O ser humano tem uma capacidade impressionante de adaptação e submissão às condições adversas de vida, a ponto até mesmo de rejeitarem as possibilidades de melhora de vida propostas.
Atualmente no Brasil (e na maior parte no mundo), as pessoas convivem apaticamente com claros sintomas de que a sociedade está doente. Ao invés de se rebelarem contra tal situação, preferem fechar-se numa concha individual de pretensa proteção, à espera da solução dos problemas por parte de outrem, como se coubesse apenas aos entes chamados vagamente de autoridades a responsabilidade de apagarem os incêndios que não cessam de surgir.
Os indícios de patologias sociais são flagrantemente constatáveis, bastando para isto abrirmos a porta das nossas casas ou ligarmos a televisão.
Por que somos obrigados a erigir muros em volta das nossas casas e (os que temos maior poder aquisitivo) sobre eles colocar cercas elétricas, ou (os menos favorecidos) aqueles feios cacos de vidros, enquanto os favelados dispensam muros, pois não possuem quase nada que alguém possa cobiçar?
Por que não podemos ver a diversidade da arquitetura urbana, que, a partir dos muros, mais parece um tedioso e repetitivo bloqueio visual dos emparedados (agora, em São Paulo, sem a arte dos desenhos em grafites, que quebravam um pouco tal monotonia)?
Por que nos grandes centros urbanos somos obrigados a passar horas e horas no congestionamento de veículos para ir ao trabalho e para dele voltar, seja em ônibus ou carros particulares, aspirando gás carbônico que, além de poluir o ar que respiramos, produz o chamado efeito estufa, criando uma barreira na atmosfera que contribui para o aquecimento do planeta?
Por que nossos rios e mares são poluídos com o lixo que descartamos de modo displicente e irresponsável, além de neles jogarmos dejetos industriais altamente poluentes e de termos uma deficiente coleta do lixo, cujo destino final são os aterros anti-sanitários?
Por que se estabeleceu entre nós a cultura de buscarmos sempre sobrepujar os nossos semelhantes nas mais variadas situações do cotidiano, como se fôssemos adversários uns dos outros numa competição fratricida, que acaba sendo o salvo-conduto para a prática da beligerância coletiva?
Por que cometemos a pequena corrupção e recriminamos a corrupção sistêmica (desde que praticada por nossos adversários ideológicos)?
Por que somos obrigados a pagar um plano de saúde caro, cujo atendimento muitas vezes nos é negado em momentos cruciais por uma burocracia qualquer, ou a nos sujeitar ao atendimento médico do SUS, cuja ineficiência é notória?
Por que na periferia das cidades as pessoas são obrigadas a viver em ruas mal pavimentadas, sem esgotamento sanitário e drenagem contra alagamentos, além de terem de viajar em ônibus precários e vagões abarrotados?
Por que somos obrigados a conviver com tão extremado nível de violência, expresso, p. ex., nas mortes por balas perdidas e na assustadora frequência de assaltos a caixas eletrônicos, num país que outrora era conhecido pela cordialidade do povo e convívio pacífico das várias etnias?
Por que assistimos à volta de doenças como tuberculose, hanseníase e febre amarela, além do recrudescimento da dengue e do surgimento de viroses como zika e chikungunya?
Por que ainda temos elevado índice de analfabetismo e (o que é tão grave quanto!) grande parte da população sendo considerada analfabeta funcional, incapaz de interpretar um texto, por mais simples que seja, ou de redigir um recibo?
Por que somos obrigados a tomar conhecimento, pelo noticiário, dos repetidos episódios de desvio de verbas da merenda escolar por políticos corruptos?
Por que somos obrigados a aceitar taxas de juros do cartão de crédito que atingem até 480% ao ano, quando a inflação anunciada se situa atualmente na casa de pouco mais de 6% ao ano?
Por que temos de suportar a constante anulação dos direitos adquiridos (como a redução dos valores da aposentadoria por parte do sistema de previdência social estatal, ao mesmo tempo em que passa a exigir cada mais tempo de contribuição do candidato à mesma aposentadoria?
Por que uma condenação penal por qualquer crime pode significar inclusão obrigatória como soldado do crime organizado, ou a morte num presídio, sem que o estado garanta a incolumidade física do apenado, função e responsabilidade de sua incumbência, fato que significa uma condenação à criminalidade ou à pena de morte não oficializada?
Por que temos (principalmente os jovens) de conviver com o fantasma do desemprego, que obriga um pai e/ou uma mãe de família, a passar fome junto com seus filhos, sob risco de despejo por falta de pagamento de alugueis, quando estão aptos a um emprego, mas este lhes é negado?
Por que somos obrigados a consumir vegetais e frutas contaminadas com agrotóxicos que causam câncer, tudo em nome de melhora da produtividade para maximização dos lucros?
Ufa!
Seriam ainda muitas as citações possíveis de fatos inerentes à miséria social que à qual a maioria da população é submetida no atual estágio da vida brasileira, em contraste com o admirável desenvolvimento tecnológico, capaz:
— de produzir embriões humanos ou clones de animais pela engenharia genética, como se fossem xerox de papel;
— de produzir drones minúsculos ou gigantes, capazes de transportar pequenos objetos ou seres humanos;
— da comunicação imediata auditiva e visual em todos os quadrantes do mundo, via satélite;
— dos robôs com inteligência artificial;
— dos veículos que trafegam sem motoristas pelas ruas e avenidas;
— das naves interplanetárias capazes de pousar em planetas distantes com transmissão instantânea de informações; etc., etc. etc.
Entretanto, o contraste entre os ganhos do saber da humanidade e a miséria social antes referida é flagrante, e deriva de um modo de relação social cuja superação é tema tabu; e que sempre foi ruim, mas que agora se tornou absolutamente insuportável, por obsolescência completa de sua forma e conteúdo, mas que continua a ser praticado.
Mas, a permanência deste modelo de relação social cruel e falido pode ser explicada a partir de alguns fatores principais, quais sejam:
— a força coercitiva institucional, que mantém pela lei e pela força manu militari o atual status quo;
— a inconsciência social sobre a negatividade da mediação social reificada que lhe é subjacente;
— a adaptação comodista dos indivíduos sociais à opressão que lhes é imposta;
— o medo do novo e do desconhecido.
A miséria, por si só, não se constitui em fator de emancipação. Ao contrário, é fator de submissão, por um lado, e de promoção da barbárie na sua forma mais cruel e opressora, por outro lado. Caso a miséria fosse indutora da emancipação, a África com seu quase 1 bilhão de habitantes, seria um bom exemplo. Não é.
Neste sentido, os países desenvolvidos, ora atingidos pela crise do capitalismo e com seus altos níveis de escolaridade e consumo em fase de perdas, devem representar uma luz no fim do túnel.
Por Dalton Rosado |
Que o digam as crescentes e altamente participativas manifestações contra a estupidez de um Donald Trump, que, com sua visão microeconômica da economia aplicada à administração pública, está apressando a morte de um sistema moribundo chamado capitalismo.
Um comentário:
PRONTO: a sinistra ja tem seu messias..e - surpresa- ele atende por donald trump
"Que o digam as crescentes e altamente participativas manifestações contra a estupidez de um Donald Trump, que, com sua visão microeconômica da economia aplicada à administração pública, está apressando a morte de um sistema moribundo chamado capitalismo."
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