É como Basílio que eu me lembro de Eduardo Collen Leite -- o companheiro que receberá, in memorian, o título de cidadão paulistano, nesta 3ª feira (07/12), às 19 horas, na Câmara Municipal de São Paulo (Viaduto Jacareí, 100, 1º andar).
Bacuri foi um codinome que usou antes de abril/1969, quando o conheci no Congresso de Mongaguá da VPR. Deve tê-lo mudado porque era mais um apelido; um tanto gordo, ele lembrava mesmo um porquinho. E, claro, assim o nome de guerra descumpria a finalidade de dificultar a identificação do companheiro que o utilizava.
Eu era um secundarista de 18 anos, um tanto deslumbrado por ter sido repentinamente admitido no círculo dos revolucionários mais procurados do Brasil. Olhava a todos e a tudo com muita atenção, fazia minhas avaliações, queria entrosar-me o quanto antes com os novos companheiros.
O Basílio não parecia o combatente da pesada que depois fiquei sabendo ser. Nem de longe. Fiquei surpreso quando o Moisés (José Raimundo da Costa) me contou algo de sua história.
Estava com o cabelo curto e um farto bigode, que o deixava com um jeitão de português e envelhecia um pouco. Nunca adivinharia que ele tinha só 23 anos.
Era simples, afável, simpático. Quando se alterava, gaguejava um pouco. Foi o que aconteceu ao comunicar que deixaria a Organização.
Minhas recordações, mais de quatro décadas depois, são nebulosas. Lembro-me de que ficou muito emocionado, talvez tenha até chorado.
Sua divergência não era propriamente política. Desentendera-se com outros companheiros a respeito do encaminhamento dado a operação(ões) armada(s); devido às regras de segurança fiquei sabendo disso muito superficialmente, então não pude então (nem posso agora) estabelecer quem tinha razão.
Montou uma pequena organização, a Rede, que se manteve bem próxima da VPR, sendo nossa parceira em várias ações.
Quando o Moisés e eu vimo-nos ameaçados de expulsão da VAR-Palmares, no curso da luta interna que desembocaria na recriação da VPR, ele consultou o Basílio a respeito do nosso ingresso na Rede, recebendo sinal verde.
Bem ao seu estilo -- conservava sempre uma carta escondida na manga --, o Moisés só me falou dessa sondagem quando o racha estava consumado e nós, os precursores, reabilitados.
É minha última reminiscência envolvendo o Basílio, até ficar sabendo de sua prisão e martírio -- um dos episódios mais chocantes dos anos de chumbo.
"Nenhum tormento conseguiu arrancar qualquer informação do Bacuri", garante Jacob Gorander. Até hoje não me passa pela garganta que a vítima de tão terríveis e prolongados suplícios tenha sido aquele gordinho boa gente que batia bola comigo na praia de Mongaguá, durante os intervalos do congresso da VPR. As duas imagens não casam. O destino foi cruel demais com o Basílio.
Para quem quiser saber mais sobre a militância e as circunstâncias da sua morte, recomendo um ótimo artigo do companheiro Ciro Campello no jornal eletrônico O Rebate: 109 Dias no Inferno.
3 comentários:
Muito bom esse teu texto sobre o Bacuri, Celso.
Bacuri é o responsável por despertar meu interesse pelos estudos desse período de nossa história e principalmente sobre as pessoas que lutaram contra toda a repressão que assolava o país.
Conheci a história do Bacuri há 7 anos, quando tinha 16 anos, ainda na escola, eu mal sabia sobre o regime militar no Brasil e o que cercava todo esse período. Há 7 anos pesquiso tudo que posso sobre o Eduardo, acho que já li tudo que existe sobre ele na internet e em livros, comprei muitos livros porque em determinados trechos falavam sobre sua trajetória.
Sei que está para sair ainda esse ano, se é que já não saiu, um livro inteiramente dedicado ao Bacuri, uma moça de São Paulo, jornalista, escrevia para O Rebate há uns anos, se chama Vanessa. Estou ansiosa pelo lançamento do livro.
Gostei muito do que tu escreveu, é sempre muito importante contar para as novas gerações sobre quem foi Bacuri e os muitos que lutaram contra a ditadura.
Obrigado Celso.
Obrigado, Naty.
Tentei oferecer ao leitor os dois lados, a minha visão de companheiro de militância do Basílio e a do Ciro Campello (link citado), que é jovem mas pesquisou bem seu biografado.
Quanto ao livro da Vanessa Gonçalves, também tenho esperança de que seja uma obra marcante. Torço para que ela faça justiça à memória do companheiro e para que o livro a projete como merece.
Francamente, não curto sessões solenes, mas nessa irei, como fui na do Toledo. Ambos merecem todas as homenagens.
Abs.
Se tu puderes nos contar aqui no blog dps, como ocorreu a sessão solene em homenagem ao Bacuri, fico agradecida.
Aqui em Porto Alegre, infelizmente, temos poucos eventos como debates, exposições, homenagens, etc...uma pena.
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