Sempre me repugnou julgar outras pessoas.
Os
sites fascistas mantêm no ar até hoje uma lorota que companheiros
presos devem ter impingido à repressão ao serem torturados: a
de que teria sido eu um dos três juízes do tribunal revolucionário a
que foi submetido um quadro da VPR. Na verdade, durante a minha
militância nem sequer tive ciência da realização de tal julgamento. Só
fiquei conhecendo o caso na década passada.
Na
minha carreira jornalística, sempre fiz o possível e o impossível para
evitar demissões de colegas. Liderando equipes, só uma vez tomei a
iniciativa de colocar alguém no olho da rua, mas era caso extremo: a
repórter deixara de cumprir uma pauta para ir tratar de assunto pessoal e
depois tentou me iludir. Mau desempenho dá para administrarmos, má fé
não tem conserto.
Então, não sou eu que opinarei sobre a culpabilidade ou inocência de João Paulo Cunha, um dos réus do julgamento do mensalão.
Mas,
detesto as incorreções históricas, as versões convenientes que vão
tomando o lugar da verdade quando são evocados personagens com grandes
virtudes e grandes pecados.
Vargas (o mais baixo) também tinha seu Brilhante Ustra: o terrível Filinto Muller (o mais alto) |
Hoje a esquerda só lembra do seu grand finale:
ter optado pelo suicídio na iminência de ser derrubado por uma
articulação reacionária, deixando a carta-testamento que acabaria por
abortar a escalada da UDN e seus aliados fardados rumo ao poder.
Omite,
contudo, aquilo que nunca poderemos relevar: as atrocidades de Filinto
Muller, a cumplicidade no martírio de Olga, o apoio inicialmente dado
aos integralistas de Plínio Salgado (seus parceiros na instalação do
Estado Novo) y otras cosita más...
Memória seletiva nunca foi comigo. Sigo Rosa Luxemburgo: "A verdade é revolucionária".
Jamais deixarei de prestar tributo à dignidade de Getúlio, raríssima
nestes tristes trópicos. Cada vez que os Zelayas da vida são enxotados
do poder com um pé na bunda (deixar-se embarcar num avião de pijama
equivale a isto...) faço questão de lembrar que houve quem preferisse a
morte à desonra, como Allende e Vargas.
Mas, daí a retocar o lado ruim de uma biografia vai uma grande diferença. Não estou no ramo da maquilagem.
O tiro ao corvo foi desastrado: acertou também o pé de Vargas. |
Comparando-se a Getúlio, afirmou que este "se matou porque a elite brasileira, os ricos e poderosos pressionavam e diziam que por baixo do Palácio do Catete jorrava um mar de lama e corrupção".
Menos, Cunha, bem menos. Apenas o mar de lama teria sido insuficiente para derrubar Vargas, assim como o mensalão foi insuficiente para derrubar Lula.
Ocorre
que um primata a serviço de Vargas (mas não por sua ordem) ofereceu
numa bandeja o ingrediente emocional de que tanto careciam os
direitistas: o chefe da guarda pessoal de Getúlio, Gregório Fortunato,
comandou um asnático atentado ao principal porta-voz dos conspiradores,
Carlos Lacerda, no qual foi mortalmente baleado um major da Aeronáutica.
O corvo, por sua vez, safou-se apenas com um tiro no pé.
Aí,
com as lágrimas de crocodilo jorrando aos borbotões e os militares
enfurecidos, não havia mais como segurar a onda. E Getúlio cumpriu sua
promessa de só sair morto do Palácio do Catete.
É este passado que João Paulo Cunha quis trazer à baila?! Está pagando para receber tortas na cara. Os paralelos possíveis são muitos, e a maioria desfavorável. Alguém pode dizer, p. ex., que um aloprado jogou Getúlio às feras e outros aloprados quase nocautearam Lula...
É este passado que João Paulo Cunha quis trazer à baila?! Está pagando para receber tortas na cara. Os paralelos possíveis são muitos, e a maioria desfavorável. Alguém pode dizer, p. ex., que um aloprado jogou Getúlio às feras e outros aloprados quase nocautearam Lula...
Quanto ao mar de lama,
nunca deixou de existir na política brasileira. Às vezes convém à
direita utilizá-lo como trunfo, às vezes convém à esquerda. Às vezes o
mesmo político (Lula) serve-se dele para derrubar um adversário (Collor)
e depois é quase derrubado por ele.
Só acabará quando a sociedade não tiver mais como mandamento supremo o enriquecei! capitalista.
Até
lá, nós da esquerda deveríamos ocupar-nos das tarefas revolucionárias,
não de forçar a troca de mandatários sem que verdadeiramente sejam
alteradas as relações de poder; e muito menos de garantir a
governabilidade (sob o capitalismo!!!) usando os mesmos métodos dos
nossos inimigos de classe.
4 comentários:
Assino abaixo. Opinião ,desculpem a redundância, na minha opinião de um socialista, irretocável.
Como sempre, gosto de ler o Lungaretti por quê, dentro do mesmo texto, tenho pontos de concordância e discordância. Sobre Getúlio, fora os benefícios sociais aos trabalhadores, só encontro uma coisa boa naquela ditadura: derrubada dos golpistas, dentro do golpe, de 32! Outro ponto, aí não é nem discordância, mas ignorância mesmo, o atentado da Toneleros. Nunca aquele caso foi investigado pela polícia, lacerdista até o último fio de cabelo, um cara morre e outro leva um tiro no pé? Muito estranho...
Meu caro Haroldo,
o tal major era solidário ao corvo e o estava protegendo, voluntariamente.
Então, faz sentido que ele tenha se colocado na frente, recebido o disparo fatal e o Lacerda sido atingido só no pé.
Às vezes o destino prega mesmo essas peças. Teria sido bem melhor se ocorresse o contrário.
Quanto ao movimento de 1932, a burguesia paulista estava nele, mas também a classe média. Os cinco estudantes assassinados (os MMDC morreram de imediato e o último, alguns dias depois)não eram burguesões.
O problema é que, de início, o PCB era bem complacente com a quartelada de 1930. De repente, veio uma ordem de Moscou e, numa guinada tipicamente stalinista, da noite para o dia o partidão passou a organizar um levante militar, sob o comando do Prestes, que voltou ao Brasil como uma espécie de interventor designado pela Internacional.
Mas, como naquele tempo o partido "sempre estava certo", manteve a versão de que o movimento de 1932 era meramente oligárquico.
Foi mais do que isto. E Getúlio não virou vilão só em 1935; já o era desde 1930.
Outro absurdo da historiografia comunista foi minimizar a primeira greve geral brasileira --e, ainda por cima, VITORIOSA!!!--, a de 1917, apenas por ter sido liderada pelos anarquistas.
Estava praticamente esquecida em 1968. Depois que o anarquismo voltou a marcar forte presença nos movimentos contestatórios, uma nova geração de historiadores foi resgatando esse passado e acabou dando à greve de 1917 o destaque que ela merece.
Celso, se hoje o povo, o que não dizer daqueles tempos? Mesmo essa tal classe média (Em 1930, o que siginificava isso?) era totalmente dirigida pelo que lia. Teleguiados pelos ditames religiosos - leia-se Vaticano - e pelo que se considerava bons costumes. Essa mentalidade avessa ao novo, mesmo que ditada pelas oligárquias, fez acontecer 1964, originou Dilmas, Celsos, Lamarcas... bem, você conhece a história de cor, não sou eu que vou ficar te "ensinando". Sobre o corvo: o major relmente ficou na frente da bala? A história de um conflito, geralmente, é contada pelo seu vencedor. Quanto tempo foi preciso para o Brasil descobrir a realidade desses personagens citados acima? Mesmos alguns verdes!
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