Já lá se vão 10 anos que o movimento estudantil voltou a marcar forte presença na sociedade brasileira, começando pela ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo no dia 3 de maio de 2007, re-estréia de uma das práticas mais emblemáticas dos universitários de 1968.
Depois de manterem a ocupação durante 51 dias, os novos contestadores efetuaram a desocupação, vitoriosos, no dia 22 de junho, ao som do altaneiro hino revolucionário do Geraldo Vandré; aliás saíram, exatamente, "caminhando e cantando e seguindo a canção".
Foi quando, depois de visitar a ocupação, escrevi o texto abaixo, convicto de que os fios da História começavam a ser reatados, para a retomada dos movimentos de contestação no estágio em que eles pararam quando a assinatura do AI-5 arrojou o Brasil nas trevas do arbítrio total.
Após ter sido depositada na lixeira da História aquela bestial ditadura contra a qual os melhores seres humanos naturalmente se uniam, a acumulação de forças por parte dos que lutavam contra a desumanidade capitalista passou a ser bem mais lenta.
Mas, perceptível. Para quem tinha um mínimo de sensibilidade política, eram favas contadas que, mais dia, menos dia, uma enorme onda de protestos sacudiria o País.
E em 2013 a onda chegou, apontando um caminho para o futuro e tornando instantaneamente ultrapassada a esquerda que trocara os ideais revolucionários por uma ilusão de poder, deixando-se cooptar e domesticar pelos inimigos de classe.
Então, faço questão de lembrar como tudo (re)começou, publicando novamente um dos textos que mais me orgulho de haver escrito. Lancei-o no dia 31 de maio. Logo depois, o então governador José Serra capitulou, anunciando que reveria os quatro decretos autoritários repudiados pelos uspianos.
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Depois de manterem a ocupação durante 51 dias, os novos contestadores efetuaram a desocupação, vitoriosos, no dia 22 de junho, ao som do altaneiro hino revolucionário do Geraldo Vandré; aliás saíram, exatamente, "caminhando e cantando e seguindo a canção".
Foi quando, depois de visitar a ocupação, escrevi o texto abaixo, convicto de que os fios da História começavam a ser reatados, para a retomada dos movimentos de contestação no estágio em que eles pararam quando a assinatura do AI-5 arrojou o Brasil nas trevas do arbítrio total.
Após ter sido depositada na lixeira da História aquela bestial ditadura contra a qual os melhores seres humanos naturalmente se uniam, a acumulação de forças por parte dos que lutavam contra a desumanidade capitalista passou a ser bem mais lenta.
Mas, perceptível. Para quem tinha um mínimo de sensibilidade política, eram favas contadas que, mais dia, menos dia, uma enorme onda de protestos sacudiria o País.
E em 2013 a onda chegou, apontando um caminho para o futuro e tornando instantaneamente ultrapassada a esquerda que trocara os ideais revolucionários por uma ilusão de poder, deixando-se cooptar e domesticar pelos inimigos de classe.
Então, faço questão de lembrar como tudo (re)começou, publicando novamente um dos textos que mais me orgulho de haver escrito. Lancei-o no dia 31 de maio. Logo depois, o então governador José Serra capitulou, anunciando que reveria os quatro decretos autoritários repudiados pelos uspianos.
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POR DENTRO DA REITORIA OCUPADA
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A última segunda-feira de maio é ensolarada, uma exceção no invernal outono paulistano. As pessoas ao redor da reitoria da Universidade de São Paulo, ocupada pelos estudantes desde o dia 3, mostram aquela animação habitual de quem reencontra o calor e o céu azul, após vários dias frios e cinzentos.
Conversam, brincam, confraternizam. Há líderes de servidores públicos se revezando num alto-falante para instruir/entreter quem chegou adiantado à reunião da categoria que terá lugar ali mesmo, ao ar livre. Ninguém parece preocupar-se com uma invasão da Polícia Militar, para cumprir o mandado de reintegração de posse concedido pela Justiça.
Uma barricada de pneus diante da entrada é a vitrine da ocupação. De que realmente servirá, caso cheguem brutamontes bem treinados e equipados, que têm a violência como realidade cotidiana? Quase nada. Mas, os símbolos têm papel importante nas batalhas em que o grande objetivo estratégico é a conquista de corações e mentes.
Diante da única porta de entrada, alguns estudantes do esquema de segurança fazem a triagem dos visitantes. Basta ter uma carteirinha de aluno ou professor da USP para entrar sem problemas. Como não sou uma coisa nem outra, levo alguns minutos para convencê-los de que não vim brincar de 007.
Como credencial, apresento meu livro Náufrago da Utopia, que por acaso trago comigo. Agrada-lhes o caderno iconográfico, com muitas fotos do movimento estudantil de 1968. Meio convencidos de minhas boas intenções, deixam que eu vá parlamentar com a Comissão de Comunicação (ou rótulo que o valha). Acompanhado, por enquanto.
Lá decidem que eu posso circular à vontade pela reitoria ocupada, liberando meu cicerone/vigia para outras tarefas. Uns 15 estudantes rodeiam meia dúzia de computadores, uns digitando e os outros palpitando.
Cuidam de manter o blogue da ocupação no ar, de selecionar e imprimir textos que serão expostos nos quadros de avisos e paredes. E também de mandar mensagens de esclarecimento aos jornalistas que falam mal da ocupação. [Como se isso adiantasse. Tirando honrosas exceções, a imprensa se colocou contra os estudantes, às vezes dissimuladamente, outras da forma mais panfletária e caluniosa, como fez a Veja São Paulo, que os acusou de “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros”.]
A diferença mais marcante em relação às ocupações antigas é, exatamente, o esquema de comunicação sofisticado da atual, incluindo TV por Internet e rádio livre. De resto, sinto-me como se tivesse entrado num túnel do tempo e desembarcado naquele mês de julho de 1968 em que a Faculdade de Filosofia da rua Maria Antônia (SP) esteve ocupada para servir como QG das iniciativas em apoio da Greve de Osasco, lançando a nova onda que (como agora) rapidamente se alastrou.
Os mesmos colchonetes espalhados por um salão em que repousam alguns sentinelas cansados, após a vigília da madrugada – período mais propício para uma operação policial, exigindo, portanto, cuidados redobrados (e muita disposição para enfrentar o frio).
Os mesmos jovens com roupas coloridas e brilho no olhar, convencidos de que estão fazendo História, embora alguns ainda sejam imberbes.
Os mesmos mosaicos de textos e imagens compondo um visual agradavelmente anárquico. [O pôster mais hilário é o do governador José Serra fazendo mira com um fuzil e os dizeres “José Serra, nada mais nos U.N.E.”. Que ingenuidade, deixar-se fotografar em pose tão incompatível com sua aura e seu passado!]
Sou capaz de apostar que, se fizesse uma excursão como a que estou fazendo, a reitorazinha teria chiliques, pois, à anarquia criativa, deve preferir os ambientes burocratizados, assépticos e sem vida, a julgar pelo que revela nas entrevistas: faz musculação, esteira e escova nos cabelos, usa terninhos de estilo clássico, quer corrigir pálpebras e bochechas com cirurgia plástica.
Deuses, o que faz uma farmacêutica numa posição dessas? Serão esses os temas que uma reitora deve tratar na imprensa, quando sua universidade vive a maior crise das últimas décadas? [De quebra, é uma ingênua que, a mando ou com autorização do governador, pede reintegração de posse e depois paga o mico de ver o mandado judicial descumprido, já que os estudantes não engoliram o blefe e Serra teme as conseqüências desse presumível confronto sobre suas ambições políticas.]
Até permitem que os faxineiros continuem cumprindo sua função de manter limpas as várias dependências, indiferentes ao perigo de que o inimigo possa infiltrar-se camuflado com macacões.
O que não funciona mesmo são os caixas eletrônicos de bancos, nos quais foram colados avisos de “sem dinheiro”. Uma fração infinitesimal da usura consentida pela Justiça e abençoada pelo sistema foi detida. Vem-me à lembrança uma música de Sérgio Ricardo, ídolo dos universitários responsáveis pelas ocupações de quatro décadas atrás: “Os bancos e caixas-fortes/ que eram rocha, se quebraram/ e um rio de dinheiro correu”.
À saída, lanço um último olhar a esses jovens belos, brilhantes e idealistas, aparentemente tão frágeis, mas dispostos a enfrentar a tropa de choque da PM, se isso for necessário. Espero, torço para que não venha a ser.
Volto para o mundo real da desigualdade, da competição e da ganância, depois de um breve reencontro com o faz-de-conta revolucionário. Ciente de que há um longo caminho a percorrer até que os voluntários da utopia voltem a ser em número suficiente para tentarem ir além do faz-de-conta.
E, mesmo assim, esperançoso, pois um passo importante está sendo dado, com esse renascer do movimento estudantil que ora se delineia. É tudo de que precisamos, a renovação e oxigenação da esquerda, depois de tantas desilusões e defecções.
As pedras voltam a rolar.
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