CRISE POLÍTICO-ECONÔMICA MUNDIAL: CAUSAS, EFEITOS E SAÍDAS.
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"Quando escrita em chinês a palavra crise compõe-se
de dois caracteres: um representa perigo e o
outro, oportunidade." (John Kennedy)
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O mundo está em ebulição.
Como sabemos, a política obedece aos humores da economia, que a financia e que é o seu instrumento auxiliar regulador e mantenedor submisso. Com a economia em depressão, a governabilidade política se transforma numa administração de perdas sociais crescentes, fator de insatisfação social e de crise da própria política. É simples assim.
O impasse político causado pela ingovernabilidade estatal deriva da anemia econômica. Há, hoje em dia, um travamento da produção de mercadorias causado pelo estágio avançado da contradição entre a capacidade tecnológica dessa produção e a produção de valor, que atinge o Estado.
Assim, tudo tem conexão direta com o limite da capacidade de expansão do sistema produtor de mercadorias, que se traduz num modo de relação social que expõe a sua contradição existencial inconciliável da qual falava Karl Marx há quase 160 anos, e que está agora nos impor a sua superação.
Este é o conflito fundamental: entre o velho obsoleto e o novo que necessita surgir.
Vivemos as dores do parto, e temos a opção de vermos nascer uma criança saudável e capacitada ao enfrentamento dos novos desafios ou abortarmos tal nascimento, o que acarretará uma guerra genocida com poder letal para toda a humanidade.
De um lado vemos o surgimento de uma onda política conservadora que se estriba no discurso ultrapassado de que as franquias sociais seriam as causas das dificuldades.
Neste discurso está embutida a defesa de uma suposta competência de gerenciamento político na qual pontua a defesa da austeridade (leia-se sacrifício social) como forma de recuperação econômica, que nada mais é do que a defesa da lógica capitalista por cima das evidências de sua própria saturação, bem como a retórica (falaciosa) de combate à corrupção perpetrada em conluio agentes do Estado – combate que foi elevado à categoria de solução fundamental dos males sociais e deve ser apoiado até as últimas consequências
Neste discurso está embutida a defesa de uma suposta competência de gerenciamento político na qual pontua a defesa da austeridade (leia-se sacrifício social) como forma de recuperação econômica, que nada mais é do que a defesa da lógica capitalista por cima das evidências de sua própria saturação, bem como a retórica (falaciosa) de combate à corrupção perpetrada em conluio agentes do Estado – combate que foi elevado à categoria de solução fundamental dos males sociais e deve ser apoiado até as últimas consequências
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O discurso conservador, infelizmente, consegue atrair um eleitorado desavisado e ansioso por melhoras, que termina por delegar aos vilões controladores e servos do capital a busca de soluções para os problemas causados pelo sistema capitalista (defendido por estes mesmos vilões...). Este discurso tem fôlego curto, pois, na medida em que as causas da infecção do organismo social não são debeladas, eles, uma vez eleitos, têm de administrar pela força militar a escassez nas sociedades mercantis.
Por sua vez, a retórica oposicionista, por mais que pareça contrapor-se à onda conservadora, trabalha com os mesmo ingredientes capitalistas (as chamadas categorias imanentes à forma-valor) que são a causa do infortúnio social.
A chamada esquerda, cujo discurso é pseudo-libertador, quando chega ao poder, descredencia-se perante o povo por tentar administrar o capitalismo com uma dose de humanismo que é inconciliável com a própria natureza do dito cujo, acabando por dar com os burros n’água.
Neste histórico pêndulo da ineficácia se estabelece agora o confronto épico entre forma e conteúdo. E as propostas de saída da crise têm sido inconsistentes, pois se reduzem a uma onda de protestos generalizados, mas sem proposições emancipatórias e sem unidade orgânica, ocorrendo em países que já provaram as benesses do capitalismo na sua fase de ascensão (enquanto a periferia mundial suportava as agruras da exploração capitalista mundial) e agora se veem privados das ditas cujas.
Os protestos são contra as perdas e as restrições aos direitos adquiridos; mas, infelizmente, não têm um norte referencial que os encaminhe para a superação de um modo de relação social que negue todas as categorias capitalistas (que são a causa primária do infortúnio social).
Tateamos no escuro, mas é possível que a humanidade, tangida pelo imperativo da sobrevivência, termine por encontrar o caminho, descartando o sistema produtor de mercadorias e adotando um novo modo de relação social capaz de aproveitar o saber tecnológico da humanidade em prol do suprimento das suas necessidades de consumo material e imaterial.
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A INCONSISTÊNCIA DAS SOLUÇÕES PROPOSTAS
DENTRO DA IMANÊNCIA CAPITALISTA
DENTRO DA IMANÊNCIA CAPITALISTA
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A Europa vem estudando propostas de um salário-base (uma espécie de seguro social) para todos os cidadãos, desempregados ou não, de modo a que se possa manter ali um nível mínimo de sobrevivência para todos.
A Finlândia, país desenvolvido economicamente, embora com nível de desemprego de 10% da população economicamente ativa, estabeleceu um programa de renda básica para todos os seus cidadãos economicamente ativos independentemente de estar empregado ou não, orçado em torno de R$ 3,9 mil.
A Holanda também segue com a ideia da renda mínima nos mesmos termos (juntamente com outros países europeus).
Tais iniciativas demonstram que o desemprego renitente em escala mundial torna imperativa uma mínima proteção da população, mas implementada dentro da lógica do capital e tendo como contrapartida a diminuição dos custos de assistência médica e de outras demandas sociais pelo Estado quando o cidadão tem poder aquisitivo.
Medidas como a introdução de renda mínima pela mercadoria dinheiro, possíveis de serem implantadas apenas nos países economicamente desenvolvidos e com renda per capita alta (como a Finlândia) é impraticável para a maioria dos países pobres; estes, que se constituem em 75% da população mundial, não têm a possibilidade de proporcionar salários dignos para os empregados e, muito menos, para os desempregados.
A ideia (tão cara ao ex-senador e atual vereador Eduardo Suplicy) de distribuir renda mínima em dinheiro significa uma tentativa de manter vivo o sistema produtor de mercadorias, em seu estágio de depressão, bem como de conter a perigosa insatisfação da população europeia diante do desemprego estrutural, uma vez que dinheiro é mercadoria que compra mercadoria. Tal medida tem a pretensão de estimular o desenvolvimento econômico, cujo entrave essencial se chama capitalismo e não tem mais solução viável e sustentável.
E, claro, tal solução não teria o condão de livrar a humanidade das garras do capitalismo, seja porque a distribuição de renda mínima nos padrões europeus é inviável para os populosos países periféricos, seja por não superar as contradições inconciliáveis do capitalismo mundial após ter atingido o limite de sua expansão necessária.
A produção de bens e serviços capazes de satisfazer o consumo humano, fora da condição de mercadorias, é tema tabu, difícil de ser concebido e compreendido pelas mentes aculturadas com a ideia de que somente com dinheiro se pode produzir algo.
A evidência (pouco observada socialmente) de que em cada produto ou serviço que serve ao nosso consumo inexiste anatomicamente um grama sequer dessa matéria abstrata e inorgânica chamada dinheiro (expressão abstrata-material da abstração valor), é o que nos impede de percebermos o óbvio: basta o esforço humano (cérebro, nervos e músculos), em interação com as matérias existentes na natureza, para que possamos produzir o nosso sustento, sem a interveniência usurpadora da mediação social patrocinada pela lógica do capital.
Costumamo-nos a ouvir a frase, segundo a qual “nada se faz sem dinheiro”. Tal frase somente é correta dentro de uma sociedade mediada pelo dinheiro. Mas, paradoxalmente, é justamente a impossibilidade de reprodução do valor (dinheiro e mercadorias) no atual estágio do capitalismo aquilo que está travando a produção e causando a fome e a miséria no mundo.
Agora, ocorre o inverso: somente poderemos produzir bens e serviços na medida das necessidades se e quando abolirmos o dinheiro.
(por Dalton Rosado)
5 comentários:
Postando comentário enviado de Berna pelo Rui Martins:
"Caro Danton Rosado,
talvez eu não tenha bem entendido sua crítica sobre a renda mínima básica para todos, mas, talvez ainda visionário em excesso, considero esse projeto muito mais ambicioso que o de ficar nas periferias do mundo rico.
É a chance de vermos lá pelos anos 3000 um mundo diferente sem o segmento da pobreza e sem a ganância acumulativa dos ricaços e da multinacionais. Seria a realização do sonho de Jean Ziegler, um mundo onde todos poderão comer. E dos próprio Lula, pré-Lava Jato, quando defendia almoço e jantar para todos.
Por um coisa simples que não vi no seu comentário: a evolução da automatização e da robotização mudarão o sistema de produção e transformarão a estrutura social. A quebra do trabalho escravo ou mal pago, substituído pela robotização e diminuição das horas de trabalho e valorização do lazer será um novo tipo de revolução equivalente à descoberto do não há Deus pelos Iluministas ou pelo fim dautopia do comunismo, em 1989, ao cair o Muro de Berlim.
Agora que o comunismo chinês, vietnamita, coreano do norte ou socialismo venezuelano ou francês chegaram ao fim da linha sem outra proposta a oferecer senão retornar ao capitalismo, é necessário se tentar pensar diferente, como o binário da revolução digital ou as fotos digitais em contraposição aos filmes Kodak.
O rendimento básico para todos é uma revolução pacífica que dentro de alguns anos proporcionará uma ascenção social para muitos e impedirá que outros rolem para a miséria. E reforçará a imagem do Estado providência que a direita tanto gosta de minimizar.
Veja bem, não é só a Finlândia e a Holanda e mesmo uma cidade francesa que testam ou pensam em testar esse projeto aparentemente visionário. As bolsas família de Lula foram um pequeno teste. apesar de ser ridículo o mínimo básico oferecido, teve uma repercussão importante junto a milhões de pessoas na miséria. Se essa ajuda fôsse maior, teria sido muito mais importante o impacto e uma legislação regulamentando o crédito impediria que ocorresse uma explosão de dívidas anulando praticamente o efeito das bolsas.
Grande abraço, Rui Martins"
RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON ROSADO:
Caro Rui Martins,
Primeiramente quero dizer que para mim é uma honra poder trocar figurinhas com você no sentido da busca da emancipação popular. É essa busca, com todos os tropeços inevitáveis e por vezes marcados pela intolerância com os nossos próprios pares, aquilo que pode nos encaminhar para soluções viáveis e verdadeiramente emancipatórias, ainda que quando lá chegarmos nós tenhamos que enfrentar problemas inerentes às relações humanas que sequer conhecemos.
A história, infelizmente, registra raivosos comportamentos, agressões verbais e até assassinatos entre pessoas componentes de um campo que prega a luta pela igualdade e fraternidade, e já passou da hora de sermos os donos da verdade. Mas isso não significa que devemos nos furtar ao debate, que deve ser marcado por respeito e tolerância.
Mas tentemos explicar a minha crítica às soluções dentro da imanência capitalista.
Acostumamo-nos a raciocinar que qualquer solução dos problemas sociais têm que passar pela justa distribuição do dinheiro, e não pela sua superação, como se ele fosse um dado ontológico da nosso existência ou um ganho civilizacional.
Tal raciocínio implica necessariamente na existência do estado moderno e de todos os seus construtos auxiliares formatados à imagem e semelhança do objeto a que servem: o capital.
O estado, que é quem vai proporcionar a distribuição da renda mínima dentro das propostas por mim criticadas, não produz valor (dinheiro e mercadorias), ainda que seja dono das empresas produtoras de mercadorias, como nas sociedades marxistas-leninistas tradicionais. Quem produz valor é o trabalho abstrato produtor de mercadorias (sendo ele mesmo uma mercadoria) e a reprodução aumentada de valor está indissoluvelmente ligada à extração de mais-valia e ao mercado.
Assim, a exploração capitalista continuaria, mas amenizada por uma renda mínima que não se sabe por quem seria financiada em termos globais.
As propostas de distribuição de renda mínima pelo estado, somente pode ocorrer em sociedades capitalistas desenvolvidas e com nível de produtividade tal que proporcionem ao estado a possibilidade de pagamento dessa mesma renda mínima. Mas o capitalismo não pode se desenvolver linearmente mundo afora, graças à sua própria natureza. Os ricos, somente são ricos na razão direta da existência de um maior numero de pobres. (continua)
RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON ROSADO (continuação):
Veja o exemplo brasileiro. Estamos com um déficit da previdência social no que se refere ao pagamento das pensões previdenciárias neste ano passado (2016) que está consumindo boa parte da receita fiscal. Com o desemprego crescente e outros fatores, tal déficit está apontando já para uma inadimplência catastrófica no futuro que representará os ingredientes para uma guerra civil. É por isso que se justifica e se apela para a aceitação das perdas previdenciárias, como forma de salvamento do capitalismo brasileiro em tempos de depressão.
Imagine se fosse estabelecida no Brasil uma renda mínima de R$ 3.900,00 mensais como na Finlândia, para toda a força de trabalho economicamente ativa. De onde viria esse dinheiro? É evidente que o capitalismo, que se baseia na apropriação da riqueza produzida, e que tem no estado o seu suporte institucional, não pode distribuir riqueza que não foi produzida.
Mas mesmo na União Europeia, emissora do euro, e nos Estados Unidos, emissor do dólar como moeda internacional, a queda na produção de valor válido (advinda da produção de mercadorias) está em descompasso com a emissão de moedas pelos seus respectivos Bancos Centrais, e a população desses países somente continua com confortável consumo interno (embora também com perdas) graças ao endividamento público e privado crescente e à emissão de moeda sem lastro, mas por todos aceita. Esse artificialismo vai estourar mais cedo ou mais tarde.
Se pudéssemos emitir moeda ao bel prazer e com isso garantir uma renda mínima aos cidadãos os problemas estariam resolvidos. Mas não é assim que funciona a lógica de reprodução do capital.
A distribuição de bens e serviços coletivamente somente poderá ser viável com a superação da forma valor (dinheiro e mercadorias), e considero que no atual estágio do saber tecnológico adquirido pela humanidade, e com a interação produtiva dos indivíduos socais com a natureza poderemos viabilizar com comodidade a satisfação das necessidades materiais e imateriais da sociedade.
O dinheiro tem uma lógica própria, reificada, que submete os seus servos de tal modo que nos impede até de raciocinarmos fora dele e de dele nos desprendermos. A proposta de distribuição de renda mínima universal é inviável, e por isso deve ser denunciada como medida paliativa inconsistente, ainda que possa ser bem intencionada.
É assim que penso, com a certeza de que posso me quedar a argumentos que me convençam do contrário.
Um fraterno abraço e fico muito grato de você ter me proporcionado a possibilidade de esclarecer o meu ponto de vista.
Dalton Rosado
Dalton,
Não o condeno por seu negacionismo e por querer impor sua visão dos fatos, mesmo trucidando a teoria monetária. Faria o mesmo se estivesse no seu lugar. Posso estar errado, mas o programa de creditar a todos os seres humanos o suficiente para viver é um avanço irretornável, pois estamos muito mais ricos do que nunca estivemos como espécie.
Para frente é que se anda. E o caminho se faz caminhando. A crítica baseada em dogmas morre por si mesma.
Foi assim que a ciência possibilitou hoje sonharmos com alimento e dignidade para todos.
Neste processo os políticos e filósofos só ficaram empatando o jogo, congestionando o meio de campo, com suas certezas ontológicas. Sem nunca se darem ao trabalho da experimentação, da mensuração dos resultados, da inferência estatística ou mesmo a simples constatação dos fatos sem vieses.
Desculpe, mas certo é o que dá certo.
RESPOSTA QUE O DALTON ENVIOU POR E-MAIL:
Caro SF,
a ciência bem que podia nos proporcionar alimento e dignidade para todos, mas a lógica do capital impede que tal aconteça. A fome no mundo é grande e está aumentando, e isso quem afirma é a FAO, organismo da ONU, de insuspeita ligação com o mundo mercantil.
A ação baseada na empiria da vida tem gestado um mundo absurdo como esse no qual estamos vivendo. Os filósofos, a quem sempre coube uma interpretação do mundo, jamais participaram dessa construção monstruosa.
Se o certo é o que dá certo, está tudo muito errado.
Um abraço, Dalton Rosado
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