Dialogando com estudantes da USP -- não chegaria ao ponto de dizer que ministrei uma aula pública, conforme eles anunciaram --, reparei em como estavam ansiosos para discutir sua condição atual, de revoltados com a permanência no campus da tropa invasora, depredadora e provocadora da Polícia Militar, bem como com a extrema tendenciosidade da mídia.
Acompanharam até com interesse minha explanação sobre episódios semelhantes do passado. Surpreenderam-se ao saber que no mítico 1968 a grande imprensa atuava com idêntica parcialidade e o engajamento no movimento estudantil se restringia quase que exclusivamente aos alunos de Humanas, enquanto os de Exatas e Biológicas oscilavam entre a omissão e a hostilização. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.
Mas, queriam ser protagonistas, falar sobre o que estão fazendo e sofrendo, de preferência a reflexões mais amplas a respeito da permanência do passado no presente.
Lembrei-me de uma extraordinária criação coletiva do Teatro Oficina, Gracias, Senhor (1972), que tinha esta como uma das suas muitas falas marcante:
"Cada geração tem, num curto espaço de tempo e dentro de uma relativa escuridão, de descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la".
Eu acrescentaria que, embora as lições do passado sejam pertinentes e possam ajudá-las a entender tal missão, as novas gerações parecem estar condenadas a sempre repetirem o aprendizado, com seus acertos e erros.
E eu era uma: quando dava meus primeiros passos nas lutas sociais, procurava avidamente extrair dos veteranos o conhecimento que haviam acumulado ao longo dos vários momentos históricos; interessavam-me os paralelos entre a ditadura getulista e a dos generais, p. ex.
Boa parte do que obtive com estas testemunhas oculares da História ficou registrada no meu livro Náufrago da Utopia. Memória não morrerá.
Agora, a internet traz a mim jovens genuinamente interessados em saber como era o Brasil dos anos de chumbo -- e também muitos que apenas querem colher meia dúzia de frases para seus trabalhos escolares. Dentro das minhas possibilidades, atendo a ambos com a mesma cortesia.
Mas, fico sempre matutando com meus botões: será que os novos recrutas aprenderão o que precisam saber com a rapidez necessária? Poucos parecem dar-se conta de quanto o mundo sofrerá nas próximas décadas em função dos descalabros capitalistas.
Um dos motivos (menores) de nossas desventuras nos anos de chumbo foi termos demorado demais para optar pelo caminho que acabaria se demonstrando o único possível nas circunstâncias.
Falamos em guerrilha e luta armada ao longo do ano de 1968 inteiro, mas só levamos a teoria à prática quando nada mais restou para fazermos, a partir do fechamento total do regime.
Mesmo assim, surpreendemos o inimigo em 1969 e lhe encaixamos alguns golpes certeiros.
Quando a ditadura se capacitou para o combate à guerrilha urbana -- lições de tortura ministradas pelos mestres estadunidenses inclusas --, ficamos com a impressão de que desperdiçáramos um tempo precioso com discussões políticas bizantinas.
Mas, claro, a razão maior de nossa derrota foi a terrível desigualdade de forças. Poderíamos, provavelmente, ter obtido mais alguns êxitos; não havia, contudo, como ganharmos a guerra.
Um comentário:
Muito bom, faz refletir muito sobre nossos problemas diarios do ME que parecem atravessar gerações e nunca serem superados...
Postar um comentário