quarta-feira, 7 de julho de 2010

UMA DITADURA É UMA DITADURA É UMA DITADURA (*)

Preso em 1936 e em 39, Carlos Marighella foi

bestialmente torturado pela polícia política de
Filinto Muller, o carrasco da ditadura getulista.
Companheiros vieram contestar a avaliação que eu fiz da Revolução Constitucionalista de 1932 como um movimento libertário, batendo na surrada tecla de que a oligarquia de outros estados era melhor que a oligarquia de São Paulo.

Para revolucionários, oligarquias são oligarquias, pouco importando se compostas pelos industriais paulistas ou pelos pecuaristas gaúchos. Por aí não se justifica coisa nenhuma.

O que importa era o que defendiam os legalistas (uma nova Constituição que pusesse fim aos desmandos e arbitrariedades) e o que defendiam os repressores (o prosseguimento dos desmandos e arbitrariedades, sem uma lei maior para atrapalhar).

O fato é que até hoje a historiografia está contaminada pelas avaliações nada isentas dos historiadores que oscilavam na órbita do Partido Comunista (muitos, naquele tempo), os mesmos que minimizaram absurdamente a Grande Greve de 1917 por ter sido de inspiração anarquista. 

Só com a reaparição triunfal do anarquismo nas barricadas parisienses de 1968 é que historiadores de uma nova geração resgataram a importância histórica da primeira greve geral brasileira.

Como o
Partidão não se colocou frontalmente contra o golpe de 1930, os acadêmicos progressistas impingiram a cascata de que, no início, a coisa não havia sido tão ruim assim, uma mera ditabranda...

Depois, veio um daqueles ziguezagues caracteristicamente stalinistas, a súbita guinada de 180º. O PCB, que estava sendo complacente demais com os tiranos, de repente recebeu a ordem de derrubar a ditadura!

A orientação de Moscou foi no sentido de que partisse para a tomada revolucionária do poder, com Luiz Carlos Prestes (que se havia convertido ao comunismo no exílio) voltando ao Brasil como uma espécie de interventor, já que conquistara a confiança dos dirigentes da Internacional.

O PCB era não só contrário ao ingresso de Prestes (ainda mais como principal dirigente!) por considerá-lo apenas um pequeno-burguês radicalizado, como também se opunha a planos insurrecionais que não encontravam respaldo na correlação de forças brasileira. Mas, teve de se submeter aos iluminados da Internacional.

E deu no que deu – um retumbante fracasso e uma arma propagandística que os reacionários ainda utilizavam na minha juventude, três décadas depois, vertendo lágrimas oportunistas sobre a tumba dos militares que teriam sido
surpreendidos na calada da noite e assassinados na cama pelos comunistas insidiosos...

Enfim, a historiografia inspirada pelo PCB andou absolvendo a ditadura getulista nos primeiros anos e só a recriminando a partir de quando acentuou sua opção pela direita, aliando-se aos integralistas de Plínio Salgado (a versão tupiniquim do nazismo) para instaurar o Estado Novo.

Depois, foi a vez de Vargas dar seu ziguezague. Como os estadunidenses articularam o fim de sua ditadura em 1945, bem como a de Perón na Argentina, reagiu assumindo uma plataforma nacionalista em sua campanha para voltar ao poder em 1950, desta vez como presidente eleito.

O PCB aliou-se a Getúlio, com Luiz Carlos Prestes subindo no palanque do responsável pelo martírio da mãe de sua filha.

E, novamente, os historiadores submissos à linha correta foram orientados a suavizar a imagem da ditadura getulista.

Como sou um libertário, não tenho nada a ver com isso. Continuarei falando o que sei, aquilo que aprendi nas minhas leituras e nas conversas com os veteranos da resistência ao arbítrio anterior a 1964.
Até porque tenho a convicção profunda de que o regime militar foi continuador da ditadura getulista, retomando e aprimorando várias de suas práticas.

CENTRALIZAÇÃO POLÍTICA E ECONÔMICA

Eis algumas informações sobre o levante paulista de 1932 que esses historiadores não consideraram importantes, mas eu considero:
  1. não há provas incontestáveis de que Vargas tenha perdido a eleição presidencial de 1930 para Júlio Prestes por fraude, nem de que só um lado tenha fraudado (a prática mais frequente era a de fraude generalizada, com as urnas ungindo sempre o candidato do governador em exercício, e Getúlio levava a desvantagem de ser apoiado por apenas três governos estaduais);
  2. a exemplo do de 1964 (o ouro de Moscou e outras tolices), o golpe de 1930 utilizou falso pretexto, já que João Pessoa não foi assassinado por motivos políticos, mas sim como vingança de João Dantas pela publicação na imprensa das cartas de amor por ele trocadas com Anayde Beiriz e que haviam sido confiscadas em sua casa pela polícia;
  3. Getúlio tomou posse instalando uma ditadura, já que suspendeu a Constituição; destituiu os governadores e nomeou interventores em quase todos os estados (a única exceção foi Minas Gerais); dissolveu o Congresso nacional, os Congressos Estaduais (câmaras e senados estaduais) e as Câmaras Municipais, além de exilar Júlio Prestes, o presidente deposto Washinton Luís e vários de seus apoiadores;
  4. afora a adoção de medidas despóticas de centralização política, praticamente idênticas às de 1964, o golpe de 1930 adotou figurino similar também em termos de centralização econômica (os estados foram proibidos de contratar empréstimos externos sem autorização do governo federal; o Banco do Brasil passou a deter o monopólio de compra e venda de moeda estrangeira, controlando, assim, o comércio exterior; foram impostas medidas para controlar os sindicatos e as relações trabalhistas; e criadas instituições para intervir no setor agrícola como forma de enfraquecer os estados);
  5. jornais foram empastelados, a imprensa intimidada;
  6. a resposta ao arbítrio foram comícios constitucionalistas em São Paulo, o maior deles reunindo cerca de 200 mil pessoas, um assombro para a época;
  7. a demanda civil por uma nova Constituição esbarrava no veto dos tenentes radicais, exatamente como as tentativas de devolução do poder aos civis no golpe seguinte esbarrariam na resistência da linha dura militar;
  8. o estopim da revolta de 1932 foi o assassinato de cinco jovens no centro da cidade de São Paulo (os quatro do MMDC morreram imediatamente e o quinto após agonia mais longa), baleados por partidários da ditadura pertencentes à Legião Revolucionária, um grupo paramilitar consentido pelos déspotas, assim como o CCC seria depois consentido pelo regime de 1964.
Ditaduras são sempre ditaduras: cruéis, sanguinárias e repulsivas.

E, se relevarmos os traços tirânicos da de 1930 por ter sido até certo ponto modernizante, teremos de conceder igual tratamento à de 1964, que também remodelou o Estado.

O fato da primeira modernização haver tido viés mais populista pode significar algo para quem comunga com o utilitarismo. Mas nada significa para quem, como eu e os bem formados na tradição marxista, não aceita que fins justifiquem meios.

Que o digam Olga Benário, que Getúlio Vargas despachou para morrer na Alemanha hitlerista, bem como os camaradas barbaramente torturados pela polícia política de Filinto Muller, a quem o jornalista David Nasser se referiria depois como o réu que ficou faltando no julgamento de Nuremberg.

O carrasco Filinto Muller, aliás, é um dos personagens que fizeram ligação entre os dois regimes de exceção: foi dirigente importante da Arena, o partido de sustentação da ditadura de 1964.

* Tanto este texto quanto o Isto É o Brasil são de 2009. No ano passado, houve discussão semelhante à de agora. A qual reforçou minha convicção de que tenho o dever de continuar questionando as deturpações históricas com que certos schoolars justificam, explicita ou implicitamente, as ditaduras. O papel histórico de Getúlio Vargas pode ter sido até positivo em 1950/54, mas foi dos mais negativos em 1930/1945. Alguém precisa explicar isto às novas gerações, para que não sejam confundidas por falácias autoritárias. Eu o faço.


8 comentários:

Revistacidadesol disse...

Oi, Celso. Estou estudando um livro de Oswald de Andrade onde ele trata da revolução de 32: ele, sem simpatia por Vargas, faz a maior chacota com essa revolução.

Claro que o livro é ficção, mas ele define bem que naquele momento misturava-se a sinceridade dos liberais com o desejo dos "latifundiários em armas" em obter melhores condições de pagamento das dívidas contraídas com a crise de 29. E eles conseguiram.

O Marco Zero também trata dos comunistas: no romance, o PC não apoiou 32, mas também não combateu ou sabotou o levante. A posição do Oswald (em artigos da época) é de que não dava para se aliar porque ali estavam os piores "tubarões feudais".

Abs do Lúcio Jr.
Abs do Lúcio Jr.

Haroldo Mourão Cunha/São Gonçalo/RJ. disse...

Celso, o comentário do Lúcio Jr traduz meu pensamento. Da minha parte não fiz comparação de qualidade com nenhuma oligarquia daquela época. Viviamos uma ditadura branca, como diria a FSP, onde aos mais humildes era negado o direito a educação e hoje sentimos os reflexos, pois com Vargas isso continuou. O dominio pela ignorância ainda é o melhor caminho dos ditadores: naõ há gastos em demasia com nada, sobra mais para seus cofres! Como já tinha lido uma biografia de Nair de Teffé Hermes da Fonseca, um supra-sumo da elite militar, mas ali já dava para entender algumas das nuances dos primeiros trinta anos do século passado. Era briga de cachorros de raça que sobrava para os vira-latas. Como disse no início, e no post anterior, todas as oligarquias queriam era o domínio sobre a outra. Outro abração e continue na lutda pelo Batistti, os seus "primos" não podem ganhar essa de maneira alguma, não por isso ser um jogo, mas por representar uma imensa injustiça!!

Anônimo disse...

Enquanto a ditadura do proletariado (a verdadeira democracia) não chega vamos malhando todas as ditaduras e autoritarismos do capitalismo esquecendo-nos que o arco-iris tem cores diversas além do branco e do preto.

Anônimo disse...

Ok. De uma coisa eu tenho certeza: não gosto de Carlos Prestes. Nunca achei que ele tenha sido um revolucionário. Foi um tremendo trapalhão em 1935 e em 1964. Teleguiado de Moscou.

A coluna prestes foi um excessão.

Ismar C. de Souza

Haroldo Mourão Cunha / São Gonçalo / RJ. disse...

Getúlio foi um ditador, ponto, não se discute isso. Mas eu não fiz comparações, somente disse que pulamos de uma ditadura para outra e aquela queria voltar e foi esmagada por esta. É apenas uma questão semântica. A tentativa de retomada do poder pelos paulistas em 1932, era para voltarmos ao status quo anterior (que ficou provado, nas décadas seguintes, que eles fizeram muito barulho por nada, pois a oligarquia paulicentrista continua firme e forte!). O comentário do Lúcio Jr. foi preciso. Há muitas formas de enterdermos o passado, o difícil é escolhermos essas formas.

Roberto SP disse...

Também concordo com o Lúcio e o Haroldo.

O status em que o Brasil vivia com as eleições totalmente fraudadas da primeira república pode ser tudo menos um estado legal que merecesse respeito de um revolucionário que se alinhasse às causas populares.

celsolungaretti disse...

Roberto,

o status em que o Brasil vivia antes de 1930 era bem melhor do que aquele em que passou a viver entre 1930 e 1945.

Democracias imperfeitas são sempre melhores do que ditaduras.

Aprendi isso no DOI-Codi. E não desejo a ninguém que passe pela mesma experiência.

Abs.

Haroldo Mourão Cunha / São Gonçalo / RJ. disse...

"o status em que o Brasil vivia antes de 1930 era bem melhor do que aquele em que passou a viver entre 1930 e 1945". Cara, pelo relato de mainhas avós (uma ainda esta bem viva e com a memória em dia), te contaram ou você leu alguma coisa que elas não viveram. A mãe do meu pai, nasceu em 1910 (felecida em 1992) e o que ela conta do que passou nos seus primeiros vinte anos, não está no mapa. Vivia-se uma "escravidão branca" (de negros e brancos), pois a qualquer reclamação, era ouvida logo àquela máxima: "vá reclamar com o bispo".

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