terça-feira, 29 de setembro de 2015

O FIM DOS HOMENS...

...é dos mais melancólicos. 

Organizei a minha vida de uma forma que me permite esquecer durante quase todo o tempo que já sou um idoso. Tenho ideais, uma esposa mais jovem, uma filha adolescente e outra ainda criança, a memória não me falha nem me falta o pique quando necessário.

Mas, os amigos estão aí para me recordarem a triste realidade.

Três se foram quando, com meu otimismo de sempre, cogitava visitá-los mas ia adiando, como se o futuro ainda fosse uma alameda florida.

Dois eram companheiros e amigos do movimento secundarista e depois da VPR. Dos oito jovens que em abril de 1969 assumimos o desafio precoce da luta armada, tombaram o Eremias e o Gerson sob os tiros da repressão, mais o Gilson e o Mané em passado recente, por doenças.

Cheguei a rever o Gilson duas vezes e ficamos de nos encontrar outras, mas acabou não acontecendo. Sua morte inesperada  doeu demais.

Com o Mané troquei algumas mensagens por e-mail, mas percebi que algumas lembranças ainda eram traumáticas demais para ele. 

O jovem que cantava como o Vandré teve sina de sofredor tal qual o ídolo. Ironias do destino.

E houve o caso do meu ex-colega de escola secundária, que trabalhava na USP quando cursei a ECA e teve presença marcante na minha fase de loucos sonhos dourados. Consegui seu telefone, liguei para ele depois de muito tempo, conversamos animadamente... mas omitiu que estava nas últimas, com câncer. Ficamos de nos ver brevemente e ele sabia que era uma quimera. Duas semanas depois morreu.

Hoje, procuro não me distanciar muito dos velhos amigos, para não ter mais tais surpresas e tais remorsos.

Fui visitar um que está prestes a tornar-se octogenário; saí arrasado.

Pois percebi que está com alzheimer e evita admitir. Esquecido de episódios que nos envolveram, tentou sutilmente fazer com que eu falasse sobre eles, reavivando-lhe a memória. Fingi ignorar qual era a jogada e fiz sua vontade. 

Pior ainda foi a contagem dos mortos. Parece inescapável nos idosos a compulsão de enumerarem quantos conhecidos e amigos morreram ou estão pela bola sete

Não sei se nos outros provoca algum alívio, eles se foram e eu continuo aqui. A mim só causa pesar. Lembro deles como eram outrora e fico me indagando: quem os recordará depois? 

O fim não me incomoda tanto quanto a suspeita de que não legarei a minhas filhas um mundo melhor do que eu recebi.

Ainda conservo uma tênue esperança de que haja alguma evolução positiva nos anos  que me restam (indeterminados, não paira nenhuma ameaça imediata sobre mim).

Isto aumenta minha ansiedade por ver as pedras voltarem a rolar. Quando já não se tem tanto tempo pela frente, é exasperante atravessar uma fase de estagnação como a atual, em que o passado teima em não dar passagem para o presente e o futuro fica encruado.

Vem-me à mente o "Réquiem para Matraga", do Vandré:
"Tanta vida pra viver,
tanta vida a se acabar.
Com tanto pra se fazer,
com tanto pra se salvar.
Você que não me entendeu,
não perde por esperar!" 

4 comentários:

Vitorio Malatesta disse...

Chega-se a um ciclo na vida que a maioria das pessoas com quem sonhamos já faleceram. Sonhamos com os mortos.

celsolungaretti disse...

É vero...

Anônimo disse...

Tenho uma profunda admiração por vc, companheiro.

Forte abraço, Celso !


Marcelo Roque

Paulo César disse...

Caro Celso, pelo menos você ainda tem amigos que um dia lutaram por um mundo melhor, e quem não os tem ? que sabe que há amigos que só estão se preocupando em viver o paraíso do consumo aqui na Terra, mesmo se dizendo "espiritualizados"?

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