"O mercado pode manter a sua irracionalidade por mais
tempo do que do que você pode permanecer
solvente" (John Maynard Keynes)
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O capitalismo tem regras internas de funcionamento que obedecem à sua lógica de reprodução cumulativa autotélica (ou seja, quanto mais cresce, mais precisa crescer) e a pretendida distribuição da riqueza produzida sempre se torna impossível de ser realizada.
É evidente que nas ilhas de prosperidade capitalista, aqueles países que se tornam grandes produtores de mercadorias a custos competitivos no mercado (ou por produzirem mercadorias com alto teor tecnológico ou por possuírem riquezas naturais abundantes de alto consumo como o petróleo) os resultados periféricos dessa produção permitem ao Estado arrecadador de impostos ou produtor uma situação mais confortável, no sentido do provimento de demandas sociais.
Mas o mundo não é só aqui, como bem disse o poeta Manduka na letra de Quem me levará sou eu. Qualquer análise macroeconômica mais séria demonstrará uma realidade inarredável: o mundo sob a égide do capitalismo é pobre e agora, atingido o limite interno de sua expansão graças à obsolescência crescente do trabalho abstrato na produção de mercadorias, agravam-se tanto tal pobreza quanto a falência do Estado. A turbulência é cada vez maior, notadamente nos países periféricos. O planeta se tornou um barril de pólvora.
É dentro desse contexto que devemos analisar o crescimento chinês nas últimas duas décadas (ao qual aludi neste artigo recente e que foi também dissecado pelo Marcos Troyjo noutro post do blogue). O dito cujo não se constitui numa fórmula que fuja da lógica destrutiva capitalista e possa servir de exemplo a ser seguido, mas, pelo contrário, vem é confirmar que o capitalismo e suas contradições internas devem ser combatidos agora e sempre, sem a ilusão de que modos alternativos venham a amenizar de modo localizado o sofrimento do povo.
A China construiu o seu modelo de capitalismo baseado em premissas perigosas que, no longo prazo, demonstrarão ser catastróficas para o povo, inclusive servindo de estopim para um abalo sísmico no capitalismo mundial (sob tal prisma, acabará minando toda a lógica capitalista com muito mais eficácia do que com a revolução armada que no passado propunha).
Fatores de base do tal fenômeno chinês são:
— a baixa taxa de remuneração do trabalho necessário (tempo de trabalho abstrato remunerado a valores baixíssimos, que oportuniza o tempo de trabalho excedente, não remunerado, gerador do lucro);
— a adoção de incentivos fiscais que reduziram a zero os impostos de exportação;
— o desrespeito à lei de patentes;
— a produção de mercadorias em níveis de qualidade diferenciados ao gosto do freguês;
— a manipulação cambial que tenta driblar a representação monetária do valor coagulado em cada mercadoria;
— o incentivo ao contrabando de suas mercadorias junto aos países importadores; e
— o alto índice de endividamento propiciado pelo capital financeiro desempregado e ávido por nichos de mercado nos quais pode reproduzir-se cumulativamente.
A exemplo do que ocorreu na Europa quando da primeira revolução industrial no século 19, um enorme contingente populacional de tradição rural foi urbanizado para a produção industrial e se tornou dependente de tal produção (e de todas as suas incertezas explosivas).
Agora, a produção industrial chinesa vive a impossibilidade material, matemática, de crescimento constante nos nível anteriores, pois esbarra no limite de consumo e capacidade de compra da população mundial; na adoção de barreiras alfandegárias por parte dos países importadores, que veem minguar as suas produções internas de mercadorias e o desemprego, consequentemente, aumentar; e no fato de que seus vizinhos populosos, tão ou mais pobres, estarem seguindo seus passos e se tornando renhidos concorrentes (caso da Índia, da indonésia, do Paquistão, do Vietnã, etc.). Os augúrios são péssimos: a perspectiva de um iminente desastre chinês aterroriza o mundo capitalista.
O povo chinês já começa a sentir os reflexos da insustentabilidade de um modelo que começa a sofrer fissuras. Grandes conjuntos habitacionais fantasmas, desabitados, representam investimento sem retorno, apontando para a insolvência das dívidas que os financiaram; a migração de indústrias para países vizinhos já provoca desemprego (ainda que as estatísticas manipuladas não falem disso); e são centenas de milhões os chineses ora abaixo da linha de pobreza (com renda de 1 dólar estadunidense por dia), deslocados do campo para as cidades, sem qualificação, relegados ao desemprego e privados da produção agrícola.
O pagamento à risca dos juros da dívida pública e privada chinesa exigiria níveis bem mais expressivos de crescimento econômico, que hoje estão fora de cogitação. Daí a perspectiva de que em breve haverá um abalo considerável na já combalida realidade do sistema financeiro mundial, mesmo porque o buraco não poderá ser tapado pela emissão de dinheiro sem valor por parte dos Bancos Centrais, como ocorreu durante a crise do sub-prime em 2008/2009 (uma pequena amostra da tempestade que está se formando agora).
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OS SIMULTÂNEOS NEOLIBERALISMO E
NEO-KEYNESIANISMO BRASILEIROS
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Nada mais neo-keynesiano do que o neoliberalismo nos períodos de crise intensa do capitalismo como agora ocorre; nada mais neoliberal do que o neo-keynesianismo quando a necessidade de expansão do capitalismo de Estado se impõe como forma de sobrevivência do Estado.
O que foi a intervenção dos Bancos Centrais dos Estados Unidos e da União Europeia, países defensores do liberalismo econômico, na crise do sub-prime, se não uma necessária (para o capitalismo) intervenção estatal keynesiana para a salvação do sistema financeiro?
O que está sendo praticado pela China, país dito comunista, governado com mão-de-ferro e repressão política a qualquer dissidente, se não a mais escrachada política neoliberal econômica?
Cunhada nos albores do capitalismo, a expressão francesa laissez faire, laissez aller, laisser passer (deixai fazer, deixai ir, deixai passar) foi uma eloquente defesa do livre funcionamento do mercado sem interferência do Estado, constituindo-se na mais clara definição do liberalismo econômico. Esta filosofia econômica tornou-se dominante nos Estados Unidos e nos países ricos da Europa no final do século 19 e início do século 20.
Cunhada nos albores do capitalismo, a expressão francesa laissez faire, laissez aller, laisser passer (deixai fazer, deixai ir, deixai passar) foi uma eloquente defesa do livre funcionamento do mercado sem interferência do Estado, constituindo-se na mais clara definição do liberalismo econômico. Esta filosofia econômica tornou-se dominante nos Estados Unidos e nos países ricos da Europa no final do século 19 e início do século 20.
Já o Estado nacional capitalista foi criado para dar sustentação ao capitalismo intramuros e defendê-lo do capitalismo externo, estabelecendo-se, portanto, uma contradição entre a necessidade de expansão da capital (privado ou estatal) que busca nichos de mercado em que possa se desenvolver e as normas dos Estados nacionais, voltados para o interesse dos seus cidadãos, na contramão dos interesses dos cidadãos estrangeiros.
O capitalismo é uma guerra de mercado na qual uns saem vencedores e outros perdedores, sem que haja possibilidade de equilíbrio de ganhos. É falaciosa a ideia de desenvolvimento equânime sob o capitalismo seja ele neoliberal ou keynesiano.
O Brasil é, em termos de PIB, um país com números expressivos dentro da economia planetária, sem, contudo, ter uma participação expressiva no mercado mundial em termos de riqueza abstrata. Não passa de um exportador de matérias-primas minerais e de produtos agropecuários que têm baixo valor, daí os números de suas exportações serem relativamente baixos: o volume total das exportações brasileiras em 2016 foi de US$ 185 bilhões, enquanto a China exportou US$ 2,3 trilhões, ou seja, 11,4 vezes mais.
É que a China, graças a atrativos como os seus baixos níveis salariais e os subsídios fiscais oferecidos, recepcionou a grande indústria multinacional sofisticada, passando, assim, a vender tecnologia.
Nas exportações chinesas pontuam as vendas de unidades de disco digital (US$ 188 bilhões, quase o total das exportações brasileiras num único produto); equipamentos de transmissão (US$ 165 Bilhões); telefones (US$ 112 bilhões); circuitos integrados (US$ 65,7 Bilhões); e peças de reposição (US$ 45,4 bilhões).
Ou seja, tornou-se fabricante de produtos sofisticados por obra e graça das indústrias que lá se instalaram para a exploração da mão de obra barata e outras vantagens. Tal modelo, vem se ampliando no continente asiático e até no africano (trazendo consigo um ameaçador aumento na emissão de gases poluentes na atmosfera e mesmo em Pequim, como se vê na foto abaixo).
O capitalismo, sob estas bases, assina a sua sentença de morte, pois reduz a massa global de produção de valor e de extração de mais-valia.
O Brasil adota um modelo híbrido. É neoliberal e keynesiano simultaneamente. Esta dupla personalidade aumenta o tal do custo Brasil de produção, ao mesmo tempo que reduz sua competitividade no fratricida comércio internacional. Ademais, tem renda per capita e direitos superiores aos países asiáticos e africanos, não suportando, portanto, o achatamento acentuado dos salários, a perda de direitos e outras medidas lá adotadas (e aceitas até com naturalidade em função da pobreza histórica dessas nações e do desespero que grassa desde que a lógica capitalista mundial atingiu sua fase de fim de feira).
Vale registrar também que, por estarmos parcialmente fora do processo de mercado internacional, somos menos susceptíveis às turbulências protecionistas que estão sendo articuladas pelos países ricos diante da globalização da produção de mercadorias. O Brasil é pobremente (sob o prisma da riqueza abstrata) autossuficiente.
A conclusão a tirarmos disso tudo é que, qualquer que seja o modelo capitalista que venha a ser adotado no Brasil como forma de sobrevivência, estará destinado ao fracasso.
A conclusão a tirarmos disso tudo é que, qualquer que seja o modelo capitalista que venha a ser adotado no Brasil como forma de sobrevivência, estará destinado ao fracasso.
Na verdade, por mais inatingível que possa parecer o ideal emancipacionista, o Brasil é um dos poucos países que graças às suas riquezas naturais, poderia com certa facilidade superar a vida mercantil sob a égide da forma-valor, adotando um modelo de produção diferente que dele faria um exemplo para o mundo.
Padecemos sob um contato social regido por uma elite política historicamente conservadora e cada vez mais corrupta, subserviente a um empresariado acostumado às benesses estatais dirigidas. Trata-se do mais atrasado modelo de competição capitalista.
A questão que se coloca, pois, não é buscarmos saídas dentro da imanência capitalista que não virão e nem amenizarão as nossas agruras momentâneas, mas fazermos um esforço de superação da lógica do capital que nos aprisiona e do modelo político que derrete a olhos vistos. Ainda que tal empreitada demande um esforço e consciência superiores. (por Dalton Rosado)
4 comentários:
Sou grato a você, Dalton, por instigar a minha pesquisa no sentido da sabedoria.
Numa sociedade em que todos tenham o necessário existe um perigo que a ronda incessatemente: o luxo.
Dizem que Platão asseverou que o luxo traz o seu inseparável parceiro: o vício.
Pelo que entendi, você concebe uma sociedade pós-capitalista ideal na qual todos tenham o necessário sem luxos de espécie alguma.
Dedicando-se todos ao bem comum na medida das suas capacidades.
Porém, percebo que espera novo tipo humano para viver esta era. Um ser dotado de ética superior, afinada aos ideiais e práticas de um igualitarismo construtivo.
Isaias sonhava que o cordeiro e o leão conviviriam fraternalmente... só não diz como.
Os revolucionários tentaram essa evolução forçada da natureza humana vulgar, mas seus esforços sempre terminaram em violência.
Um cara que contribuiu com dois conceitos fundamentais para possibilitar que este avanço moral se dê sem tanta dor. Falo dos imperativos de Immanuel Kant.
Ora, o ser humano médio age sempre por meio do imperativo hipotético. Baseando sua ação na satisfação de seus interesses.
Agindo assim, desqualifica-se para ser membro de um projeto de sociedade igualitária.
A saída lógica para este impasse e para que se tenha algo semelhante a um imperativo categórico é a Norma.
A Lei seria, então, o simulacro do imperativo categórico de Kant numa sociedade formada por indivíduos que só visam o seus próprios interesses.
Para o reinado da Lei impõe-se o guardião da Lei.
Esse seria daqueles raros seres que são honestos apenas porque é virtuoso, em harmonia com o imperativo categórico.
Ocorre, que em pouco tempo o guardião do cumprimento da Lei é assediado pelos demais movidos pelo imperativo hipotético.
Esse assédio se dá por concessão de deferências, respeito, privilégios...
E Platão (o costas largas) acertou em cheio. Do luxo vem o vício e está instalada a esculhambação geral.
Até que o ambiente viciado imponha o necessário processo de higienização.
Portanto, nem as melhores mentes conseguiram suplantar o problema da viciosidade intrínseca do ser humano. Seu atávico e inegável egoismo.
Marx, Lenin e você sempre admitem um período e exceção antes do advento do tempo de igualdade.
Então, porque simplesmente não aperfeiçoarmos cada vez mais a Lei e sua aplicação?
Porque a sabedoria milenar da civilização e os seres humanos de per si devem ser rejeitados? (quiçá eliminados em genocídios que fizeram alguns revolucionários famosos)
Será que revolução mesmo é simplesmente ser ético e cooperativo sem precisar de um kulak para isso?
Será que toda Lei reflete o imperativo categórico?
Porque não eliminar que são interesses egoístas impostos à sociedade?
Por fim, acredito na utopia como ponto de partida para reflexões sobre como implementá-las na realidade, nas condições materiaise humanas que temos.
E estamos tão perto! Pelo menos do pontode vista material.
RESPOSTA ENVIADA POR E-MAIL PELO DALTON:
Caro SF,
há uma aspiração natural do ser humano no sentido da obtenção de meios materiais de subsistência com comodidade, que é algo absolutamente legítimo e possível de ser alcançado graças ao saber adquirido pela humanidade ao longo dos tempos. O luxo e a ostentação são resultantes de desvios de conduta de sociedades que elegem as desigualdades e a riqueza extrema como atributos dos “vencedores” e sõ servem para humilhar e submeter os pretensos “perdedores”. O luxo e a ostentação são apresentados como metas a serem alcançadas.
Vivemos sob um contrato social irracional cuja lógica interna de funcionamento não é compreendida pela quase totalidade dos indivíduos sociais. A lógica de produção e reprodução do valor (dinheiro e mercadorias) atingiu um ponto de saturação que está travando a produção dos bens necessários ao consumo humano (transformados em mercadorias) e provocando o desespero para grandes contingentes populacionais mundo afora ao mesmo tempo em que concentra renda e o luxo de uns poucos.
Quando aliarmos esse saber adquirido a uma forma de produção e organização social na qual todos sejam contributivos, poderemos alcançar o estagio de uma produção de bens e serviços que não apenas poderá promover a satisfação das necessidades sociais de modo pleno, como isso poderá ocorrer de modo ecologicamente sustentável e sem que exija esforços acima da capacidade humana como hoje ocorre (uns trabalham demais; muitos outros não têm o que fazer e são maerginalizados; e há outros que não trabalham e vivem luxuosamente de rendas.
Uma sociedade baseada em princípios de convivência éticos certamente que contribuirá para que os indivíduos sociais elejam as virtudes humanas como valores morais a serem seguidos, diferentemente do que ocorre nas sociedades mercantis, capitalistas, nas quais a lei da vantagem é o que conta e os mais espertos servem de exemplos como “vencedores” a serem imitados.
Os exemplos havidos ao longo da triste trajetória do ser humano até aqui devem servir de exemplos sobre o que deve e o que não deve ser repetido. A lei, oriunda de uma sociedade na qual não seja preciso se usar filigranas jurídicas para afirmar o injusto como justo (como ocorre na sociedade capitalista), certamente que será absorvida e aperfeiçoada (sempre poderá haver distorções e manipulações) dentro do ideal de realização de justiça.
Um abraço e mais uma vez obrigado pela participação.
Eu é quem sou grato, Dalton.
Meu texto está tão desconexo e mesmo assim você respondeu.
E ainda colocou algum ordem nas ideias.
Duas coisas contribuiram para a barafunda: ainda estou absorvendo o alcance dos conceitos de Kant e o teclado do tablet.
Melhor que o comunismo é sem duvida
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