"A democracia, que arapuca!"
(Anselm Jappe, filósofo alemão)
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Era uma vez um posto de gasolina com lava-jato que servia para a lavagem de dinheiro considerado explicitamente sujo (embora todo dinheiro o seja!). O delito veio à tona em 2009, quando era investigada a ação de doleiros a serviço de empresas do então deputado federal José Janene e as autoridades perceberam que aquilo não passava da ponta de um grande iceberg.
A operação policial desencadeada a partir daí resultaria em prisões preventivas no ano de 2014, recebendo o nome de Lava-Jato, em função do seu local de origem.
Já nessas primeiras detenções veio o instituto jurídico-processual-penal da delação premiada, no qual o criminoso, temeroso da pena mais pesada, assume a autoria do crime e passa a denunciar os seus comparsas para fazer jus a uma sentença mais branda. Assim, de delação em delação, chegou à explicitação daquilo que todos nós (ou quase) já sabíamos:
- a democracia é um engodo;
- a república é podre;
- o capital é a sua razão de ser.
O precursor José Janene; depois dele veio o dilúvio. |
A promiscuidade com que se entrelaçam dinheiro público, processo eleitoral e enriquecimento ilícito privado é coisa antiga.
Entretanto, com o acirramento das disputas pelo poder e o próprio desenvolvimento do capitalismo, o volume de dinheiro aí envolvido aumentou de tal forma que fez o cálice transbordar, transformando-se num imenso mar de lama.
Pari passu à miséria crescente do povo veio a falência do Estado, causada pela depressão econômica mas agravada pela corrupção que tudo deforma, daí hoje estarmos vendo pessoas atônitas (muitas na 3ª idade) por não receberem suas pensões; uma previdência social ameaçada de colapso financeiro; os serviços públicos em estado falimentar; uma economia estagnada; a permanência irreversível do desemprego estrutural, que priva o homem são de prover o seu sustento; e tudo e (quase) todos ansiosos pela retomada do desenvolvimento econômico.
Ora, mas não está na exatamente na esfera econômica a causa de tudo isso?
Há quem considere que seja apenas a má gestão (política e privada) da economia, e não a sua natureza intrínseca, a causa deste estado de coisas, pugnando, então, por mais do mesmo. Estão enganados, claro!
A vida, tal como o óleo dentro d’água que sempre vem à tona, termina por expor a verdade: o sistema de segregação social sob a mediação social da forma valor (capitalismo), que é a corrupção em si, não poderia resultar em outra coisa senão naquilo que estamos a presenciar, qual seja o infortúnio de bilhões de serem humanos no nosso ecologicamente combalido planeta.
É evidente que, por causa da explicitação generalizada do funcionamento pernicioso do processo democrático (que abrangeu todo o espectro político de modo nunca visto na história do país e quiçá do mundo, tanto em valores quanto na quantidade de pessoas) e considerando que punidos e punidores fazem parte da mesma estrutura estatal que dá sustentação ao capitalismo, hão de ser colocados cada vez mais panos quentes nesta questão, para se preservarem as instituições decrépitas que lhe dão sustentação.
E os que denunciaram tal estado de coisas correm até o risco de serem punidos como dedos-duros a serviço do capital internacional. [Será o capital nacional menos nocivo? Acredite quem quiser...] Afinal, situacionistas e oposicionistas coincidem em considerar que o sistema, ainda que corrupto na sua essência, deva ser salvo a qualquer custo. Rejeitam a superação sistêmica do problema que não têm conseguido de resolver com a política: o limite interno da expansão do capital e sua consequente autofalência.
O capital, graças às contradições dos seus próprios fundamentos, não pode resolver os graves problemas por ele mesmo criados e que estão atingindo no bolso parcelas bem informadas da população, os chamados formadores de opinião. Com isto, a tendência é de que cada vez mais pessoas comecem a compreender o que está realmente ocorrendo, apesar da faina obnubilante da indústria cultural.
Mais cedo ou mais tarde os trabalhadores terão de abandonar os seus desejos, agora irrealizáveis, de retomada do crescimento econômico e da volta do estado do bem-estar social que antes lhes protegia (embora a maioria da população vivesse sempre muito mal).
A superação sistêmica não será obra dos eternos empobrecidos do capital, ora ameaçados de morte pela fome, pela guerra ou pela emigração forçada, mas por um segmento da população mundial formadora de opinião, que buscará formas alternativas de produção e organização social.
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O SISTEMA SUBSTITUI SEUS SERVIÇAIS EM DESGRAÇA
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As lideranças políticas tradicionais, todas elas com a imagem corroída pela enxurrada de denúncias e condenações decorrentes das operações de combate à corrupção (graças à repentina e benfazeja onda de moralidade em curso), deverão ser privadas do comando político e substituídas por novas lideranças... que repetirão a velha política. Muitas delas, inclusive, acabarão voltando ao palco, após a hibernação forçada.
A memoria popular não apenas é curta como aceita a corrupção, elegendo amiúde os tais políticos do rouba, mas faz.
Não é por menos que Fernando Collor, dado como politicamente morto após seu impeachment em 1992, nove anos depois já estava disputando novamente o governo de Alagoas (perdeu); e 14 anos depois, uma cadeira no Senado (venceu). Está no seu segundo mandato da nova fase e seu nome consta da lista do Fachin, assim como constou da lista do Teori, há dois anos.
Destarte, não basta combatermos a corrupção política e os que dela fazem parte ou farão; temos de questionar aquilo que produz tal podridão, escancarada pela mídia, que transforma até a própria corrupção denunciada em mercadoria noticiosa, em mais uma demonstração da força destrutiva e autodestrutiva do capital.
Nunca foi tão necessário se discutirem as bases sobre as quais está erigido o edifício social, no sentido de compreendermos as razões da crise econômica; da falência do aparelho de estado; e do seu canal de legitimação, a política (não apenas dos políticos).
Substituir peças no aparelho político do estado não representará solução frente à decadência econômica do capitalismo, que sempre foi segregacionista, mas que agora se tornou explicitamente assassino, quer seja pelo roubo nas grandes obras públicas, da verba da merenda escolar ou dos remédios do sistema de saúde; pelas bombas jogadas do alto; ou pela fome e miséria instalada nos subúrbios e guetos do mundo inteiro.
Os partidos de esquerda, ávidos pela assunção ao poder estatal que vive do capital (e, portanto, dele é dependente e estimulador submisso), cometem o erro fundamental de achar que podem mudar a essência desse mesmo aparelho estatal e colocá-lo a serviço do povo.
A autocrítica da esquerda não deve ser do seu modo funcional, de forma, mas do móvel do seu conteúdo existencial.
A autocrítica da esquerda não deve ser do seu modo funcional, de forma, mas do móvel do seu conteúdo existencial.
O ativismo que clama por mais emprego e melhores salários, por políticos honestos, por melhora das pensões previdenciárias, pela maior presença do Estado, sem compreender o conteúdo intrínseco dessas reivindicações, fortalece o inimigo que julga combater e se torna contrarrevolucionário.
Emancipação esta que somente poderá vir com a superação da forma-valor e todos os seus construtos auxiliares, implicando uma ruptura com o nosso pensar aculturado na matriz fetichista da forma-mercadoria. (por Dalton Rosado)
Um comentário:
Dalton,
Durante algum tempo pensei que vc não se apercebera que há um terceiro tipo de pessoas com um sistema que substituirá o capitalismo.
E que não serão os socialistas.
Mas ao asseverar que "a superação sistêmica não será obra dos eternos empobrecidos do capital, ora ameaçados de morte pela fome, pela guerra ou pela emigração forçada, mas por um segmento da população mundial formadora de opinião, que buscará formas alternativas de produção e organização social", vc mostra que ja entendeu que algo novo está sendo gestado no seio das sociedades.
Bem, o que percebi em seu texto é que não faz a menor ideia de quais sejam essas alternativas e de como elas fagocitaram o imenso cabedal de conhecimento e técnica que já foi produzido. Dando-lhe uma destinação ao mesmo tempo boa e justa.
Já ouviu falar do filtro de grafeno?
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