terça-feira, 30 de novembro de 2010

O QUE A GRANDE IMPRENSA NÃO DIZ SOBRE A CRISE DO RJ

No blogue de Luiz Eduardo Soares -- mestre em antropologia, doutor em ciência política, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2003) e ex-coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do RJ (1999/2000) -- encontrei a avaliação mais lúcida e consistente de todas que li sobre os últimos acontecimentos na dita  cidade maravilhosa, bem como da forma como estão sendo geralmente abordados pela grande imprensa, em sua faina incessante para fascistizar a sociedade, tangendo-a ao estado policial.

Obrigatório, o artigo de Soares -- A crise no Rio e o pastiche midiático -- é, contudo, desnecessariamente extenso e muitas vezes repetitivo (velho vício acadêmico!).

Tomei a liberdade de copidescá-lo, mantendo sempre as palavras do autor, mas eliminando os trechos supérfluos, inclusive no meio dos parágrafos reproduzidos:
"Não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso e consistente, na entressafra, isto é, nos intervalos entre as crises.

Nada que se possa fazer já, imediatamente, resolverá a insegurança. Se desejamos, de fato, resolver algum problema grave, não é possível continuar a tratar o paciente apenas quando ele já está na UTI.

O que as polícias fluminenses deveriam fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?

Em primeiro lugar, deveriam parar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos 'arregos' celebrados por suas bandas podres, à luz do dia, diante de todos. Deveriam parar de negociar armas com traficantes, o que as bandas podres fazem, sistematicamente. Deveriam também parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando, sob a forma de máfias ou milícias, territórios e populações pela força das armas, visando rendimentos criminosos obtidos por meios cruéis.

A polaridade (polícias versus tráfico) esconde o verdadeiro problema: não existe a polaridade. Construí-la – isto é, separar bandido e polícia - teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de segurança digna desse nome. Não há nenhuma modalidade importante de ação criminal no Rio de que segmentos policiais corruptos estejam ausentes.

Sei que há dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam suas vidas por salários indignos. Considero-os as primeiras vítimas da degradação institucional em curso, porque os envergonha e acua o convívio inevitável com milhares de colegas corrompidos, envolvidos na criminalidade, sócios ou mesmo empreendedores do crime.

Não nos iludamos: o tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico.

O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção.

Não só o velho modelo é caro, como pode ser substituído com vantagens por outro muito mais rentável e menos arriscado, adotado nos países democráticos mais avançados: a venda por delivery ou em dinâmica varejista nômade, clandestina, discreta, desarmada e pacífica.

Traficantes se rebelam e a cidade vai à lona. Encena-se um drama sangrento, mas ultrapassado. O canto de cisne do tráfico era esperado. Haverá outros momentos análogos, no futuro, mas a tendência declinante é inarredável.

Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios – as bandas podres das polícias - prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.

Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção?

Essas instituições não foram alcançadas em profundidade pelo processo de transição democrática, nem se modernizaram, adaptando-se às exigências da complexa sociedade brasileira contemporânea.
O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável.

O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro.

Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas."

Um comentário:

Henrique disse...

Há um certo desdém em editoriais, colunas, etc, nos jornalões de Sampa com relação ao "aproveitamento do êxito" nas operações tipo polícia (PM+Forças Armadas+PF+etc) no RJ.
São verdadeiros tablóides onde pode-se ler que ações foram até "midiáticas".
Com um mínimo de noções de estratégia observamos que, inteligentemente:
- o ataque a Vila Cruzeiro;
- induzir os bandidos/traficantes a uma rota de fuga - para evitar-se uma carnificina;
- e o "cheque-mate" com o cerco do Complexo do Alemão (a verdadeira cilada para o tráfico).
...
Só pode ser inveja da mídia paulista que defende um governo/SP que há quase 20 anos não consegue nem ao menos limpar a sua CRACOLÂNDIA.

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