Admiro quem, num assunto que está na ordem do dia, sobre o qual todo mundo está opinando, consegue dar a palavra definitiva, não deixando nada de relevante para outros acrescentarem nem brecha para contestação.
Mesmo discordando de suas posições políticas (as do final da vida no primeiro caso e as da vida inteira no segundo...), tenho de reconhecer que o Paulo Francis e o Roberto Campos esgotavam qualquer assunto, quando motivados ou desafiados.
Ai dos que os tentassem contradizer! A feminista Irede Cardoso, p. ex., sofreu nas mãos do Francis um dos maiores massacres intelectuais que eu já presenciei. Saiu desmaiada do ringue e só acordou no vestiário...
Para minha surpresa, um velho professor de direito civil, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de SP, deu nesta 5ª feira (9) o veredicto definitivo do Caso Pinheirinho, tanto em termos do formalismo jurídico quanto do (muitíssimo mais importante!!!) espírito de Justiça.
O seu artigo, publicado na Folha de S. Paulo, é tão irrepreensível que o reproduzo na íntegra, tomando apenas a liberdade de grifar as melhores passagens.
AINDA O PINHEIRINHO
José Osório de Azevedo Jr.
Os fatos são conhecidos: uma decisão judicial de reintegração de posse sobre uma favela. A ocupação começou em 2004, por pessoas necessitadas de moradia.
Segundo a Folha, a proprietária obteve reintegração liminar em 2004. Durante um imbróglio processual, os ocupantes permaneceram. Em 2011, uma nova decisão ordena a reintegração. Foi essa a ordem que o Poder Executivo cumpriu no dia 22 de janeiro, com aparato policial, caminhões e máquinas pesadas.
A ordem era, porém, inexequível, pois, em sete anos, a situação concreta do imóvel e sua qualificação jurídica mudaram radicalmente.
O que era um imóvel rural se tornou um bairro urbano. Foi estabelecida uma favela com vida estável, no seu desconforto. Dir-se-á que a execução da medida mostra que a ordem era exequível. Na verdade, não houve mortes porque ali estava uma população pacífica, pobre e indefesa.
Ninguém duvida da exequibilidade física da ordem judicial, pois todos sabem que soldados e tratores têm força física suficiente para 'limpar' qualquer terreno.
O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da ordem.
Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na Constituição.
O principal deles está inscrito logo no art. 1º, III, que indica a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse valor permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos, inclusive os chefes de Poderes.
As imagens mostram a agressão violenta à dignidade daquelas pessoas. Outro princípio constitucional foi afrontado: o da função social da propriedade. É verdade que a Constituição garante o direito de propriedade. Mas toda vez que o faz, estabelece a restrição: a propriedade deve cumprir sua função social.
Pois bem, a área em questão ficou ociosa por 14 anos, sem cumprir função social alguma. O princípio constitucional da função social da propriedade também obriga não só aos particulares, mas também a todos os Poderes e os seus dirigentes.
O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo já consagrou esse princípio inúmeras vezes, inclusive em caso semelhante, em uma tentativa de recuperação da posse de uma favela. O tribunal considerou que a retomada física do imóvel favelado é inviável, pois implica uma operação cirúrgica, sem anestesia, incompatível com a natureza da ordem jurídica, que é inseparável da ordem social. Por isso, impediu a retomada. O proprietário não teve êxito no STJ (recurso especial 75.659-SP).
Tudo isso é dito porque o cidadão comum e o estudante de direito precisam saber que o direito brasileiro não é monolítico. Não é só isso que esse lamentável episódio mostrou. Julgamento e execução foram contrários ao rumo da legislação, dos julgados e da ciência do direito.
Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão atingir diretamente muitas pessoas indefesas.
Estranha-se que o governador tenha usado o conhecido chavão segundo o qual decisão judicial não se discute, cumpre-se. Mesmo em casos menos graves, os chefes de Executivo estão habituados a descumprir decisões judiciais. Nas questões dos precatórios, por exemplo, são milhares de decisões judiciais definitivas não cumpridas.
4 comentários:
Estranhável neste episódio que - até onde eu saiba - nenhuma Igreja apoiou o Povo de #Pinheirinho, nem a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO SÃO JOSÉ DOS CAMPOS muito menos o Presidente Nacional, Dr. Ophir Cavalcante
Parabéns pelo Blog já estou seguindo, siga o nosso Blog. Abraço companheiro.
Marcos Imperial
Editor do Blog da Dilma no RN
Os chamados "princípios constitucionais" que colocam a vida, a liberdade, a dignidade e a liberdade" acima dos patrimônios, simplesmente não são temas nos cursos de direito, muito menos considerados em decisões judiciais. Para quem optou por usar a profissão na defesa da humanidade e, neste caso, dos direitos à (escrevi à) propriedade, este é mais um Pinheirinho, dentre tantos. A diferença é o sistema tecnológico de comunicação. Poderia descrever, pelo mínimo, três desalojamentos da mesma espécie (balcão de negócios, um deles beneficiando um estrangeiro que sequer documentação possuía. Aliás, geralmente os documentos de propriedade são falsificados nos cartórios e legalizados com o despejo. O interessante é que os autores continuam vitalícios, imunes e impunes, como se a vida dos pobres em cujos corpos dóceis se deleitam, fosse apenas a forragem sobre as quais bailam ao som das seitas, das monarquias e do segredo. Até quando?
vera vassouras
Muito estranho que nenhuma igreja apareceu insurgindo-se contra o crime hediondo que Geraldo Alckmin patrocinou, nem socorreu as numerosas vítimas deste bárbaro e covarde ato. E a própria presidente da república não tomou uma atitude em defesa dos direitos humanos de mais de 5.000 cidadãos brasileiros, muitos deles, menores de idade, idosos, doentes e mulheres grávidas! Ao que chegámos neste Brasil!
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