"Até tu, Brutus?"
(Júlio César, imperador romano, ao
ser apunhalado por antigos aliados,
inclusive seu afilhado Marco Brutus)
O libelo acusatório do deputado federal Eduardo Cunha, a sua defesa e o seu julgamento equivaleram a um tonitruante espetáculo circense sem graça (e que me perdoem pela analogia os valorosos artistas de circo). O enfim cassado é a mais clara tradução do significado da instituição parlamentar brasileira, forte concorrente ao título de campeã mundial da hipocrisia.
Todos os membros da institucionalidade constituída pelos poderes do Estado proclamam à exaustão a importância de suas instâncias para a democracia, como se essa última fosse o inquestionável estágio da busca da isonomia soberana da participação social. A repetida necessidade desta afirmação somente evidencia a inconsistência daquilo que é afirmado.
Mas, o que é mesmo a democracia e seus representantes parlamentares?
Inculcam-nos certos valores, martelando-os ad nauseam, como se fossem sacralizados e a sua contestação, um sacrilégio, passível de condenação ao fogo do inferno. O conceito de democracia e seu parlamento é um deles.
O que dizer de uma instituição como o parlamento brasileiro, no qual (conforme Cunha admitiu, sem nenhum pejo, na tribuna) cerca de 1/3 dos membros estão sendo processados por corrupção?
O que dizer desses julgadores de dedo sujo a apontarem para um seu colega mais hábil na corrupção (sabe-se que que muitos deles recebiam propinas e favores do próprio Cunha), condenando-o hipocritamente?
O que dizer do processo eletivo maculado pela compra de votos, com o poder econômico elegendo deputados a bel-prazer? Pode-se obter votação expressiva mesmo não contando com a mínima penetração popular e sendo absolutamente desconhecido pela grande maioria dos seus eleitores, desde que se possua recursos suficientes para encher as urnas com os votos originários dos chamados currais eleitorais, em perfeita comunhão de interesses com prefeitos igualmente corruptos...
O que dizer da escolha de Cunha para presidir a Câmara dos Deputados, processo no qual tiveram papel revelante os milhões surrupiados em tenebrosas transações envolvendo empresas estatais e companhias privadas, numa relação direta de apadrinhamento com o governo?
Um dos deputados que defendiam Cunha disse, sem temer as palavras e de um modo que não alteraria o gráfico de nenhum detector de mentiras, que estava ali fazendo uma defesa confortável do acusado porque não tinha dor de consciência, ou seja, se considerava igual ao dito cujo e por isto estava a apoiá-lo, diferentemente dos seus pares.
A sua altivez contrastava com a hipocrisia de muitos desses pares. Talvez tenha sido o momento de maior lucidez, pelo reconhecimento explícito do que estava a ocorrer naquela encenação circense, na qual se sacrificava um corrupto para se salvar a instituição corrompida e os demais corruptos, seus pares.
Na meca do capitalismo mundial, os EUA, o candidato que mais arrecada fundos para a sua campanha é tido como aquele que detém maior prestígio eleitoral capaz de leva-lo à vitória, numa demonstração explícita de que é o poder econômico a síntese e a essência desse engodo chamado democracia.
No Brasil, apesar de tudo ocorrer da mesma forma, a justiça eleitoral encena um arremedo de combate ao poder econômico, mera pantomima para inglês ver. Lá nos States não há tanto cinismo, pelo menos.
A democracia é antidemocrática e o espetáculo teatral da cassação de Cunha não passou do final de longos meses de encenação de uma ópera bufa, servindo como a explicitação insofismável de que a democracia, tanto quanto o capitalismo, constituem uma inversão da realidade.
Deputados eleitos sem a legitimidade de soberania de vontade dos que o escolheram, beneficiários em sua grande maioria de tudo que é maracutaia descoberta ou encoberta neste Brasil de tantas desigualdades sociais, travestiram-se de julgadores da corrupção: uma ironia somente cabível num sistema que nega o mais ínfimo senso de justiça social! Esses são os representantes do povo.
Costumo dizer que o Estado existe para regulamentar, manter e induzir a existência do capitalismo, o qual é uma forma de relação social segregacionista. Em assim sendo, todos os seus construtos institucionais se formatam à sua imagem e semelhança.
A análise que ora fazemos da forma e conteúdo do parlamento brasileiro (e mundo afora, ainda que possa haver melhor qualificação nos países onde a dependência do povo em relação ao poder econômico é menos acentuada e o nível de escolaridade, maior), se estende às outras esferas do poder.
O poder Executivo é o centralizador das ações administrativas do Estado e, por isto mesmo, aquele que detém as funções básicas do Estado acima referidas.
O poder Judiciário e a força de coerção estatal para o cumprimento das leis legiferadas pelo parlamento, com a composição ideológica que ora tem. Portanto, o Judiciário se transforma no cutelo dos poderosos, ainda que seus membros lavem as mãos tal como Pilatos no credo, e como se estivessem cumprindo aquilo que lhes foi determinado pela lei advinda da vontade popular, por representação de legislador eleito pelo povo. Daí resulta que o direito e sua aplicação pelo Judiciário, como tudo no mundo capitalista, seja a inversão da realização do ideal de justiça.
O capital é opressor e o Estado, enquanto seu instrumento jurídico-institucional, não passa da face legitimadora da opressão. O parlamento, consequentemente, não poderia ser diferente do que é. (Por Dalton Rosado)
Nenhum comentário:
Postar um comentário