Diziam os antigos que, quando não se tem nada de bom para dizer de uma pessoa - e, mais ainda, de algum falecido --, é melhor ficar calado. Minha postura em relação ao Itamar Franco.
Já aquele outro chavão -- "dos mortos só se fala bem" -- não serve para mim. Morto ou vivo, só elogio quem merece. Sou muito mais o Pablo Neruda: "fincada tenho a mão na consciência / e só digo a verdade pura / que me foi ditada pela viva experiência".
De todo modo, não consigo calar minha repugnância pelo festival de hipocrisia que a mídia nos impingiu neste sábado. Nem Fellini conseguiria igualar tamanha grotesquerie.
O pior de todos foi o ex-presidente Fernando Collor, que afirmou:
"Sinto muitíssimo a perda de um amigo e grande presidente do nosso país. Itamar foi um companheiro inexcedível durante o período em que militamos juntos na política. Perde o Senado e a vida pública brasileira. Um homem digno, coerente, ético e defensor intransigente dos seus ideais".
Como essa gente aposta na nossa falta de memória! Pois Collor sempre se considerou traído por Itamar, tendo-o como mancomunado com aqueles que articulavam seu impeachment.
Certa vez, reagindo a uma declaração azeda de Itamar a respeito de sua probidade (ou, mais precisamente, falta dela), Collor respondeu com umas 50 linhas de insinuações e gracejos bem pesados sobre uma suposta homossexualidade do seu desafeto. Nem Jair Bolsonaro seria capaz de produzir um texto tão homofóbico.
Talvez Itamar adivinhasse o que sucederia, e tenha preferido a cremação ao enterro num caixão emporcalhado por tantas lágrimas de crocodilo.
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