sábado, 7 de outubro de 2017

CESARE LIVRE DE NOVO! ATÉ QUANDO?

Libertado pela terceira vez no Brasil. Esta via crucis precisa terminar!
Na noite desta 6ª feira, quando mais um ano se acrescentava aos muitos que eu já tinha nas costas, recebi um presente inesperado do destino: o noticiário me deixou aliviado quanto ao destino imediato do companheiro e amigo Cesare Battisti. 

Libertado por decisão de um desembargador que expôs o ridículo das alucinações do Ministério Público e do juiz de 1ª instância que haviam inspirado a imposição de prisão preventiva ao escritor italiano, ele viajou com o advogado Igor Tamasauskas de volta para São Paulo.

Agora é o momento de extrairmos conclusões desse imbroglio em que se misturaram informações, despistes, wishfull thinking, emocionalismo  e atitudes precipitadas, para então verificarmos quais as correções que devemos fazer nos nossos procedimentos.

Ficou provado que o governo italiano viu na troca de presidente uma oportunidade de, com uma manobra esperta e ilegal, passar por cima do ato jurídico completo e acabado que foi a recusa do seu pedido de extradição da Itália por parte do presidente Lula em 2010, seguida da confirmação pelo Supremo Tribunal Federal em 2011.
Detenção em Corumbá expôs Cesare a enorme risco

Não resta dúvida nenhuma de que existiram tratativas sigilosas neste sentido, durante as quais o ministro da Justiça Torquato Jardim aprovou a ideia, não se sabendo se apoiado ou não pelo ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes (matérias em off que a grande imprensa andou publicando dizem que sim, a assessoria de imprensa do Itamaraty contatou o jornalista o Rui Martins e a mim para garantir-nos que não).

Ficou evidente também que o presidente Michel Temer não quis dar sinal verde a tal versão sofisticada de sequestro relâmpago, passando a bola para a sub-chefia de Assuntos Jurídicos da Presidência da República, que não tem prazo para entregar sua conclusão.

O que devemos deduzir disto? As hipóteses são duas:
– está postergando a decisão porque a ideia não lhe agrada e, nesse meio tempo, poderá se tornar inviável como consequência das ações de outros atores, poupando-o de desagradar a uns ou outros; 
– está postergando a decisão porque seria um complicador a mais neste momento em que sua prioridade máxima é livrar-se da segunda denúncia do Janot.
Cabe a Fux colocar Battisti a salvo de complôs ilegais
Então, tudo leva a crer que o nó não será desatado antes que o ministro Luiz Fux submeta à 1ª turma do Supremo o pedido de habeas corpus da defesa de Battisti, o que parece pretender fazer no próximo dia 17.

Ora, hoje existem carradas de razões para o STF conceder a Cesare uma garantia de que não será entregue à Itália ao arrepio da Lei, inclusive a célebre mensagem tiro no pé do ministro das Relações Exteriores italiano em seu twitter, admitindo que o embaixador do seu país continuaria trabalhando junto ao governo Temer para obter a extradição. 

Ou seja, se já estava trabalhando neste sentido e nada disso tinha vindo a público até que O Globo noticiou, Battisti tinha mesmo motivos reais para ficar assustado do jeito que ficou e o Supremo tem mesmo a obrigação de garantir que nada seja feito de afogadilho por via administrativa, sem consultar a ele, Supremo, que referendou decisão de Lula. Torçamos para que o STF cumpra seu dever, o qual, neste caso, é claríssimo.

Quanto ao despropósito da pretensão italiana, encerrarei este artigo com uma longa citação de um arrazoado que o maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari, acaba de encaminhar ao vereador Eduardo Suplicy.
A sorte não nos favorecerá para sempre!

Antes, quero acrescentar que desta vez o pior foi evitado, mas cabe a nós, apoiadores do Battisti, tomar providências eficientes para que não se repita jamais o descontrole ocorrido. Constatou-se que a Itália não desistirá de tentar arrancar o Cesare do Brasil pelos meios mais escusos e que muitos brasileiros movidos pelo rancor ideológico se colocarão a serviço de sua causa. 

Então, mesmo que o Supremo conceda o habeas corpus, ele só nos garantirá que o presidente Temer não ouvirá o canto de sereia italiano (não é do seu estilo passar por cima do Supremo). Mas, p. ex., e se for Jair Bolsonaro o vencedor da próxima eleição presidencial? Precisamos ter planos de contingência para todos os cenários prováveis ou possíveis, ao invés de reagir atabalhoadamente no momento em que o perigo já está batendo à porta.

Seguem as apreciações do Dallari, com a supressão de um ou outro trecho redundante, para poupar a paciência dos leitores. (por Celso Lungaretti)

"A CONCESSÃO DA EXTRADIÇÃO SERIA ABSOLUTAMENTE
DESMORALIZANTE PARA A IMAGEM E A HISTÓRIA
DO PRESIDENTE MICHEL TEMER"

Dallari desconstrói a bufonaria italiana: "falsidade"!
"Com relação ao pedido do atual governo italiano, para que o presidente revogue a decisão presencial anterior e conceda a extradição de Cesare Battisti, é muito importante alertar o presidente Temer quanto à inconstitucionalidade do pedido, ressaltando que uma eventual concessão da extradição acarretaria a desmoralização do presidente Temer como jurista e também como humanista, considerando que Cesare Battisti é casado com brasileira e tem filho brasileiro menor de idade que depende dele para sua subsistência. 

...Um ponto fundamental do ponto de vista jurídico é o fato de que nas próprias reivindicações do governo italiano consta expressamente que Cesare Battisti era um ativista de esquerda, tendo sido preso na Itália em 1979 pelo então governo declaradamente neofascista. E essas mesmas conotações políticas – o ex-militante de esquerda e os governos neo-fascistas da Itália – estiveram presentes em 1979 e estão presentes agora, sendo essa a verdadeira determinante do pedido de extradição. 

Essas particularidades, associadas à absoluta inconsistência jurídica das pretensas provas da culpa de Cesare Battisti alegadas pelo governo italiano, deixam mais do que evidentes o acerto da negativa de extradição decidida pelo então presidente da República em 2010 e o absoluto acerto de nova negativa que deve ser dada agora pelo presidente Michel Temer.
Mutti ganhou sua soltura servindo de delator premiado

Quanto à condenação de Cesare Battisti por um Tribunal italiano, é importante assinalar que ela usou como único fundamento uma delação premiada, feita pelo então militante da esquerda italiana Pietro Mutti, que era companheiro de Cesare Battisti em movimentos como Lotta Continua e Autonomia Operaria

Preso por acusação de participação em homicídios e outras atividades desses grupos, Pietro Mutti adotou as atitudes de arrependido e delator premiado, denunciando companheiros e, em troca, ganhando sua soltura. Essa foi a única prova em que se baseou o Tribunal italiano para determinar a prisão de Cesare Battisti, que foi preso em 1979 e permaneceu na prisão até 1981, quando, junto com outros companheiros de atividade política e também presos, conseguiu evadir-se e foi refugiar-se na França.

 ...é muito importante ter em conta os termos da decisão condenatória, da Corte d'Assise de Milano, na qual consta, expressamente, que Cesare Battisti estava sendo condenado por ter cometido crimes de insurreição armada contra os poderes do Estado, de guerra civil e, ainda, por fazer apologia desses crimes

Para dar mais força e aparência de legalidade à condenação foram indicados quatro homicídios de que ele teria participado, mas o exame dos casos apontados revelou que dois deles haviam sido cometidos na mesma hora e em lugares distantes um do outro por mais de duzentos quilômetros, sendo impossível que ele estivesse presente nos dois lugares.
Itália julgando um esquerdista nos anos de chumbo 

Além desses aspectos, há outro que também deixa mais do que evidente a falsidade do processo aparentemente jurídico. Quando Cesare Battisti estava refugiado na França o governo italiano pediu sua extradição. Para tomar uma decisão bem fundamentada o governo francês determinou o levantamento de dados do processo condenatório e foi feita, então, uma perícia, que, além de outros pontos, acentuou que, em relação aos crimes de que Cesare Battisti era acusado, a lei italiana proibia a condenação sem que o acusado estivesse presente e pudesse defender-se. 

E ficou então demonstrado que o Tribunal italiano havia falsificado uma procuração que teria sido dada por Cesare Battisti a dois advogados, que o teriam representado no julgamento, legalizando, assim, a condenação. Temendo nova investida, pois a motivação de sua perseguição era, na realidade, de natureza política e continuava a existir porque a Itália continuava governada por neo-fascistas, Cesare Battisti decidiu refugiar-se no Brasil, crendo que aqui estaria mais protegido.  

...fica mais do que evidente que a condenação de Cesare Battisti por um Tribunal italiano teve, na realidade, fundamentação política. E aqui é fundamental relembrar o que diz a Constituição brasileira, no artigo 5º, inciso LII: "não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião". 
E aí, vai rasgar este livro?
Assim, pois, uma decisão do presidente Michel Temer concedendo a extradição seria obviamente inconstitucional, o que, além de configurar evidente injustiça (pois o que existe é apenas uma alegação de natureza política, ou da prática de eventual crime político, sem a comprovação de que Cesare Battisti tenha praticado qualquer crime comum), seria desmoralizante para a imagem de jurista e professor de Direito Constitucional do presidente Temer.

A par disso, (...) tal extradição seria uma afronta ao humanismo, pois Cesare Battisti é casado com brasileira e tem filho brasileiro, sendo o chefe da família e o responsável por sua subsistência. E também sob esse aspecto a concessão da extradição seria absolutamente desmoralizante para a imagem e a história do presidente Michel Temer".

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