"O capital e o trabalho não são realidades opostas:
o trabalho é uma atividade específica do
capitalismo... Não se trata, pois, de
libertar o trabalho, mas de nos
libertarmos do trabalho"
(Manifesto contra o trabalho,
Grupo Krisis, Antígona)
Se não há emprego suficiente para todos, ou seja, se já não há trabalho abstrato produtor de valor ao nível da empregabilidade plena para os indivíduos sociais, a única forma de se obter o sustento material pleno da coletividade é a superação dessa forma de mediação social e sua substituição por outra, capaz de promover a solução do problema.
Tal conclusão, por mais óbvia que seja, não é aceita pela política (de direita, de esquerda e de qualquer posição ideológico-geográfica), simplesmente porque significaria a sua superação enquanto instrumento institucional de manutenção da ordem mercantil, e, mais do que isto, a superação da própria ordem mercantil e seus construtos institucionais (o Estado e seus poderes executivo, legislativo e judiciário, e o próprio conteúdo do direito, etc.).
De tanto nos acostumarmos com a ideia inculcada nas nossas mentes por todas as formas de massificação direta ou sublinear, da virtude de se trabalhar para ganhar dinheiro e com ele se adquirir os bens e serviços necessários à vida, o indivíduo social é levado a crer que tal mecanismo de mediação social é ontológico, ou seja, que sempre existiu e sempre existirá, como um ganho da marcha irreversível da civilização, tal qual a descoberta do fogo e, muito tempo depois, da energia); ou como a necessidade de se tomar água, comer ou satisfazer suas necessidades fisiológicas (essas sim, inerentes à condição da vida humana).
É obvio, contudo, que a vida social já teve outros parâmetros de mediação social, e pode, agora, voltar a tê-los de modos muito mais eficazes e adequados ao estágio do desenvolvimento do saber atual.
O trabalho abstrato é uma categoria social recente na história da humanidade, diferentemente da atividade de produção humana de bens e serviços necessários à vida, a que Marx se referiu como interação metabólica do cérebro, nervos e músculos do ser humano com a natureza para dela extrair o seu sustento. Tal categoria social é imanente à produção de valor, que é a gênese do capitalismo. Assim, o trabalho abstrato é uma categoria capitalista, e sob outra forma de relação social ela deixará de existir.
Aproximamo-nos celeremente desse momento, cujos efeitos clamam pela sua própria superação, exaurido que está como modo eficaz de mediação social. As guerras e convulsões sociais hoje existentes, mais acentuadas do que nunca, que o digam!
A humanidade, sem se aperceber da negatividade da substituição da partilha comunal primitiva e da substituição da troca generosa de excedentes de produção pela troca quantificada, na qual somente se trocam produtos de qualidades e quantidades diferenciadas a partir do critério de dificuldade de produção de cada produto (leia-se tempo de duração do esforço humano para a produção de bens), estava, nesse ato, criando a ideia de valor, uma representação numérica, abstrata, para mensurar o tempo de duração do esforço humano como valor, que assim, se corporificava em um objeto, transformando-o em mercadoria (uma abstração tornada real).
O próprio trabalho abstrato, ou força de trabalho, passava assim a ser, juntamente com o objeto produzido, também uma mercadoria, ambas com personalidades concreta e abstrata.
A troca quantificada (chamada de escambo) foi o embrião da concepção de valor como medida abstrata de mensuração, e sem que fosse percebido o seu conteúdo negativo, pois parecia ser algo justo e saudável, mas que na verdade trazia em si o vírus da segregação social já aí inoculado; os fortes e hábeis como produtores seriam socialmente dominantes e os demais membros da sociedade, dominados.
Foi o curso do desenvolvimento da troca quantificada o que gerou a ideia de escravização do ser humano como máquina de produção. À medida que o poder passou a se expressar na acumulação de riqueza material como embrião da riqueza abstrata (unidades de valor) com capacidade de troca por diversos bens, a escravização do ser humano como máquina de produção passou a ser fonte de poder e a tônica da produção social; as antigas guerras por território passaram a ter outro leitmotiv, qual fosse a vitória para a subjugação dos vencidos como escravos.
A potencialização das guerras foi, portanto, a primeira resultante negativa da ideia de acumulação de riqueza material e abstrata da humanidade. O valor é genocida.
O segundo movimento escravista, como decorrência do primeiro, que durou cerca de 3 milênios para se consolidar, foi o desenvolvimento do modo de produção mercantil a partir do século XV, que exigia a forma-valor como modo de mediação social em larga escala, sepultando as relações pré-capitalistas de então e endeusando o trabalho abstrato, sua substância primária, como fonte de dignidade humana: o mais sutil engodo de defesa da libertação humana da história.
A revolução iluminista francesa do final do século XVIII e a revolução industrial inglesa do século XIX foram os pressupostos dessa virada da escravização direta para a escravização pelo trabalho abstrato que perdura até os decadentes dias atuais, além do Estado nacional moderno, cujos raios verdadeiramente luminosos de sua superação já estão prenunciando a aurora de uma vida nova e socialmente justa (se superarmos a barbárie em curso).
Como a forma-valor se funda no trabalho abstrato como forma abstrata de existência escravista e como o trabalho abstrato está se tornando supérfluo graças ao desenvolvimento da tecnologia de produção, no qual o ser humano passou a ser um mero operador de máquinas sofisticadas e computadores em sua grande maioria, reduzindo o valor agregado das mercadorias a um mínimo, e com tendência a zero (embora isso não possa ocorrer, pois, antes, sucederia uma inviabilidade total da sociabilidade pela forma mercantil), a lógica de mediação social pela forma valor evidencia a sua impraticabilidade expressa no momento de convulsão social bárbara sob o qual vivemos.
Há uma saída, e não é o aeroporto. Basta que nos convençamos de que temos de produzir para distribuir equitativamente tudo que for produzido e usando todo o saber adquirido pela humanidade e os recursos naturais de modo racional e ecologicamente sustentáveis nessa produção.
Há uma saída, e não é o aeroporto. Basta que nos convençamos de que temos de produzir para distribuir equitativamente tudo que for produzido e usando todo o saber adquirido pela humanidade e os recursos naturais de modo racional e ecologicamente sustentáveis nessa produção.
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