Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Aloísio de Toledo César coloca o dedo numa grave ferida, em seu artigo O Supremo em débito.
Canso de repetir aqui que valores fundamentais da civilização não devem ser sacrificados ao sabor das conveniências de cada momento, principalmente pelos que somos revolucionários, alvos prioritários das perseguições e injustiças que poderão ocorrer adiante.
Então, nenhuma Lei da Ficha Limpa justifica que consintamos na aplicação de penas inexistentes no momento que os delitos foram cometidos, caso contrário abriremos a porta para casos como o de Cesare Battisti, enquadrado no julgamento italiano de 1987 em lei promulgada por aquele país bem depois dos crimes que lhe imputavam.
Seremos ingênuos e obtusos ao extremo se não percebermos de que estamos entre os principais candidatos a sofrermos na carne as consequências de qualquer quebra do princípio de que leis não retroagem.
E é isso que se está fazendo no caso da Lei da Ficha Limpa, como adverte o Toledo César. Convém refletirmos bem sobre sua advertência, para não nos arrependermos quando já for tarde demais:
"... os ministros do Supremo se desvalorizaram perante os olhos de todos os que aguardavam uma posição mais firme. Enfim, como Pilatos, lavaram as mãos.
"Quando esse órgão máximo da Justiça brasileira (...) vacila diante de uma lei que admitiu a ilegalidade de condutas que nenhuma lei anterior qualificava como ilegais, resta a conclusão de que boa parte da garantia dos cidadãos foi por água abaixo.
"...a partir desse vazio, (...) qualquer comportamento atualmente tido como regular poderá no futuro ser admitido como criminoso por lei posterior que assim disponha.
"Ao agir dessa forma, ou seja, admitir que uma lei retroaja para prejudicar, ao invés de beneficiar, o Supremo Tribunal externou desprezo ao princípio constitucional, universalmente aceito, de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei, e que está na raiz de existência do próprio Supremo Tribunal Federal.
"Tal disposição, denominada princípio da legalidade, não poderia ser ignorada no caso dos 'fichas-sujas', porque está expressa na Constituição federal e dá suporte praticamente a todo o arcabouço jurídico do País.
"(...) O comportamento do Supremo Tribunal Federal impôs um buraco negro na vida legislativa do País".
2 comentários:
Celso, leio seu blog há algum tempo, mas só agora estréio na área dos comentários, e faço isto, principalmente, por acreditar que minha opinião é, na verdade, uma dúvida.
A questão é que acredito que é um erro pensar que a Lei da Ficha Limpa retroage, na prática pode-se dizer que sim, pois torna cidadãos inelegíveis por crimes cometidos em épocas que a realização dos mesmos não os tornariam. Mas, ao meu ver o que a Lei faz, na verdade, é estipular novos critérios (no caso, o de se ter uma ficha limpa) para validar uma candidatura, como tantos outros critérios que nós já temos e que em algum momento foram criados. O que vejo é que o candidato que tem a ficha suja, irá continuar sendo um "candidato ficha suja" independente desta nova lei, o que a nova lei propõe é que, como mais novo requisito para se validar uma candidatura, este não seja considerado um "ficha suja".
Como acho que este pensamento está bem superficial, acredito que talvez tenha cometido algum engano ou ignorado alguma questão importante, portanto, gostaria que, caso puder, me escreva uma resposta sobre seu parecer.
Agradecido, Daniel.
Meu caro Daniel,
privar alguém de algum direito que tinha, em função de ato cometido num momento em que tal ato não implicava privação de tal direito, para mim e para muitos juristas não passa de uma punição que não ousa dizer seu nome.
Tão condenável quanto a retroatividade em si é a utilização de um subterfúgio, de uma embromação jurídica, para mascarar a retroatividade.
É como eu vejo a coisa.
Um abração!
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