O papelão do Serra é o sarcástico título do artigo (vide aqui) em que o jornalista Gilberto Dimenstein relembra como arrancou de José Serra, em 2004, a promessa de não renunciar à Prefeitura de São Paulo para disputar cargo mais elevado adiante. Como todos sabem, Serra acaba de minimizar o episódio, fazendo uma declaração das mais infelizes:
"Assinei um papelzinho, não era nada oficial".
Dimenstein rebate que, embora Serra agora chame o documento de papelzinho, tratou-se, isto sim, de "um papelão, por desrespeitar a palavra empenhada e o valor de uma promessa".
O jornalista pegou Serra no pulo durante uma daquelas sabatinas a que a Folha de S. Paulo submetia os candidatos a prefeito. É óbvio que, naquele momento da campanha, seria desastroso para Serra não rechaçar categoricamente a hipótese de renúncia no meio do mandato.
Mas, se sua assinatura lhe facilitou a conquista do objetivo imediato --vencer a eleição--, tornou-se um bumerangue que a toda hora o atinge, deixando em cacos a sua imagem.
O ato em si, de ter governado meros 15 meses ao invés dos 48 que os paulistanos lhe concederam, já repercutiu pessimamente. Numa pesquisa que o DataFolha realizou três semanas atrás, 76% dos paulistanos disseram lembrar-se do episódio; 66%, que ele agiu mal; 70%, que ele não deveria fazer isso novamente; e 66% afirmaram acreditar que ele repetirá a dose em 2014, desertando para disputar a Presidência da República.
Quanto a firmar um compromisso e não honrá-lo, isto vai contra os princípios de todas as pessoas dignas.
Lembro-me do meu saudoso avô, fabricante de móveis, que mandava desembalar a mercadoria já pronta para entrega se via um risquinho ínfimo: "É o meu nome que está nesta mesa. E o meu nome não pode circular riscado por aí", disse certa vez.
E, como minha avó o aporrinhasse com pesadelos malucos de que o mar invadiria Santos, certa vez ele desabafou na barbearia que, por certa quantia (bem abaixo do valor real), ele venderia o apartamento que lá possuía. Alguém ouviu e disse que fechava o negócio. Pesaroso, o velho preferiu perder dinheiro do que perder a dignidade.
Enfim, o neo-septuagenário Serra (aniversariou na última 2ª feira, mas parece não ter querido destacar o fato, como aquelas mulheres madurinhas que temem ver aumentadas as dificuldades para desencalhar...) viajou na maionese ao referir-se com tamanha leviandade ao que a maioria --felizmente!-- considera uma falha de caráter.
Mais um tiro na mosca de Dimenstein foi lembrar que outros políticos tiveram o mesmo comportamento de Serra, embora não chegassem ao cúmulo de desprezar a posição de prefeito da maior cidade brasileira:
"Gabriel Chalita foi eleito vereador e logo foi embora, antes de acabar seu mandato - exatamente como fizeram José Aníbal e Soninha".
A última é aquela apresentadora que tanto defendemos quando foi injustiçada pela TV Cultura e que tanto atacamos quando fez acusação igualmente injusta aos coitadezas do Pinheirinho.
Quando o filme Feios, Sujos e Malvados (d. Ettore Scola, 1976) estava em certa evidência, uma piada pronta era designar desta forma os políticos profissionais. Eles mereciam... e continuam merecendo.
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