domingo, 5 de dezembro de 2010

BRASIL, 2010. OU SERIA ALEMANHA, 1940?

Sim, a grande mídia é golpista, comporta-se qual um partido de direita e fede como os porcos.

Mas, ainda não se tornou monolítica. Então, em alguns assuntos, aqui e ali encontramos -- sem maior destaque -- enfoques alternativos que nos lavam a alma, demolindo as malditas versões oficiais e visões oficialescas.

Caso desta magnífica notícia da Folha de S. Paulo dominical, Onde estão os mortos?, das repórteres Laura Capriglione e Marlene Bergamo, que recomendo com entusiasmo e cujos principais trechos reproduzo:
"O adolescente Davi Basílio Alves, de 17 anos, morreu na quinta-feira (25/11). Soldado do tráfico (...), o jovem foi alvejado por policiais e caiu morto em uma rua de terra da Vila Cruzeiro, quando tentava fugir para o Complexo do Alemão. A mãe de Davi mora em uma viela suja, (...) na parte baixa da favela.

A mulher logo recebeu a notícia de que o filho não conseguiu escapar. Quando o tiroteio amainou, ela correu ladeira acima. Viu Davi morto ao lado de um campinho de futebol e pediu aos soldados vasculhando as quebradas em busca de armas e drogas para que removessem o corpo de lá.

'Eles disseram que tinham mais o que fazer. Que, se ela tinha sido capaz de pôr um bandido no mundo, seria capaz também de enterrá-lo', rememorou uma vizinha.

A mãe telefonou para a funerária. 'Disseram que não dava para fazer o trabalho.' (...) Rajadas de tiros ainda cortavam a favela.

Choveu na noite de quinta. A manhã úmida veio com um calor de 29ºC na sexta. O corpo do adolescente grandalhão começou a incomodar. Rondavam urubus, que se empoleiravam às dezenas na torre de transmissão elétrica, a poucos metros dali.

AOS PORCOS

Das mais de 20 pocilgas localizadas nos terrenos baldios próximos, saíam porcos magros, em estado de fome crônica. No sábado, o cadáver amanheceu dilacerado.

A mãe arrumou um carro - a vizinhança já não suportava o cheiro. O corpo foi enrolado em uma lona e conduzido ao Hospital Getúlio Vargas, na Penha.

Oficialmente, o jovem morreu naquele dia. Ficou assim registrado na planilha divulgada pelo Instituto Médico Legal: Davi Basílio Alves, 17 anos, pardo, Vila Cruzeiro. Só.

Para a Polícia Militar, 37 pessoas morreram em confrontos polícia-bandidos desde o dia 21 na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão.

Todo dia, a corporação solta um balanço das operações. Coisa sucinta, contabiliza mortos junto com número de garrafas PET e litros de álcool e gasolina apreendidos. Nenhum nome.

Para a Secretaria de Segurança Pública, morreram 18 pessoas (17 identificadas).

O número refere-se aos cadáveres produzidos a partir do dia 25. Os mortos entre os dias 21 e 24, a secretaria não contabiliza. E diz que nem o Instituto Médico Legal do Rio tem dados referentes aos mortos desse período, apesar de todos os corpos recolhidos nas favelas sinistradas pela violência terem sido encaminhados para lá.

INOCENTES

Coincidentemente, a contabilidade da Secretaria de Segurança Pública, omitindo as estatísticas anteriores ao dia 25, evita mencionar incômodas mortes de inocentes óbvios. Como a da adolescente Rosângela Barbosa Alves, 14, atingida por um tiro nas costas enquanto estudava dentro de casa, na frente do computador. Ou a da dona de casa Janaína Romualdo dos Santos, 43, e de um idoso - todos atingidos por balas perdidas.

Sobre as mortes ocorridas a partir do dia 25, o IML nada informa a respeito das circunstâncias em que elas aconteceram. Diz que os 'detalhes sobre os laudos são peças de investigação e não serão divulgados'.

Assim, não se sabe se houve tiros à queima-roupa, ou o número de perfurações nos corpos, ou se houve concentração de disparos na cabeça. Nem sequer se sabe se alguém morreu esfaqueado.

O segurança Rogério Costa Cavalcante, 34, aparece em uma lista de mortos como um dos 'traficantes que trocaram tiros com os policiais', segundo informação oficial da assessoria de comunicação da Polícia Civil do Rio.

Das poucas coisas que se sabe sobre os mortos nos confrontos dos últimos dias, uma das mais certas é que Rogério Costa Cavalcante não trocou tiros com os policiais. Ele foi alvejado bem na frente das câmeras de fotógrafos e cinegrafistas.

Tinha os bolsos cheios de convites para a festa de aniversário de seu único filho. Iria entregá-los quando deu o azar de ficar entre os fogos da polícia e dos traficantes.

Cavalcante caiu com um buraco na barriga, pediu socorro e desfaleceu na frente das câmeras.

O homem foi enterrado no cemitério do Catumbi na terça-feira (30/ 11). Com a polícia acusando-o de ligação com o tráfico, nenhum representante do Estado achou necessário levar solidariedade à família".
Respondo eu a pergunta das repórteres: os mortos estão onde as  otoridades  querem que estejam, tão pouco visíveis quanto possível e, ademais, caluniados, para não atrapalharem o repulsivo auê orquestrado para fazer com que os videotas aplaudam a truculenta ocupação militar dos morros.

Às vezes preciso me beliscar, para ter certeza de que estou no Brasil de 2010 e não na Alemanha de 1940.

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