sexta-feira, 18 de agosto de 2017

RUI MARTINS TIRA O GÊNIO DA GARRAFA - 2

QUEM ORQUESTROU A PERSEGUIÇÃO JUDICIAL?
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Por Celso Lungaretti
O Rui Martins é um bravo guerreiro das causas justas, com quem tive a honra de dividir a batalha cotidiana de divulgação nas redes sociais da verdade sobre o Caso Battisti, ao mesmo tempo em que desmentíamos as falácias da grande imprensa e pleiteávamos insistentemente direito de resposta e publicação de matérias isentas. 

Como costuma acontecer com quem trava lutas titânicas como aquela, continuamos amigos até hoje, até porque nos identificamos na postura de jamais relativizarmos a importância do respeito aos direitos humanos na construção de uma sociedade mais justa. 

Como o maniqueísmo, o maquiavelismo e o realismo geopolítico nada têm a ver com os valores fundamentais da esquerda, coincidimos no repúdio aos ditadores amigos e em não fechamos os olhos a massacres e torturas perpetrados por quem quer seja. O que brota sobre pilhas de cadáveres são apenas grama e lápides.

Com sua franqueza de sempre, o Rui acaba de colocar o dedo na ferida, no Direto da Redação do jornal Correio do Brasil: A injustiça de Dilma no "caso Lungaretti".

Os leitores familiarizados com as rotinas do meio jurídico certamente já haviam notado que a insistência da Advocacia Geral da União em forçar o prolongamento do meu processo, não obstante a derrota por 9x0 que sofreu no julgamento do mérito da questão por parte do STJ, seguida pelas duas derrotas por 8x0 ao tentar contestar a decisão unânime, está muito longe de ser um procedimento habitual. Fosse outro o autor da ação, a AGU certamente teria se conformado com o julgamento de mérito, pois é quase impossível derrubar o que nove ministros decidiram de forma tão taxativa.

Pior ainda foi querer transformar o STF numa tábua de salvação: quando já tinha chegado ao fim da linha no STJ, tentou reeditar o mesmo julgamento numa corte diferente, colocando meu processo na dependência de outro, alheio, que tramitara paralelamente durante  o mesmo período. Para  nada, pois todos os ministros do STF, com exceção de dois ausentes, repetiram o entendimento dos seus colegas do STJ. 

A pergunta óbvia sempre foi: por que a AGU move céus e terras para me impedir de receber o que a lei me conferia e a Justiça me garantiu sempre que invocada?

Eu não ouso apontar o dedo em nenhuma direção, pois o que sei das maquinações de bastidores foi-me confidenciado por companheiros solidários que podem sofrer retaliações se eu contar o milagre (os responsáveis pela perseguição iníqua acabariam deduzindo o nome do santo).

Mas, em termos genéricos, posso dizer que uma parte dos militantes de esquerda preferiu manter a visão dos acontecimentos de 1970 conforme a formaram na época, quando fui vilificado sem a mínima possibilidade de defesa. Todo o meu esforço de 34 anos para trazer a verdade à tona, bem como tudo que historiadores e jornalistas foram descobrindo e revelando ao longo das décadas, não sensibilizou aqueles que seguem sempre a linha justa e aceitam acriticamente as versões unilaterais. 

Para os marxistas, a atuação dos grandes personagens históricos é, como tudo na vida, contraditória: ora protagonizam feitos grandiosos, ora cometem ou são induzidos pelas circunstâncias a erros lamentáveis. Mas, boa parte da esquerda jogou a dialética no lixo e passou a tratar heróis revolucionários como a religião trata seus deuses e santos, atribuindo-lhes uma impossível infalibilidade. 

Aceitar que eu sempre estivera com a razão implicava o reconhecimento de que mártires do nosso lado teriam, numa circunstância dramática, preferido que um zé-ninguém levasse a culpa pelo que alguém muito mais importante para a VPR abrira ao DOI-Codi. Então, como as contradições foram abolidas, era melhor que a ovelha negra continuasse sendo a mesma, abolindo-se também o respeito dos revolucionários pela verdade histórica.
Como caiu a área? Pinho explica.

Felizmente, nem todos pensam e o castelo de cartas falsas ruiria no final de 2004, providencialmente. Eu estava quase reduzido à miséria e minha única esperança de dar a volta por cima era obter logo a anistia de ex-preso político. Mas, os critérios de priorização dos julgamentos eram desrespeitados e o meu processo simplesmente não andava, embora a condição de desempregado me devesse garantir uma solução mais rápida.

Sem alternativa, só me restou travar uma batalha pública para que o colegiado respeitasse as próprias normas. E, no calor dos acontecimentos, várias vezes qualifiquei de burocracias arrogantes, atrabiliárias e insensíveis as forças que moviam os cordéis por trás das cortinas.

Mas, quando documentos secretos da ditadura  comprovaram a minha inocência no caso de Registro e Jacob Gorender a atestou publicamente, tudo mudou. A percepção de que eu havia sido muito injustiçado e era uma pessoa bem diferente do vilão no qual quiseram me transformar, angariou-me boa vontade. Os empecilhos deixaram repentinamente de existir e o andamento do meu processo passou a ser célere. Isto pode ter algo a ver com a ojeriza que até hoje desperto em algumas burocracias toda-poderosas de Brasília, daquela vez a tanto custo derrotadas.

Quanto ao PT, fui dos primeiros a nele ingressar, quando ainda precisava obter um certo número de adesões para que seu registro como partido fosse aceito, mas a relação azedou em 1986, a partir do episódio dos quatro de Salvador; tratava-se militantes presos ao expropriarem um banco na capital baiana como forma de angariar recursos para a revolução, sem atentarem para que a ditadura terminara no ano anterior e as ações características da luta armada não mais se justificavam.
Corte Interamericana nos deu última chance de virarmos o jogo 

Assustados com a exploração do caso por parte da grande imprensa, os dirigentes petistas lhes voltaram as costas e correram a expulsá-los. Aproveitando sua situação de abandono, os órgãos policiais, em que a mentalidade ditatorial persistia, começaram a tentar inculpá-los por todos os assaltos a banco cometidos no Brasil inteiro. E a direita mais truculenta tramou inclusive seu assassinato na prisão, abortado quando o pai de um deles, radialista famoso, foi alertado e denunciou o plano em seu programa.

Foi ele também quem veio pedir ajuda em São Paulo, quando os quatro resolveram entrar em greve de fome. Ambos participávamos de edições caseiras de coletâneas de contos e poesias. Atendi ao seu apelo, divulguei de tudo que é jeito a greve e tive a sorte de um dossiê por mim enviado haver chegado às mãos certas, selando nossa vitória. 

Nunca soube se a frustração do PT se deveu a eu ter garantido alguma repercussão para um episódio que ele tentava fazer desaparecer do noticiário ou se foi por eu haver cumprido sozinho o dever de solidariedade que o partido mandara às favas. O Rui Falcão chegou a afirmar que eu e os quatro de Salvador éramos todos "cachorros loucos". Na época, respondi: antes isto do que lulus domesticados.
Depois deste oba-oba, o Exército rugiu e o governo miou.
Saí do PT e me mantive à esquerda do partido desde então, mas evitando a hostilização gratuita. Só disparei críticas mais contundentes em episódios nos quais estavam em jogo valores de grande significado para os revolucionários, como:

— a expulsão do militante honesto Paulo de Tarso Venceslau, por haver denunciado ao partido a corrupção nascente no seu seio e, depois de ignorado por dois anos, alertado a imprensa;

— o chocante descaso com relação à greve de fome do bispo Luiz Flávio Cappio, queimando insensivelmente um instrumento amiúde utilizado pelos idealistas em condições extremas;

— a recuo do Lula diante de um blefe militar, proibindo seus ministros de pregarem a revisão da Lei de Anistia;

— o não cumprimento da determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos relativa à impunidade dos torturadores;

— a criação de uma Comissão da Verdade decorativa e sem respaldo governamental para confrontar pra valer os perpetuadores da mentira; e

— a rendição da Dilma ao neoliberalismo em 2015.
A esquerda na qual me engajei há meio século consideraria estas posturas como divergências válidas e assuntos a serem discutidos, não como heresias cometidas contra o Deus único e verdadeiro. Infelizmente, o Rui Martins tem toda razão ao afirmar que as redes virtuais ligadas ao PT me boicotam e tratam como não-pessoa... tal qual a imprensa burguesa! Ou os opostos se atraem, ou não são tão opostos como querem aparentar...

Quanto a quem orquestrou a perseguição judicial contra mim, não tenho mesmo como identificá-lo(a) e depois sustentar a afirmação, caso necessário. Uma das grandes frustrações dos jornalistas, aliás, é exatamente sabermos tantas coisas e só podermos publicar uma ínfima parte daquilo de que tomamos conhecimento.

Mas, posso revelar que amigos bem-intencionados mandaram mensagens à Dilma (quando presidente) e ao José Eduardo Cardozo (quando ministro da Justiça); embora cético, enviei as minhas em seguida, pois nunca devemos desmerecer os esforços dos que nos são solidários. 

A resposta do Cardozo foi mero juridiquês retórico, tentando fazer parecerem corretos aqueles procedimentos que depois seriam impugnados por todos os ministros do STJ e do STF que os julgaram. 
Será este o recado que ela quis me passar?

A resposta da Dilma foi a de que não lhe cabia interferir numa questão que estava na esfera do Judiciário. 

Escrevi de novo, objetando que o processo só permanecia no STJ porque a AGU, que pertence à esfera do Executivo, insistia em adiar o desfecho com recursos inconsistentes. 

E recebi de volta uma quase repetição integral do que ela colocara antes, como se não tivesse entendido patavina da minha réplica ou quisesse dar a entender que absolutamente não a levara em consideração.

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