Terra em Transe (1967) é, disparado, o melhor filme brasileiro de todos os tempos.
Uma das muitas passagens antológicas da obra-prima de Glauber Rocha: o ersatz de Carlos Lacerda, o político direitista Porfirio Diaz (Paulo Autran), acusa o poeta Paulo Martins (Jardel Filho) de haver traído a amizade que um dia houvera entre eles em nome da "vil linguagem dos interesses políticos". E o outro, cabisbaixo, nada tem a retrucar, pois está prostrado pelos remorsos.
E o que sempre me vem à mente quando vejo ex-companheiros das jornadas de 1968 hoje se comportando como sustentáculos do stablishment que um dia combateram. Vendem-se por um prato de lentilhas: candidaturas, ministérios ou secretarias, boquinhas, status, grana, posição na hierarquia acadêmica. Nada que compense a perda da alma.
O grande cartunista Henfil os colocaria a todos no cemitério dos mortos-vivos. Eu não o faço porque me repugna até citar seus nomes.
Mas, a insistência do Governo José Serra em se mostrar confiável aos olhos dos conservadores e direitistas me leva a abrir exceção.
Como pode um ex-presidente da UNE tratar movimentos estudantis e sociais como casos de polícia?
Como pode um ex-exilado criticar a concessão de refúgio humanitário a um indiscutível perseguido político, apenas porque a decisão foi tomada pelo ministro de outro partido?
Serra já negara Battisti uma vez, ao fazer coro dúbio aos ultimatos italianos e à grita dos reacionários brasileiros: ""Em princípio, não estou de acordo [com a decisão do ministro Tarso Genro], pelos antecedentes que vi na imprensa. Não olhei os processos, mas me parece um exagero o asilo dado".
Não teve sequer a dignidade de firmar taxativamente sua posição, preferindo deixar aberta a porta para desdizer-se, conforme o rumo dos acontecimentos.
A segunda negação acaba de vir numa declaração do seu secretário de Justiça Luiz Antonio Marrey que melhor caberia na boca de alguma viúva da ditadura: "Foi absolutamente equivocada a decisão de dar refúgio político a um assassino condenado pela Justiça italiana".
Se tudo que os estados afirmam sobre seus desafetos deve ser tomado como verdade absoluta, erraram a França e o Chile ao não entregarem o subversivo Serra para os torturadores brasileiros.
E se a solidariedade entre os combatentes das causas justas virou letra morta, errou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, com suas gestões desesperadas, salvou Serra da morte quando do pinochetazzo.
Não duvido que a terceira negação seja logo proferida -- em nome, sempre, da vil linguagem dos interesses políticos.
Se para Pedro houve perdão, para Serra não há nenhum. Não descarta seus princípios de outrora para salvar a vida, mas, tão-somente, para ocupar a posição de gerente-geral dos interesses capitalistas no Brasil, vulgo presidente da República.
O que, para quem não abdicou de suas convicções revolucionárias, nada mais é do que um prato de lentilhas.
Um comentário:
Deixa me triste a grande possibilidade de Serra chegar a presidência da república. O fato transborda o pensamento de ter o PSDB no poder novamente ou mesmo a direita dando as cartas desse jogo. Incomoda muito mais a forma como eles fazem essa caminhada. Pior, como poucos reagem frente as posições semelhantes a uma direita truculenta do século passado.
Humberto Valadão
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