente limpos e que transportavam milhares de pessoas com facilidade ao redor do Brasil e do mundo, ainda nos anos 40, 50 e início dos '60.  

Tal empresa, dirigida por empresários que não aderiram prontamente ao golpe de 1964, foi fechada por mera perseguição política de um governo que se dizia restaurador das liberdades democráticas e promotor do combate à corrupção, discurso usualmente adotado por golpistas de todas as espécies. 

Tratamos da decretação da falência da Panair do Brasil, um raio em céu de brigadeiro

Tal violência constituiu-se numa farsa jurídico-administrativa que bem demonstra como a institucionalidade (aí incluído o poder Judiciário) pode servir a governos déspotas cobrindo os seus atos de uma aura de legalidade que o tempo sempre se encarrega de demonstrar como tal.    

A Panair do Brasil, que originalmente se chamou New York Buenos Aires nasceu em 1929 como empresa de aviação subsidiária da Pan Américan Airway, de propriedade de empresários estadunidenses. 
A partir de 1942, ainda na ditadura de Getúlio Vargas, foi sendo aos poucos nacionalizada, até que no governo João Goulart passou integralmente às mãos dos empresários brasileiros Celso da Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen, este último também dono da rede de TV Excelsior (que acabaria sendo fechada pelo regime militar).

No início da 2ª Guerra Mundial, o recém-criado Ministério da Força Aérea não tinha a capacidade ou técnica para construir e manter seus campos de pouso e aeroportos. 

Assim, por um decreto de junho do Governo Getúlio Vargas, a Panair do Brasil foi autorizada a construir, melhorar e manter os aeroportos de Macapá, Belém, São Luís, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e Salvador, o que foi feito; eles permanecem operacionais até os dias atuais, com modernizações e novas construções.

Tais aeroportos tiveram uma importância estratégica fundamental para a defesa do Atlântico Sul e na logística de transporte entre o Brasil e a África Ocidental. A autorização durou 20 anos.

Com o término do conflito mundial, a Panair do Brasil tornou-se uma promissora empresa nacional de aviação com prestígio e reconhecimento internacional (a ponto de conseguir fazer frente ao Syndicato Condor, controlado por empresas alemãs) e passou a operar importantes linhas aéreas internacionais.

A importância histórica da Panair na aviação brasileira é inconteste; mais do que isto, foi importante no processo de integração nacional, numa época em que as estradas eram extremamente precárias. A Panair salvou vidas levando remédios e transportando pessoas doentes; facilitou a comunicação nacional e criou tecnologia aeronáutica genuinamente brasileira.

Ora, isto era demais para um governo militar engendrado em meio à histeria anticomunista dos anos 60 e que tinha de dar demonstração de sua subserviência aos capitalistas internacionais, bem como de animosidade com relação ao nacionalismo tupiniquim. Afinal, os financiadores do falso milagre brasileiro do início dos anos 70, fruto da rapinagem dos investimentos financeiros do capital internacional, esperavam demonstrações de obediência por parte dos novos donos do poder.   

Esse foi o leitmotiv do fechamento da Panair, 10 de fevereiro de 1965, pelo então ministro da Aeronáutica, brigadeiro Eduardo Gomes; os argumentos inventados para justificar tal violência jurídica não passam, hoje, de inconsistentes penduricalhos jurídicos próprios do arbítrio. Desemprego, suicídios e depressões pessoais decorreram desta ignominiosa arbitrariedade do governo militar. 
Era valioso o espólio da Panair do Brasil: aeronaves modernas, aeroportos, hangares, escritórios, excepcional estrutura organizacional (a família Panair até hoje se reúne para manter vivo o sentido de equipe e as boas lembranças), uma oficina tecnológica de aviação denominada Celma (que era a mais moderna da América Latina), bens imateriais relativos às concessões de exploração de linhas aéreas nacionais e internacionais, etc. 

Tudo isso foi transferido para outras empresas de aviação por preços vis, numa violência jurídico-patrimonial que bem demonstra de quanto é capaz o arbítrio, tão defendido por desavisados de última hora e por espertalhões políticos que se fazem passar por potenciais salvadores da pátria. (por Dalton Rosado)


Não estranhem: trata-se de um título alternativo da música
que todos conhecemos como Saudade dos aviões da Panair.

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