terça-feira, 31 de outubro de 2017

O MAIO DE 68 NA VISÃO DE BERTOLUCCI: O POLÊMICO "OS SONHADORES".

Uma palavrinha do editor
Sem confirmação da data em que o ministro Luiz Fux recolocará o caso de Cesare Battisti na pauta da 1ª Turma do Supremo e em meio à ressaca no noticiário político desde que a Câmara Federal rechaçou o pedido de abertura de um processo de impeachment contra Michel Temer, estou, para não deixar a peteca cair, postando filmes sobre os movimentos contestatórios de 1968, no espírito da série de três artigos sobre se eles não passam de uma utopia do passado ou permanecem como um projeto de futuro (vide aqui, aqui e aqui).

Caso deste Os sonhadores, que, mesmo sem figurar entre as obras-primas do grande cineasta italiano Bernardo Bertolucci, não deixa de ser interessante. Estou introduzindo-o com a reprodução de uma boa crítica de Marcelo Hessel, que fui buscar no site Omelete:
"Quando vai à Cinémathèque de Paris, Matthew (Michael Pitt) gosta de se sentar nas primeiras fileiras da sala. Para receber as imagens primeiro, diz ele, ao lado de todos os outros cineclubistas recém-saídos da puberdade. 

A frase nasce clássica, junto com outras tantas passagens espirituosas de Os sonhadores (The dreamers, 2003). E ela resume bem o romantismo ingênuo e a intensa cinefilia que transpira, do início ao fim, do polêmico filme de Bernardo Bertolucci.

Apesar do ardor, o norte-americano Matthew não usufrui da cinemateca como gostaria. Decorre o ano de 1968, e o fundador e diretor da casa, Henri Langlois (1914-1977), acaba de ser demitido. Os movimentos estudantis, que já falavam alto contra o conservadorismo institucionalizado, se exacerbam. Entre passeatas e manifestações, Matthew puxa conversa com dois jovens irmãos gêmeos que também frequentavam as sessões, Theo (Louis Garrel) e Isabelle (Eva Green). Ah, Isabelle...

Matthew logo se interessa, claro, pela sensualidade meio blasé da moça. E os gêmeos nutrem curiosidade pelo norte-americano limpo e loiro que flana por Paris sem compromissos – e que parece conhecer tanto de cinema quanto eles próprios. 

O teste definitivo: se o trio enganar os guardas e conseguir atravessar o Louvre numa correria desenfreada, quebrando o recorde dos personagens godardianos de Bande à part (1964), a amizade de Matthew será finalmente aceita.

História, cinema e ficção, como se vê, misturam-se sem pudor em Os Sonhadores. Enquanto os dias de 1968 – o famoso ano que não acabou – transcorrem e marcam a memória de uma geração idealista, Matthew passa as tardes no apartamento de Theo e Isabelle discutindo política, cultura, comportamento. 

E aprendendo a viver. O sexo inevitável surge lúdico e inocente, o incesto se mostra mais poético do que carnal. Haverá quem se sinta escandalizado com a libertinagem, mas o fato é que o amor é só mais uma peça, e não o fator dominante, nesse conto de amadurecimento.

Bertolucci enche a tela de nostalgia, sim, mas o seu discurso soa novo, pertinente – como as últimas palavras de sabedoria de um velho enfermo para o seu neto imprudente. Theo brada contra o sistema, mas é incapaz de acompanhar as passeatas que acontecem à sua janela. Já Matthew desafia os irmãos a crescerem, a lutarem, mas ele mesmo prefere o discurso pacifista ao confronto de verdade. 
Neste cenário, o panfletarismo dá lugar à reflexão. Joplin, Doors, Dylan, Hendrix, ícones daquela geração, poucas vezes soaram tão verdadeiros quanto na fabulosa trilha sonora de Os Sonhadores.

O cineasta tenta, assim, alimentar o inconformismo nos jovens de hoje que aprenderam a ver em termos como revolução uma conotação negativa. Busca, com Matthew e os gêmeos, resgatar o tempo em que o maior desacordo entre EUA e França envolvia o humor de Jerry Lewis. E o seu filme prega, acima de tudo, a crença no cinema como arma da transformação.

Entre inúmeras citações explícitas de obras alheias, a referência a Sergei Eisenstein (1898-1948) aparece de forma velada. Na cena final, ao fazer os policiais avançarem sobre a platéia, Bertolucci toma do mestre russo a sua mais famosa ferramenta, o enquadramento engajado. Com isso, não deixa dúvidas sobre o seu libelo político".

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