domingo, 1 de março de 2009

"DITABRANDA": A FOLHA PASSA RECIBO DE QUE IGNORA OS LEITORES

Uma das obsessões da Folha de S. Paulo, quando tratava de restringir cada vez mais o componente opinativo nos textos de sua redação, foi impor a complementação das notícias com estatísticas e mais estatísticas, como se a multiplicação de tabelas conferisse cientificidade e rigor ao jornalismo, em detrimento da emoção do repórter que presencia os acontecimentos e das conclusões que eles lhe inspiram.

Os dados estatísticos, ademais, deveriam ser apresentados com destaque nas notícias, o que as tornou extremamente tediosas, robotizadas. Brasileiro não quer saber se o jogador do Corinthians acerta 58,97% dos passes ou 26,49% dos chutes. Prefere uma descrição envolvente do gol de placa que ele marcou ou do passe milimétrico que deu ao artilheiro do time.

Avaliações de média de desempenho fazem parte da mentalidade dos anglo-saxões, que passam a semana discutindo o percentual de erros e acertos dos jogadores de beisebol. Nós outros nos fascinamos com os grandes lampejos dos craques, com os momentos (cada vez mais raros) de arte e beleza, nos esportes e na vida.

A Folha nos quis fazer ainda mais colonizados do que já somos. E, de quebra, impor uma camisa-de-força aos jornalistas, de forma a que seu espírito crítico, sua ânsia por justiça, não pudessem mais extravasar para os textos.

Bem, já que a Folha gosta tanto de estatísticas, eis algumas interessantes, que me dei ao trabalho de levantar.

A utilização em editorial do termo "ditabranda" para qualificar o nefando regime militar de 1964/85 e os insultos proferidos em nota da redação contra os ilustres professores que criticaram tal neologismo foi o assunto mais enfocado nas mensagens recebidas nas duas últimas semanas pelo Painel do Leitor.

Na semana de 15 a 21 de fevereiro, 13% das mensagens de leitores da Folha, conforme levantamento publicado pelo próprio jornal, se referiram ao Caso Ditabranda. Coerentemente, das 60 notas publicadas no Painel do Leitor, 13 (21,6%) foram relativas à principal preocupação dos missivistas.

Já na semana de 22 a 28 de fevereiro, a proporção de mensagens sobre a "ditabranda" até cresceu, para 20%. O que diminuiu foi o interesse da Folha em destacar uma discussão que se tornava cada vez mais indigesta para ela.

Portanto, dentre as 69 notas que saíram no Painel do Leitor, míseras quatro (5,8%) abordavam o assunto que, para o público do jornal, era o mais importante do período, à frente até do "Governo Lula" e da "crise econômica", sobre os quais apenas 6,4% e 5,3% dos leitores, respectivamente, sentiram-se compelidos a escrever à Folha.

Eu insisto no que já cobrei da Folha em carta enviada no dia 25/02 a seis membros do seu Conselho Editorial, inclusive o diretor de redação otávio Frias Filho, e por nenhum deles respondido, com o que acrescentaram a falta de civilidade à consciência de estarem em posição indefensável:

"Se a Folha agora quer ter rabo preso com a extrema-direita, que, pelo menos, o assuma francamente. Caso contrário, que reconheça, também francamente, ter incidido em excessos que não definem sua verdadeira posição.

"O que não pode é, simplesmente, encerrar de forma unilateral um debate que desnecessariamente provocou e agora se voltou contra si, deixando de dar satisfações e esclarecimentos aos leitores que sentiram-se atingidos por seus textos".

Reitero: a Folha continua devendo "aos brasileiros um editorial esclarecendo exatamente qual é a sua posição sobre a ditadura dos generais, pois um assunto de tamanha gravidade não pode ser tratado de forma tão apressada e superficial como o foi no editorial de 17/02 e nas notas da redação de 19/02 e 20/02".

Reitero: a Folha continua devendo "desculpas aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Vitória Benevides, pois é simplesmente ridícula a presunção de que, antes de se pronunciarem sobre a ditadura que vitimou seu país, eles seriam obrigados a um posicionamento público sobre os regimes políticos de outras nações".

A moção de solidariedade aos professores Fábio Konder Comparato e Maria Vitória Benevides já tem mais de 5,6 mil signatários.

O Movimento dos Sem-Mídia promoverá ato de protesto diante da Folha na manhã do próximo sábado (7).

Cada vez mais pessoas tomam conhecimento do sórdido colaboracionismo da Folha com a ditadura, à qual chegava emprestar viaturas para a captura e transporte de resistentes, além de facilitar a detenção dos profissionais da casa e publicar noticiário sintonizado com os interesses da repressão.

Quanto mais a Folha, qual avestruz, enfiar a cabeça na areia para fugir às verdades desagradáveis, mais a onda crescerá.

Foi assim, perdendo a credibilidade, que a Veja começou a decair. Não parou mais de despencar ladeira abaixo.

7 comentários:

Marcos Doniseti disse...

Excelente texto, Celso. Mas, algo me diz que a 'Folha' já escolheu o caminho dela, que é o de se igualar à fascista 'Veja', esse panfleto ridículo.

A 'Folha', para mim, virou a 'Veja' diária. A "Folha' não têm mais salvação. É um caso perdido.

Mas, vamos continuar combatendo essas mentiras abjetas que ela divulga sobre a Ditadura Militar. Não devemos dar tréguas a eles.

E fiquei feliz de saber, pelo Eduardo Guimarães, que você participará do ato em frente à 'Folha' e que a prioridade no ato será para que as vítimas da Ditadura falem na manifestação.

E também estarei presente ao ato, é claro.

Abraço

Marcos A. Rondineli disse...

um anônimo quietinho num cantinho...
e hoje li na Folha, duas delas, a on-line e a papel, sobre macaquices.
Lungareti... a dificuldade deles em entender de coisas humanas é grande demais.
Creem em macacos dando vida a homens, mas não creem nem mesmo entre si mesmo um no outro.
Envio cópia de um e-mail que enviei ao meu quase amigo Carlos Eduardo, me perdoe a ausência da lembrança correta do nome, ombudsman de lá.
Originais?
Tenho comigo.

Marcos A. Rondineli disse...

Marcos D.
Tirando a parte de estar presente ao ato, lá no local, por distância e falta de recursos materiais, faço minhas tuas palavras. Eu não saberia compô-las tão sonora e corretamente ordenadas.

Anônimo disse...

Passo a olhar a 'Folha' com outros olhos..

Mas uma coisa não entendo: porque o jornal favoreceria a Ditadura Militar agora que a máscara já caiu e o período é visto pelo país como o mostro que realmente foi?
Seria como um alemão, hoje, defendendo o nazismo!

Marcos A. Rondineli disse...

Comentando André H. ...
Um palhaço, ao deixar o picadeiro, por longo tempo ainda porta a maquiagem e as roupas... embora não traga mais na alma o sorriso que estampa na cara.
Imagino que lhes seja difícil assumir um passado excuso... mesmo em dias de hoje.

Unknown disse...

André H,

Ao relativizar a ditadura, a Folha cumpre, no mínimo, dois objetivos estratégicos:

1) Num momento de queda vertiginosa do faturamento da imprensa escrita, credencia-se como principal opção de jornal diário para as classes mais abastadas (e, logicamente, conservadoras), que têm a Veja como referência semanal;

2) Visa diminuir a importância daqueles que lutaram contra a ditadura, num momento de crescimento da candidatura de Dilma Roussef, que, como se sabe, enfrentou o regime, tendo sido presa e torturada.

http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com/

Marcos A. Rondineli disse...

Maurício...
simples, sem ser simplista... analítico, e realista.
Parabéns.
Vem dita-nova por aí, ao menos é o que posso vislumbrar.
Não se acendem velhos candeeiros se não se sabe que as usinas novas vão parar...
Quem realimenta o fogo antigo espera, no mínimo, que algum pirilampo seja atraído.
A menos que se queira botar fogo na casa... o que não é racionalmente inteligente.

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