quinta-feira, 28 de abril de 2016

A CRISE NA BASE DO TOPO (ou HÁ ALGO NO AR ALÉM DOS JATINHOS DAS EMPREITEIRAS)

"O próprio capital é a contradição em processo, 
(…) pois esforça-se por reduzir o tempo de trabalho 
a um mínimo, enquanto, por outro lado, põe o tempo 
de trabalho como única medida e fonte da riqueza." 
(Karl Marx, Esboço da Crítica da Economia Política)

Os donos do poder afirmam que as instituições estão sólidas e em perfeito funcionamento no Brasil. Na verdade, e independentemente da qualidade moral dos seus integrantes, elas estão assentadas sob uma base de areia movediça. Basta nos debruçarmos com honestidade e senso crítico imparcial sobre os dados da economia brasileira e mundial, para constatarmos que vivemos o momento de exaustão do atual modelo econômico-político. 

Desfiar aqui os dados da decadência econômica planetária para a comprovação do que salta aos olhos de todos seria enfadonho (quem quiser constatá-los basta ter a paciência de consultar comparativamente tais dados nos vários indicadores econômicos); igualmente se pode constatar a ocorrência da decomposição política, que sucumbe juntamente com (e em decorrência de) aquilo que lhe dá sustentação: a economia (e não o contrário). 

O porquê, ou o ponto fundamental ao qual se deve dar atenção para compreensão da crise atual é a existência de uma contradição primária no modelo mercantil decadente: o capital nasce e vive graças ao trabalho abstrato em crescendo, mas, no entanto, paradoxalmente, e como demonstração de uma contradição inevitável graças ao regime de concorrência de mercado, o capitalismo elimina aquilo que é a seiva de sua existência: esse mesmo trabalho abstrato.        

Não é com surpresa (embora cause certa perplexidade, por considerarmos que tal comportamento se assemelha ao dos músicos do Titanic) que constatamos não existir nenhum dos representantes da superestrutura institucional de poder voltando-se contra aquilo a que servem: a natureza contraditória e decadente da sociedade mercantil e dos construtos que formatam o seu mundo jurídico-institucional, pois, afinal, todos os figurões da república mercantil têm de beijar a mão do modelo de sociedade que os sustenta e têm de ajudá-la a sobreviver, negando-se a admitir as cruéis turbulências destrutivas que lhe são imanentes, sejam eles:
  • ministros do Supremo Tribunal Federal; 
  • membros das altas casas legislativas federais (que, apesar de se comportarem como críticos do comportamento alheio, estão sendo processados como criminosos e continuam nos seus cargos sem o menor pejo); ou 
  • membros dos mais altos cargos executivos da nação (para não falarmos da omissão uníssona, unânime, das esferas inferiores dos mesmos escalões do poder nos Estados membros e municípios). É que eles são parte disso tudo, e o pior cego é o que não quer ver.
Ocorre, entretanto, que “nem tudo está como dantes, no quartel-general de Abrantes”, como diria o espião de Napoleão Bonaparte em terras lusitanas. As labaredas de uma repulsa popular estão cada vez mais intensas. 

Isto se constata na sofisticada Paris (a mesma Paris dos imigrantes suburbanos desempregados), com jovens a ocuparem as praças em assembleias populares, evocando os chamados situacionistas de maio de 1968 e lendo Guy Debord; nas multidões que repudiam os políticos em suas manifestações, como no Brasil; nas iniciativas solidárias de muitos diante da insensibilidade governamental com os imigrantes que morrem aos milhares nos mares; em movimentos como OWS - Ocuppy Wall Street nos EUA, black blocs na Alemanha e alhures, indignados na Espanha; na retomada dos movimentos anarquistas na Grécia; no Greenpeace, etc. 

Por não terem uma coesão de pensamento consciente no sentido de uma ação unificadora sobre o que fazer, ainda que saibam perfeitamente o que não podem nem devem aceitar, eles promovem um ativismo cego que corre o risco de se desmanchar sem resultado prático como espumas de ondas gigantes na praia, caso não encontrem uma teoria revolucionária consistente e unificadora que os oriente para uma práxis emancipatória.

Entretanto, a insensatez dos acomodados donos do poder, insensíveis ao fogo que os rodeia, persiste; eles fingem que tudo funciona muito bem e dentro da normalidade institucional. Surpreender-se-ão com a ocorrência do que consideram um improvável tsunami, quiçá sob a forma emancipatória e não sob a forma da barbárie social (já em curso) ou da hecatombe nuclear.

A cegueira é geral. Políticos de oposição clamam por mais empregos; políticos da situação prometem que reduzirão os índices de desemprego; sindicatos, em tempos de desemprego estrutural, barganham pela mísera preservação do emprego e até apresentam reduções salariais como vitória; empresários e banqueiros se desesperam pelos custos das demissões de empregados e pelo fato de saberem muito bem que somente ganham dinheiro a partir do trabalho abstrato, ora em declínio, então clamam pela impossível retomada do desenvolvimento. 

Mas, infelizmente para todos eles, é irreversível a curva do desemprego maior do que o surgimento de novos nichos de produção e serviços que possam produzir novos empregos. Se o trabalho dignifica o homem, como se diz comumente no jargão que positiva a escravidão indireta do trabalho assalariado, como fica a dignidade de um trabalhador demitido que já não encontra um novo posto de trabalho e tem uma família para sustentar? Torna-se, por isso, um indivíduo indigno? Os conceitos falidos da sociedade mercantil rodam em falso e são desmistificados.

Com o fim do trabalho, vem o fim da sociedade mercantil; com o fim da sociedade mercantil vem o fim da política, do Estado e de suas instituições; e com o fim disso tudo vem o fim da sociedade da exploração? A resposta afirmativa a essa indagação pode representar a grande ruptura emancipatória; a sua negação significará a barbárie. Infelizmente, ainda, todos os acomodados senhores do mundo e os inconscientes trabalhadores explorados clamam em uníssono: trabalhotrabalho, trabalho!

Mas há vida fora do mercado. Aliás, num futuro não muito distante, somente poderá haver vida fora do mercado, pois a lógica do sistema produtor de mercadoria atingiu o seu limite de expansão, e faz água. O dinheiro atualmente promove um travão no fazer, e aquela certeza antiga de que só se faz alguma coisa com dinheiro, transformou-se no seu inverso: somente se produzirá se superarmos o dinheiro. Isto porque só existe uma fonte de produção de dinheiro válido: o trabalho abstrato produtor de valor, e como ele se tornou supérfluo, a mediação social pelo dinheiro se tornou impossível.

Um modelo societário no qual as atividades humanas de produção de bens servíveis ao consumo se destinem apenas à satisfação das necessidades humanas, e não à produção de valor, superando o atual estado de coisas, nunca foi tão urgente e necessário. (por Dalton Rosado)

4 comentários:

SF disse...

Dalton, sua constatação é brilhante em relação fim do trabalho e do sitema mercantil.
Dirvijo quanto ao fim do estado.
Na minha visão o estado perderá sua função de arrecadador de impostos e ficará como emissor de meio de pagamento garantido pelo monopólio da violência (atributo de estado desde sempre).
A razão?
Se eu emito meio de pagamento e recebo impostos na forma desse mesmo meio que emiti, então para que a operação supérflua de arrecadar? Basta que aceitem meu dinheiro como pagamento!
Essa é a decorrência lógica do uso da moeda fiduciária.

Por fim, lembro que a pílula anti-concepcional começou a ser comercializada nos anos 60 e só agora há alguma leveza na prática sexual. Pouca, incipiente, eivada de perversões. E já se passaram quase sessenta anos da libertação.

Não será diferente na condução da política fiscal e monetária do estado.

Mesmo porque, embora neguem, Malthus tem razão quanto ao crescimento da população e dos recursos.
Vide os imigrantes mulçumanos que vieram de um deserto árido e de poucos recursos para a rica europa. Reproduziram-se como se não houvesse amanhã!

celsolungaretti disse...

O DALTON NÃO CONSEGUIU POSTAR A RESPOSTA AO COMENTÁRIO DO SF E ME PEDIU QUE O FIZESSE POR ELE. AÍ ESTÁ:

Caro SF

Primeiramente quero agradecer o comentário elogioso e a sua estimuladora intervenção, pois ela contribui para o tão necessário embate de ideias.

A forma valor, que transformou objetos servíveis ao consumo em mercadorias, como sua representação, nasceu no momento em que foi abolida a partilha comunitária e foi introduzido o escambo, que é a troca quantificada, ou seja, aquela em que objetos de quantidade e qualidade diferenciadas (não se trocam coisas exatamente iguais) eram trocados através de um critério: o tempo de esforço físico do homem em interação com a natureza para seu feitio ou obtenção (que mais tarde veio a ser o que Marx chamou de trabalho objetivado). O dinheiro, que surgiu sob as várias formas físicas (gado, sal, de onde deriva a palavra salário, etc.), servia como catalizador dessas trocas, viabilizando-as. Assim, sob essa forma, o dinheiro, representado por uma mercadoria qualquer, seria a representação materializada do valor, uma abstração tornada real.

Mais tarde viria a ser representada pela moeda (ouro ou prata) de mais fácil manuseio e possível de ser mensurada numericamente. Tudo fez parte da evolução de uma forma mercantil de relação social que se desenvolveu ao longo dos séculos. Até aí, apesar de se ter abandonado gradativamente a partilha comunitária, na qual não havia castas sociais, tudo parecia natural. Mas isso foi o embrião da sociedade escravocrata que surgiria na esteira dessa troca quantificada, na qual se poderia acumular de modo segregacionista, a riqueza material, que concomitantemente se transformava em riqueza abstrata (o valor).

O dinheiro sob a forma de uma emissão documental estatal teocrático-monárquica existiu numa determinada época, emitido pelo Estado como um título dissociado do valor e da sua substância criadora – o trabalho assalariado, também conhecido com trabalho abstrato, por ser produtor dessa mesma abstração (o valor) e remunerado pelo próprio valor. Era o dinheiro sem valor, estatal, que por todos era aceito em razão de que o estado era senhor de todas as posses do reino e que era ofertado de acordo com os interesses do governante (aliás isso se repete na atualidade, pois o dólar americano, por todos aceito, é um moeda podre, dissociada da substancia valor, embora seja por todos aceita).

Somente com o desenvolvimento de relações pré-capitalistas é que esse dinheiro estatal foi se confundindo com o dinheiro oriundo do trabalho abstrato e reconhecido como representação do valo, fruto da produção de mercadorias; uma resultante da criação de valor pelo trabalho abstrato. O impulso dessa simbiose se deu quando, pela força das armas, cada Estado quis se tornar um império através das guerras e precisava de recursos. A moderna concepção do dinheiro nasceu, portanto, das guerras impulsionadas pelo descobrimento das armas de fogo.

Considero que foi uma feliz descoberta, para os senhores escravistas da humanidade, a possibilidade de adaptação do dinheiro sem valor ao dinheiro com valor. O moderno Estado pré-capitalista na sua transição para o capitalismo passou gradativamente (ao longo de cinco séculos) a adotar esse critério de emissão de dinheiro (inicialmente com lastro ouro) e depois (a partir de 1971) baseado unicamente na credibilidade do estado emissor, mas que tem como critério de emissão a produção de mercadorias (pois se assim não for provoca inflação). O dinheiro passou a ser um mero título de crédito, que pode entrar em colapso a qualquer hora, como, aliás, está prestes a acontecer.

================================= SEGUE =================================

celsolungaretti disse...

================================= CONTINUAÇÃO =================================

Isso funcionou com alguma viabilidade (embora provocando crises cíclicas como a grande depressão de 1929/1930 e duas grandes guerras mundiais) até o momento atual, quando o trabalho abstrato produtor de valor e sinalizador da emissão de moeda foi gradativamente sendo tornado obsoleto. Agora os Estados (através principalmente do Federal Reserve dos Estados Unidos e o Banco Central Europeu) intensificaram perigosamente a emissão de moeda sem lastro (foi assim que salvaram os bancos internacionais da bancarrota em 2008), e tal providência desesperada significa que todos os conceitos da ciência social econômica estão para entrar em colapso definitivo, arrastando a humanidade para o abismo caso se insista na vigência de tudo que se refere aos conceitos de funcionalidade (ora em disfunção) do sistema produtor de mercadorias.

Com o colapso do dinheiro (e da produção de mercadorias) virá, forçosamente, o colapso do Estado como o conhecemos, e deveremos viver sob a égide de uma nova forma de produção de bens servíveis ao consumo humano e, consequentemente, uma nova forma de organização social na qual se possa viabilizar a produção e a distribuição de forma racional e ecologicamente sustentável, inclusive com os recursos imensos da tecnologia, que hoje estão travados pela inviabilidade da lógica de produção capitalista que encontrou a seu limite interno de expansão. Fora disso é a barbárie.

A questão, portanto, não é sabermos como vamos emitir a moeda, mas aboli-la, e a partir disso, criarmos mecanismos de controle da produção e do consumo fora das balizas opressoras daquilo que foi inculcado nas nossas mentes como única forma de mediação social. A questão não é se eleger uma forma boa de Estado, mas superá-lo e adotarmos uma nova concepção de organização social.

As teses do economista inglês Thomas Malthus (1766/1834), muitas delas rebatidas consistentemente por Karl Marx (1818/1883) nos GRUNDRISSE (embora ele tenha acertado em muitas de suas teses), não levou em conta a capacidade de produção a partir do saber científico atual e do grau de tecnologia hoje existente. Note-se que ele como economista burguês que era só conseguia raciocinar dentro das margens estreitas do pensamento econômico da sua época que tinha Adam Smith e David Ricardo como maiores expoentes, cujos conceitos que foram posteriormente (depois de Malthus) desmistificados consistentemente por Marx.

Desculpe-me se me alonguei na pretensão de esclarecimento, mas fi-lo com muito prazer na esperança de ter colocado algumas luzes sobre essa complexa questão, quase nunca abordada na mídia convencional e nas academiais (e muito menos nos círculos políticos, que só discutem as perfumarias dos podres poderes).

Essa é a minha modesta opinião.

Um grande abraço,

Dalton Rosado

SF disse...

Dalton,
Você demonstra que tem erudição, algo que faltou na minha formação.
Sua explanação é irretocável e supera em muito o pequeno óbice que fiz.

Para mim a renda universal, a produção autossustentável, a justa dustribuição dos frutos do trabalho, a paz, harmonia e concórdia entre os seres humanos e todos os nobres ideais que, sei, você e o Celso compartilham, são o a que devemos chegar, mesmo que ainda longe disso.

Tratei apenas de um aspecto revelador da incoerência do estado na sua forma atual: cobrar impostos quando emite dinheiro falso.

Citei a pílula (extemporaneamente) só para mostrar que, mesmo tendo a solução, as pessoas continuam com suas crendices e costumes, além de qualquer argumento razoável.

Tenho uma teoria pessoal sobre essa mania de cobrar impostos, mesmo sendo irracional fazê-lo com a moeda fiduciária...

Imagino que o estado foi um constructo de líderes guerreiros que perceberam que o saque seria maior e mais rentável se fosse feito aos poucos.
Assim nascem a escravidão, a burocracia e o tributo!

De saqueado a "contribuinte" nada mudou.
Por trás do verniz civilizado está a violência primeva que originou o estado!

Então, lá no miolo da nação hegemônica, um verdadeiro político conseguiu convencer os líderes guerreiros a abolir o "golden standart" e emitir dinheiro falso.

E esse "anarquista" feriu de morte o cobrador de impostos!

Mas, como um saqueador é sempre saqueador, até hoje não mandaram para a ixeira esse lançamento fraudulento.
Acredito que seja unicamente pela mania, a doença, a extrema burrice de maltratar os seus semelhantes sem motivo algum.
É a ruindade como norma de conduta.


Ah! A hegemonia do dólar, e seu lastro o petróleo, estão por um fio.
Russia e China já negociam petróleo em ouro, yuan e rublo. O Irã anunciou que irá negociar seu petróleo em euros. A casa Saud está em crise. E outras notícias que saem aqui e ali, mas que não tenho gabarito para processar devidamente.



Related Posts with Thumbnails