segunda-feira, 24 de agosto de 2015

GETÚLIO VARGAS: RECEITA CASEIRA PARA UMA DOCE DITADURA

Por Apollo Natali
Que Hitler, que Mussolini, que Franco, que Salazar, que 64, que nada!

Amargos os ingredientes dessas ditaduras.

Doce a ditadura tupiniquim de Getúlio Vargas, genial mestre cuca, ideólogo de um saborosa receita ditatorial caseira a provocar salivação ainda hoje, mais de meio século depois.

Ainda há apaixonados por Getúlio. O seu grande segredo foi a utilização de condimentos tipicamente nacionais. Fez-se populista com o tempero das raízes brasileiras. Trabalhou o Brasil de acordo com as suas características, colocando a ferver as ervas de nossa herança escravagista, de interação senhor-escravo, de relações de domínio sobre a pessoa.

Sabia que tinha todas as condições de se credenciar como um grande pai para o povo. A interessante Escola de Frankfurt, estudiosa sistemática do comportamento humano, dava-lhe resposta à crucial indagação do porquê as pessoas não querem ser livres. Os espertinhos investidos de um governo absoluto conhecem bem o medo à liberdade inerente ao ser humano. Muitos de nós apegamo-nos à cômoda taboa de salvação: qualquer querido ditador.

Com seu ar bonachão, o querido do nosso caso impregnou a atmosfera com perfume paternalista. Magnetizava o povo nomeando-o, em seus discursos, de “trabalhadores do Brasil”. E também de “brasileiros e brasileiras”. 

As louças e talheres de sua propaganda ideológica como elemento de manipulação do comportamento social eram o cinema, o rádio, a imprensa escrita, farto material didático a invadir cabeças infantis, a moeda de menor valor da época circulando com sua esfinge nas mãos de milhões de súditos, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro devidamente estatizada. Prestigiou artistas populares, que cantavam aberrações ditatoriais em suas marchinhas de aparência inocente. O brasileiro é um povo musical.

E a grande cozinha caseira se valia do fatídico DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, vassalo fiel do indivíduo investido de uma autoridade absoluta. DIP, uma inescrutável polícia política de investigações, perseguições, torturas, mortes. O fundo de toda panela ditatorial, por mais apetitosas comidas que apregoe, abriga sempre resíduos deletérios.

Para não dizer que não falamos do poder e autoridade absoluta de Getúlio Vargas, ele tinha no chefe de polícia Filinto Muller o seu anjo da morte. Uma amostra da receita de tortura contada por Fernando Moraes (Olga), entre outras, era o torturador enfiar na uretra do preso político um fio de ferro em brasa.

E ainda há saudosos de Getúlio. Deu-nos grandes obras, Petrobrás, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, Leis do Trabalho, e em troca desses melados, tomou-nos a liberdade. Assim como há saudosos de 1964. Deram-nos grandes obras, Transamazônica, Itaipu, Ponte Rio Niterói, e em troca desses açucarados, confiscaram-nos a liberdade.

4 comentários:

Jorge Nogueira Rebolla disse...

Queiram ou não Getúlio Vargas foi o maior governante do Brasil. Sem ele ainda não teríamos entrado no século XX. Cometeu erros? Sim, mas mesmo se os considerarmos o saldo dos seus dezenove anos ocupando a presidência da república é positivo.
Por mais violenta que tenha sido a repressão de 1935 a 1945, caso seja considerada apenas de modo absoluto, não mereceria uma nota de rodapé se comparada aos malfeitos perpetrados pelo seu amado Leon.
Falando em Trotski, por qual motivo os seus asseclas assassinaram Shchors, terá sido inveja do jovem comandante?

Apollo disse...

Caro José Nogueira Rebolla: concordo com você, não teríamos entrado no século XX sem Getúlio. Mas bem que poderíamos ter entrado no século vinte sem a tortura do ditador Getúlio, sem suas perseguições políticas, ocultadas mortes por assassinatos, sem seu espírito nazista, amordaçamento da imprensa e outros ingredientes de sua receita caseira de ditadura. Não quero nada de ditador nenhum, nem seus saldos positivos de governo, elogiados apenas pelos amantes dos cativeiros humanos. Eu te quero bem, escreva sempre.Um abraço. Apóllo Natali

Jorge Nogueira Rebolla disse...

Apóllo, posso te chamar de Paulo?
O meu pai nasceu em 1919. O meu avô morreu em 1924, aos 47 anos de ataque cardíaco. Trabalhava numa pedreira. A doença já havia sido diagnosticada por um daqueles médicos de antigamente que honravam o juramento de Hipócrates. Ele não tinha mais condições de realizar esforço físico, mas continuava trabalhando ou pedia esmola.
Do seu segundo casamento, ao morrer, deixou cinco filhos, a mais velha com nove anos. O mais novo morreu no ano seguinte, antes do segundo aniversário, de pneumonia. Do primeiro, dois filhos ainda eram menores e ganhavam muito pouco, os outros dois já estavam casados, tendo suas famílias para cuidarem.
A minha avô para sobreviver, com a ajuda de parentes, construiu alguns cômodos no quintal e os alugava para migrantes. Famílias inteiras as vezes dividiam um único quarto. Em geral eram mineiros ou nordestinos.
A minha tia, ainda criança, tornou-se na verdade uma doméstica nas casa de parentes com melhores condições de vida. Uma boca a menos para alimentar. O meu pai estudou até a quarta série primária e começou a trabalhar dos onze para os doze anos. Entregava compras, já existia "delivery", num carrinho de mão pela cidade.
Alguns anos depois, um dos meus tios, com cerca de vinte anos na época, sofreu um grave acidente. Trabalhava na fábrica de gelo e não sei exatamente o porquê sofreu um forte choque térmico. Além de outros problemas de saúde passou a ter recorrentes e violentas crises de epilepsia, talvez tenha batido a cabeça na queda, os ataques impediam-no de ter um trabalho regular, os portadores da doença sofriam discriminação, muitas pessoas acreditavam que era contagiosa. Como já existia a previdência social conseguiu aposentar por invalidez. Embora o valor que recebesse fosse pouco não retornou a condição de alimentado pela mãe viúva e pelos irmãos.
A criação da previdência social e de outros instrumentos que beneficiavam diretamente o povo seria possível nos anos 1930 pela via política democrática? Com as elites paulista e mineira da época garanto que não. Se hoje passados 80 anos a oligarquia de São Paulo ainda é uma desgraça para o Brasil...

Apollo disse...

Caro Jorge Nogueira Rebolla, obrigado por sua resposta. Por que me chamar de Paulo, se me chamo Apóllo? Sem problema, amigo. Foi muito bom que Getúlio tenha criado a previdência social, muito bom mesmo. A diferença de tudo é que eu não gosto de ditaduras, façam elas o que fizerem, de bom ou de mal. Continuamos amigos? Abraço,
Apóllo Natali

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