quarta-feira, 19 de outubro de 2016

MASSACRE DO CARANDIRU: MAIS DE 100 ENTIDADES E DEFENSORES DOS DH VÃO AO CNJ QUESTIONAR ATUAÇÃO DE SARTORI.

CARANDIRU, SONHO AUTORITÁRIO
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Um artigo de Paulo Sérgio Pinheiro (1)
Não fui o primeiro a entrar no pavilhão 9 do Carandiru, onde 111 presos desarmados foram mortos por PMs em 2 de outubro de 1992. Visitei a antiga Casa de Detenção de São Paulo no dia seguinte ao massacre, quando todos os corpos já haviam sido retirados.

O chão dos corredores e das celas fora lavado, mas sangue ainda escorria nas paredes. Um cheiro atroz de desinfetante indicava a tentativa de apagar os vestígios da barbárie. Necropsias demonstraram que 90% dos detentos foram alvejados na cabeça.

Comuniquei-me à época com o governador Luiz Antônio Fleury Filho, na esperança de que fosse se contrapor à violência ilegal da PM. O governo, no entanto, alegou que se tratava de um conflito armado –tese bastante implausível, já que nenhum PM foi baleado nem ferido por arma de fogo. A cada novo detalhe revelado, essa interpretação fajuta foi-se esboroando.

E, afinal, quem dera a ordem de invasão? A questão nunca foi esclarecida, mas uma ordem houvera, pois a PM não se meteria numa operação dessa envergadura sem o consentimento das instâncias superiores. Os altos escalões do governo e da corporação militar jamais foram punidos.

O país reviveu os horrores do massacre 24 anos depois, em audiência na 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo no dia 27 de setembro. 
Indignação dos justos não é bancada pelo crime organizado...

Na ocasião, o desembargador Ivan Sartori votou pela anulação do julgamento e pela absolvição de 74 policiais envolvidos no crime, alegando que não houve massacre no Carandiru, mas sim uma ação em legítima defesa.

Em resposta a esse voto delirante, que tenta consagrar a impunidade aos 74 PMs já condenados, mais de cem personalidades e entidades que atuam no âmbito dos direitos humanos ingressaram na terça (18) com uma reclamação disciplinar contra o desembargador Sartori no Conselho Nacional de Justiça.

O surpreendente argumento de legítima defesa, tentativa de anular o veredicto do júri popular de cinco julgamentos, ignora as provas nos autos que mostraram cabalmente que os policiais militares excederam seu poder, executando presos que não apresentaram resistência.

O mesmo desembargador demonstrou supremo desprezo pelas exigências de impessoalidade do magistrado ao se manifestar em uma rede social em 4 de outubro.

"Diante da cobertura tendenciosa da imprensa sobre o caso Carandiru, fico me perguntando se não há dinheiro do crime organizado financiando parte dela, assim como boa parte das autodenominadas organizações de direitos humanos", escreveu (2).
...como canhestramente insinuou Sartori.

O caso Carandiru concentra em si o profundo descaso com que as autoridades tratam a violência arbitrária do Estado contra negros, pobres e segregados. É um exemplo da continuidade autoritária sob a democracia, na qual a sanha punitiva segue minuciosamente seletiva.

O ideal para o autoritarismo brasileiro é que criminosos e condenados desapareçam, exterminados se possível. O massacre do Carandiru, consagrada a impunidade, ficará para sempre como a realização desse sonho macabro.
  1. Paulo Sérgio Pinheiro, 72 anos, é diplomata e acadêmico, professor na ativa da Brown University (EUA) e aposentado da USP. Foi ministro dos Direitos Humanos no governo de FHC e membro da Comissão Nacional da Verdade no de Dilma Rousseff. Preside a comissão da ONU de investigação sobre a Síria.
  2. Se Sartori suspeita de um crime, deve mandar apurar. Se não passa de retórica, a liturgia do cargo lhe veda fazer tais elucubrações em público.

4 comentários:

Valmir disse...

porque será que, dos rios de tinta que a mídia gasta diariamente para expressar sua solidariedade e preocupação com o bem estar dos piores criminosos e bandidos mais cruéis nunca sobrou um pingo, uma gota sequer, que seja para uma virgula de pesar pelas suas vitimas????
em vista disso será assim tão absurda a tese do desembargador que atribui isso ao fato de a imprensa ser financiada pelo crime organizado???

celsolungaretti disse...

Como eu escrevi, não é papel de um desembargador de Justiça fazer elucubrações gratuitas e criar suspeições a esmo.

E, em termos técnicos, seu relatório alegou que na denúncia não se fizera a individualização das culpas. Foi exatamente como ele agiu, ao colocar TODOS os seus críticos como possíveis mercenários a soldo do PCC.

O peixe morre pela boca.

BLOG DA SANDRA PAULINO disse...

A foto sorridente de José Ivo SARTORI, governador gaúcho está totalmente fora de contexto. Quem ilustrou a matéria, por certo o confundiu com o desembargadorIvan Ricardo Garísio Sartori

celsolungaretti disse...

Grato, Sandra, foto mudada.

Quem ilustra o blogue sou eu mesmo, não tenho patrocínio nenhum nem grana sobrando para investir. Vou me virando como posso.

De resto, eu não conheço nem o Sartori gaúcho, nem o de São Paulo. E o segundo jamais quererei conhecer.

Um abração!

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