Ele exibe o código eleitoral. Deveria estar lendo a Constituição! |
É assustador que um juiz de 1ª instância desconheça o art. 5º da Constituição Federal e cometa um indiscutível abuso de poder. Mas, foi o que fez Luiz Antonio de Campos Jr., titular da 1ª Vara Cível de Jundiaí (SP), ao anular por conta própria os seguintes preceitos dos direitos e deveres individuais e coletivos dos brasileiros:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
O meritíssimo, como qualquer cidadão comum, não concordou com o tema da peça que estrearia no Sesc daquela cidade, O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, que reconta a história bíblica tornando Cristo uma mulher transgênero.
E, como autoridade judicial, decidiu que ninguém a assistiria, alegando que figuras religiosas e sagradas não podem ser expostas ao ridículo. Fixou uma multa de mil reais por dia caso sua determinação ilegal fosse descumprida.
Ora, o cidadão comum tinha o pleno direito de fazer campanha contra a peça como bem entendesse, desde que não transgredisse as leis do País. Já a autoridade judicial estava obrigado a cumprir tais leis, que vedam toda e qualquer forma de censura prévia.
Como não consegue conciliar estas duas esferas, ele deveria abandonar a toga. Seria a atitude mais honesta da sua parte.
Caso contrário, os prejudicados devem acionar o Conselho Nacional de Justiça, pois o furor censório do meritíssimo se enquadra perfeitamente nesta atribuição do CNJ: "realizar sindicâncias, inspeções e correições, quando houver fatos graves ou relevantes que as justifiquem".
É difícil imaginarmos algo mais grave e relevante do que a grotesca tentativa de fazer o Brasil regredir aos anos terríveis da ditadura militar, com sua medonha censura prévia.
Quanto à atrabiliária e, repito, ilegal proibição da peça, poderá facilmente ser revertida por habeas corpus, afinal já faz um tempinho que o Brasil é um estado laico: nada menos que 127 anos (por força do Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, de autoria de Ruy Barbosa).
E, em estados laicos, as figuras religiosas e sagradas podem ser, sim, expostas ao ridículo em representações teatrais, assim como os espectadores indignados podem depois acionar os tribunais para que os responsáveis sejam eventualmente punidos.
Depois, não antes – este detalhe faz toda a diferença.
De resto, quem não é militante da TFP e demais grupúsculos ultraconservadores, certamente preferirá a opção mais simples de... não ir ao teatro.
Em casos assim, quando a 1ª instância toma decisões estapafúrdias, as superiores inevitavelmente corrigem a besteira. Os responsáveis pelo espetáculo poderão inclusive ser ressarcidos pelos prejuízos que lhes foram arbitrariamente causados.
No mais, está certo o Hélio Schwartsman ao enfocar de maneira diferente a forma como o banco Santander se vergou às mesmíssimas pressões obscurantistas noutro episódio recente:
"Embora tenha sido profundamente lamentável, a decisão do Santander de cancelar a exposição Queermuseu não constituiu tecnicamente um caso de censura. O banco se acovardou diante dos protestos dos supostos liberais e resolveu suspender o patrocínio, o que é um direito seu".
Como é direito dos civilizados encerrarem suas contas em bancos que, por convicção ou oportunismo, fazem média com os nostálgicos da Idade Média.
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