domingo, 13 de maio de 2012

QUEM OLHA PARA TRÁS VIRA ESTÁTUA DE SAL

O companheiro Francisco de Assis também ficou indignado com sua citação como revolucionário que teria abandonado os ideais do passado, no livro Desafia o nosso peito, de Adail Ivan de Lemos, sobre o qual escrevi aqui.

"De onde ele extraiu tamanha ignominia, em qual episódio se baseou, de quais fontes bebeu tanta covardia, nenhuma palavra. (...) Foram 9 anos, 4 meses e 27 dias [de prisão]. Durante todo esse tempo, enfrentei, nos limites máximos das minhas forças, os arreganhos diuturnos da repressão. (...) Eu estou exausto. Emocionalmente esgotado. Esse cara, o Dr. Adail (ops! por um momento me sentí numa sala de torturas, onde os caras costumavam se tratar por doutores!) conseguiu me derrubar de uma forma infinitamente violenta. Pela gratuidade e estupidez das acusações feitas. Pelo ineditismo delas, 42 anos depois dos fatos vividos" --desabafa o Chico.

No longo depoimento que enviou ao grupo Amigos de 68, ele comete, entretanto, o erro de esforçar-se por provar, tintim por tintim, que foi um preso político exemplar.

Essa fase passou, meu caro Chico; e não deixou saudades. 

O que importa para as novas gerações, aquelas que podem levar adiante as nossas lutas, o remoer obsessivo das acusações, justificativas, culpas e remorsos do passado? Isto só nos diminui aos olhos delas.

O certo é que travamos bravamente uma luta impossível de ser vencida, tal a desigualdade de forças. Era o que deveríamos ter concluído desde o primeiro momento, ao invés de infernizarmos a nós mesmos com a lavagem de roupa suja, a interminável discussão sobre como ocorreram as  quedas.

Alguém já levou em conta como o cidadão comum reage a tais esquisitices, começando pelos  quedogramas  elaborados ainda nos presídios? A repulsa que isto causa nos não iniciados?

Fui um dos mais militantes mais injustiçados do período, começando pelo fato de terem atirado nas minhas costas um dos maiores desastres da luta armada, o cerco de Registro, que pôs fim ao sonho guerrilheiro da VPR. Levei 34 anos para provar que a verdade era outra.

E, como eu estava mesmo na berlinda, muitos descarregaram sobre mim a responsabilidade pelas  quedas  que eles próprios haviam causado, apesar do organograma da VPR evidenciar que eu nunca poderia ter provocado o estrago que me atribuíram (coordenava um setor periférico, só mantendo contato orgânico com quatro comandantes, nenhum dos quais caiu por minha causa).

Durante 34 anos, encarei a estigmatização não como uma desonra (já que imerecida), mas sim como um estorvo a me atrapalhar quando estava travando minhas batalhas; ainda assim, consegui em 1986 evitar que a greve de fome dos  quatro de Salvador  terminasse em tragédia.

Quando, finalmente, desconstruí as lendas a meu respeito, dei por definitivamente encerrada a fase de prestação de contas. A minha versão dos acontecimentos está no livro Náufrago da Utopia, e é o que basta. As pessoas isentas e equilibradas tendem a concordar comigo; quanto às preconceituosas, nada as convence.

Desde então, pude fazer e venho fazendo o que mais gosto, o que sempre quis: escrever novas páginas, pois esmiuçar as antigas é tarefa para historiadores. "Deixai os mortos enterrarem seus mortos", disse o Cristo.

A conta que temos a prestar é bem outra: a de não havermos cumprido a promessa de construir um Brasil com justiça social e liberdade plena.

Ainda está em tempo de darmos os primeiros passos nessa direção, se assumirmos integralmente a tarefa e a ela dedicarmos o resto das nossa vidas. 

Revolucionário não pendura as chuteiras, morre. E quem olha para trás vira estátua de sal.

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