OLIMPÍADA DO DESALENTO
Sempre fico a dever quando comento sobre o comportamento de pessoas, especialmente dos chamados formadores de opinião, por não conhecer mais a fundo outros povos. Conheço superficialmente os brasileiros.
Por aqui, os tais fazedores da cabeça alheia tudo distorcem em demasia. Pode ser na política, nos hábitos cotidianos, na cobertura de catástrofes, no esporte. E se superam em elogios quando se referem às estatísticas positivas dos gestores públicos.
Neste momento, interessa tentar rebater a distorção sobre o apoio que os brasileiros teriam dado à realização de uma Olimpíada, no momento em que o Brasil foi escolhido como país-sede.
Cabe ressaltar que, devido à magnitude do evento, sua realização na América do Sul era, à época, inimaginável. Qualquer pessoa com o mínimo de carinho por seu país se sentiria orgulhosa de vê-lo como uma vitrine mundial positiva, mesmo que por alguns dias. Daí a euforia, semelhante àquela que existiu quando da Copa do Mundo de 2014.
Naquela ocasião, muitos se entusiasmaram e apoiaram a proposta de realização do maior evento desportivo do mundo em solo brasileiro, antevendo um possível reconhecimento internacional, em cujo bojo certamente viriam benfeitorias concretas: o legado representado pela infraestrutura construída para os jogos, os empregos a serem gerados, os rendimentos financeiros proporcionados pelos turistas, etc.
Num contexto de perspectivas alvissareiras como este, só seria contrário quem fosse muito despeitado ou torcesse pelo quanto pior, melhor!.
Tudo isto, obviamente, enquanto a Copa do Mundo ainda não se tornara realidade. Somente depois dela, a ficha cairia e a satisfação minguaria.
Não ocorreu nenhuma mudança nas ações governamentais após sua realização. Nenhum indicador social melhorou. O leque diário de tragédias na Cidade Maravilhosa continuou sendo um cartão de visitas vergonhoso que exibimos ao mundo. Casos como o da criança que teve sua massa encefálica espalhada pelo asfalto, após ser arrastada presa a um carro; da prisão, tortura e sumiço (provável assassinato seguido de ocultação dos restos mortais) do pedreiro Amarildo; das centenas de pessoas que continuaram sendo assassinadas pelas balas perdidas mais achadas do planeta.
As retomadas de territórios permitiram hastear muitas bandeiras ao som do Hino Nacional. Também possibilitaram se disseminar a esperança com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, hoje totalmente desacreditadas e desmoralizadas.
Obras imponentes foram construídas para as competições esportivas, as mordomias se mantiveram para o pessoal do andar de cima, enquanto o Estado definhava para a inadimplência absoluta. Em meio a tal dicotomia entre obras nababescas e atraso no pagamento de salários, uma ciclovia foi construída, inaugurada às pressas com as pompas de praxe e entregue pronta para cair, causando mais duas mortes aberrantes.
Agora é a vez dos Jogos Olímpicos. Na estrutura física, parece que o Rio de Janeiro se equiparará às demais cidades que já realizaram esses mesmos jogos. Somente nisso. Não houve nenhum projeto no país inteiro com vista à preparação de atletas de alto rendimento, capazes de competir em pé de igualdade com desportistas de primeira grandeza.
Chega-se a menos de um mês dos Jogos com o Estado sem pagar os salários dos servidores, que, literalmente, estão passando fome.
Se há aspectos positivos na realização desses jogos é que, nos moldes em que foi preparada, a abertura poderá ser a mais bela de todos os tempos, além de haver a possibilidade muito grande de uma receptividade calorosa semelhante à abertura do Mundial Fifa de 2014.
Infelizmente, porém, o Brasil será o país-sede que menos ganhará medalhas de ouro em toda a história dos Jogos Olímpicos. Após o grande evento, continuarão os resgates de presos de presídios e de hospitais, as vidas sendo ceifadas gratuitamente, as maravilhosas obras tornar-se-ão esqueletos pichados.
Definitivamente, voltamos ao tempo do coronelismo, quando quem preparava o banquete nem sequer tinha o direito de sentar-se à mesa.
O brasileiro que apoiou a realização dos Jogos Olímpicos jamais poderia imaginar que ela se daria à custa da fome literal do nosso povo e que consistiria apenas numa festa para entregar medalhas aos visitantes.
Welcome to hell, dizem os cariocas, com inteira razão.
Bem-vindos ao inferno!
Bem-vindos ao inferno!
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