segunda-feira, 30 de outubro de 2017

SÉRIE "1968, UTOPIA DO PASSADO OU PROJETO DE FUTURO?" – 1: OS DIAS EM QUE A IMAGINAÇÃO QUASE CHEGOU AO PODER...

"Não trabalhe jamais!"
(frase encontrada nos
muros de Paris)
Aproximamo-nos dos 50 anos do maio de 1968 na França. 

Tal movimento representou a mais clara manifestação de insatisfação popular contra os valores capitalistas e seu modo de vida, justamente no momento em que a França poderia se jactar de uma predominância econômica sobre seus vizinhos europeus e o restante do mundo, e da possibilidade de confirmação vitoriosa do Estado do bem-estar social

Era o ápice dos incríveis e revolucionários anos 60 que, infelizmente, iriam ser eclipsados pela hipocrisia conformista da década seguinte, que em nosso país foi marcada pelo falso milagre brasileiro patrocinado pelo governo militar com o beneplácito dos que estiveram na base do golpe de 1964, os Estados Unidos e sua Operação Condor para a América latina, bem como pela perseguição raivosa e fascista aos que ainda desejavam manter de pé as bandeiras revolucionárias da década anterior.

Aquele movimento contestatório de estudantes e trabalhadores já está sendo encarado como uma segunda revolução francesa, dada a sua importância para o significado do conceito de Estado e da sociedade industrial produtora de mercadorias, 

Isto porque muito mais relevante do que os resultados práticos político-institucionais obtidos pelo movimento.em termos de mudanças na correlação de força e nos organogramas do poder, o maio de 68 mexeu com a cabeça das pessoas, modificando seu modo de pensar e de agir.  

Iniciado a partir de reivindicações estudantis, sob o comando de Daniel Cohn-Bendit, o movimento se alastrou para os trabalhadores de um modo geral, tanto que 10 milhões deles aderiram (cerca de 2/3 de toda a força de trabalho do país) durante 15 dias; e teve tal apoio popular que levou cerca de 1 milhão de pessoas em praça pública.
Saiu, assim, do controle das lideranças sindicais e partidos de esquerda para confrontar não apenas o governo do general Charles De Gaulle (cujo aparelho policial se mostrou impotente para conter as manifestações), mas a própria essência do sistema produtor de mercadorias. 

Nem mesmo o Partido Comunista Francês (que em certo momento tentou direcionar o movimento no sentido de acordos políticos institucionais) conseguiu colocar um freio na avalanche contestatória, que mais pareceu ter a força de uma inundação que tudo arrasta.

Um das frases da Internacional Situacionista, representada por Guy Debord (autor do livro A sociedade do Espetáculo, de 1967), críticas à linha stalinista do marxismo tradicional, inscritas nos muros de Paris, era a que serve de epígrafe para este artigo: Ne travaillez jamais, questionando a essência do sistema produtor de mercadorias, pois negava não apenas o quantum de remuneração dos trabalhadores, mas o trabalho assalariado em si, considerado como fonte de toda a miséria capitalista.
Diante da Sorbonne: sejam realistas, peçam o impossível.

Outro slogan memorável: A imaginação ao poder. Uma heresia para os conformistas que, independentemente de orientações ideológicas, preferiam manter-se nos caminhos rotineiros da política convencional a embarcarem na jornada ao desconhecido proposta pelos jovens.

maio de 68 colocou, portanto, em xeque tanto a direita quanto a esquerda tradicional, que mais se escandalizou do que deslumbrou ao ver a utopia revolucionária ganhar as ruas e erguer barricadas como as da Comuna de Paris de 1871.

O movimento destacava aspectos como sexualidade e prazer na sociedade mercantil, criticando-a por transformar todas as pessoas em peças de uma engrenagem sufocante da vida social. Nada mais atual.   

Naqueles dias todo o sistema capitalista francês, tanto do ponto de vista econômico como institucional sentiu a força de que é capaz a mobilização popular. As fábricas, grande comércio e setores de serviços passaram às mãos do povo, ante a impotência do aparato repressivo.

As forças militares, rechaçadas pelos cidadãos, não tiveram como conter o transbordamento de resistência e alegria dos que lutavam ao tomarem seus destinos seus destinos nas mãos. A greve geral que se seguiu às manifestações levou uma multidão de mais de 1 milhão de pessoas às ruas de Paris, contando com a adesão de quase todas as profissões.

Entretanto, ainda que a insatisfação com o sistema fosse manifesta, o movimento não teve depois continuidade, por falta de uma proposição teórica que soubesse aglutinar todo o potencial revolucionário nele contido. Não estava claro que o passo seguinte deveria ser a abolição dos construtos capitalistas, alicerçados por suas categorias fundantes: trabalho abstrato, trabalhador, dinheiro, mercadorias, mercado, estado e política.

Na esteira do vácuo de encaminhamentos consequentes como a tomada das fábricas para a produção de bens socialmente úteis e serviços necessários ao consumo cotidiano, veio uma retomada do controle por parte dos que entendem que somente pode existir vida social a partir da produção de valor (dinheiro e mercadorias) e de uma organização estatal verticalizada. 

Paulatinamente os trabalhadores recomeçaram a produzir mercadorias; os dirigentes sindicais voltaram à sua rotina de negociação de pedintes de melhoras salariais e consequente afirmação do trabalho abstrato; as instituições do Estado retomaram o discurso hipócrita habitual, de defesa da cidadania; e se restabeleceu o marasmo opressor preexistente.  

Entretanto, como não há mal que dure para sempre, ainda reverberam nos ouvidos dos cidadãos os ecos do maio de 68, até porque a insatisfação popular é agora acirrada pela crise irreversível do capitalismo, com ingredientes novos como a insensatez ecológica suicida.


Por Dalton Rosado
Nunca foi tão necessário reatarmos os fios da História,  com a volta dos cidadãos às ruas, às greves e às barricadas, nestes tempos em que o capitalismo novamente nos apresenta sua face mais medonha e as condições novamente estão dadas para suas vítimas o confrontarem em ampla escala, como naquele ano memorável em que o povo francês, de tantas jornadas libertárias, por algumas semanas tomou conhecimento de sua força.

2 comentários:

Valmir disse...

ou disse PP Pasolini.."no maio de 68 em Paris só vi proletários do lado da policia..os rebeldes eram todos burgueses ociosos".

celsolungaretti disse...

É, os esquerdistas idosos tinham exatamente tal mentalidade tipo "partidão". Não entenderam nada do que estava acontecendo. O tempo passou na janela e só as Carolinas não viram.

Related Posts with Thumbnails