Debates eleitorais me provocam a mesma reação que, em tempos idos, um grande escritor teve ao ver um filme de Hollywood.
Desavisadamente,
ele aceitou uma encomenda de roteiro. Mas, não frequentava cinemas nem
tinha a menor idéia da besteirinha que dele esperavam.
Os
produtores, gentilmente, convidaram-no para assistir, na cabine, a uma
fita mais ou menos na linha daquela que pretendiam fazer. Depois de uns
10 minutos ele foi embora, perplexo e enojado. Abandonou, claro, o
projeto. Jamais desceria tanto.
No debate de candidatos a prefeito promovido na 2ª feira (3) pela Folha de S. Paulo e Rede Manchete,
fiquei com pena do companheiro Carlos Giannazi, obrigado a tentar abrir
caminho em meio a tantas imposturas e tantos farsantes.
A
maior de todas imposturas, claro, é o fingimento de que o prefeito seja
uma espécie de gerentão que toma conhecimento e supervisiona
pessoalmente cada ação administrativa, com liberdade para decidir o que
bem
entender. Eu vou fazer, eu vou acontecer, no meu governo isto, no meu governo aquilo... que comédia de mau gosto!
Trata-se
de uma ilusão forjada para adequar a política ao consumismo que, como
mola-mestra do capitalismo terminal e putrefato dos dia de hoje, é o
canto de sereia que nos arrasta para as profundezas da depressão
econômica e das catástrofes ambientais.
Os
candidatos não passam de produtos e como tais são vendidos, quase sempre por meio de
propaganda enganosa. Uns garantem que não são cavalo de tróia dos
mercadores da fé, outros que ficaram alheios à corrupção com a qual estão, isto sim,
amalgamados. Quem consome cervejas associando-as a mulheres gostosas e
não vê diferença entre os repulsivos bancos e as doces crianças, talvez
engula também os protestos de inocência desses patéticos canastrões.
Governantes,
sob o capitalismo, são meros títeres do poder econômico, obrigados a
obedecer caninamente àqueles que realmente mandam. Quanto maior a
importância da decisão a ser tomada, menor é a sua autonomia. Cuidam do
acessório e fazem o que deles se espera no fundamental.
Eleições
se travam entre grupos de interesses, representados pelos partidos. O
que
conta, em última análise, são as agremiações e as barganhas que elas
acertam ou intermediam, não as características pessoais dos que são pinçados
para aparecer na vitrine. Talvez
um dia se chegue à perfeição de escolhê-los nas agências de modelos.
AVALIAÇÃO DOS INTÉRPRETES
Haddad não tem o charme de Chris Sarandon e o eleitorado vai cravar-lhe uma estaca |
Então, avaliando criticamente as interpretações, considero que se desincumbiu bem do seu papel Celso Russomanno, lobo quase perfeito em sua pele de cordeiro graças à experiência adquirida na TV. Mas derrapou ao deixar transparecer homofobia quando disse que seu partido aceita ATÉ homossexuais. [Aliás, o que mais se poderia esperar de um partideco que aceita ATÉ pastores eletrônicos dedicados ao estelionato, curandeirismo, lavagem cerebral e instigação do ódio?]
Fernando Haddad lembra fisicamente o vampirão do primeiro A hora do espanto
(interpretado por Chris Sarandon), só que sem o charme. A agência de
modelos teria dúzias de opções melhores para sugerir. Ao vivo e em
cores, com sua total falta de jeito e de carisma, desconstrói a
enganação que os marqueteiros laboriosamente criam.
Ouso
antecipar que não vai ser ele o adversário do Russomanno no segundo turno,
pois se apresentará canhestramente em todos os debates; nesse aí não há
Duda Mendonça que dê jeito. Anotem e me cobrem depois.
José
Serra é carta fora do baralho. O monopólio de poder tucano no estado e
na cidade cansou, a retórica do Serra mais ainda e, para piorar, ele
carrega uma mala sem alça chamada Gilberto Kassab. Doravante só
conseguirá eleger-se deputado federal, como o Maluf.
José Serra não assusta mais ninguém: final melancólico de quem já travou o bom combate |
"...é o candidato com a idade mais avançada. Luta para parecer demonstrar vigor. De maneira subliminar, emitiu um sinal oposto".
Ex-presidente da UNE e ex-exilado político (quem te viu, quem te vê...)
deveria mirar-se no exemplo dado por Plínio de Arruda Sampaio no último
pleito presidencial. Não tentou em momento algum disfarçar sua condição
de octogenário. Perdeu a eleição, mas ganhou respeito e admiração, além
de sair com a dignidade intacta. Como não forçou a barra subindo em
skates, deles não despencou.
Soninha
Francine é outra que está brigando com a certidão de nascimento. Faz
caras e bocas de uma moçoila de 18 anos, mas tem 45. Não deveria
insistir no estereótipo MTV. As pessoas percebem.
Fez-me lembrar Heloísa Perissé, fingindo ter um terço de sua idade real (46), ao contracenar com os realmente jovens em O diário de Tati (o que um bom pai não suporta por suas princesas?!).
Levy Fideles é candidato de si mesmo e mais ninguém; deve gostar muito de sua imagem no espelho.
Paulinho
da Força se esforça, mas a referência à pequena bancada do PSOL foi
infame. Lênin provocou risos no primeiro semestre de 1917, ao afirmar
que seu minúsculo Partido Bolchevique estava pronto para assumir as
responsabilidades do poder na Rússia. No semestre seguinte ele provou que estava.
Este é o verdadeiro palco para os candidatos de esquerda: aqui Giannazi prevalece |
Quanto
ao Giannazi, tem trajetória irrepreensível, uma história edificante
(quantos, hoje em dia, prefeririam ser expulsos do partido do que trair
seus eleitores e suas convicções?) e representa aos que travamos o bom
combate.
Ele é o que o Serra um dia foi e os demais nunca foram nem serão: um personagem de envergadura histórica.
Mas,
ao que tudo indica, não conseguirá sobressair como é necessário se
continuar respeitando as regras de um jogo de cartas marcadas.
Com
suas promessas mirabolantes, imagens recauchutadas/maquiladas por
marqueteiros, máquinas políticas poderosas e investimentos maciços em
propaganda (uma frase imortal do Zé Celso Martinez Correa: "Os
publicitários são filhos de Goebbels"), os candidatos do sistema
conseguirão convencer o eleitorado de que serão melhores prefeitos,
tendo como referencial o perfil desideologizado de prefeito que a indústria
cultural martela dia e noite.
Eu
tentaria me apresentar aos telespectadores como a alternativa: o
prefeito dos humilhados, ofendidos, explorados e excluídos, em
contraposição aos que não passam de candidatos... a humildes
serviçais dos poderosos.
Está na hora de ouvirmos a palavra revolução
orgulhosamente proferida num desses debates de TV, como o objetivo
final dos nossos esforços. Os ventos de mudança, aliás, sopram em nosso
favor.
Como disse um dos maiores heróis deste país que tão poucos produziu, cabe-nos ousar lutar, ousar vencer, assumindo o que temos de melhor e o que mais nos diferencia desses farsantes: somos revolucionários!
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