"Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático", reza o inciso 44 do Artigo 5º da Constituição Federal.
É no que se baseou Gilmar Mendes para repetir a cantilena da extrema-direita, segundo a qual haveria também crimes imprescritíveis de terrorismo para apurar no período 1964/85, além dos de tortura, que atingem a casa de dezenas de milhares.
É chocante a indigência jurídica ou o desconhecimento histórico daquele que preside o mais alto tribunal do País!
A ordem constitucional foi quebrada no malfadado 1º de abril de 1964 e hibernou durante 21 anos. O que vigorava era a desordem totalitária do AI-5, uma licença para os militares perseguirem, trancafiarem, torturarem e assassinarem os opositores como bem lhes aprouvesse.
Não se pode falar em Estado democrático sem respeito às garantias individuais, equilíbrio entre Poderes e eleições livres para todos os cargos.
Então, por terem golpistas vitoriosos detonado a ordem constitucional e esmagado o Estado Democrático sob seus tanques de guerra, todos os cidadãos brasileiros tinham não só o direito, como até o dever, de resistirem a eles, como soldados da democracia, armados ou não.
Se Gilmar Mendes ignora tudo isso, repito, é indigno de sua posição atual e deveria dela ser removido.
Quanto ao ministro da Justiça, por que não se cala? Cada vez que abre a boca, ou faz o Governo Lula explicitar seu viés castrense, ou dá o péssimo exemplo de sugerir atalhos em substituição aos caminhos retos que os homens dignos devem trilhar.
Se houve uma Lei de Anistia promulgada sob regime de exceção como habeas corpus preventivo para carrascos e seus mandantes, ela deveria agora ser revogada e substituída por uma verdadeira anistia, decidida em liberdade. Transferir ao Judiciário um abacaxi que o Executivo e o Legislativo relutam em descascar foi o que desencadeou a comédia de erros atual.
Agora, com sua habitual sinuosidade, Tarso Genro rebate o que Gilmar Mendes declarou, mas diz estar falando "em tese" e não respondendo especificamente ao presidente do STF.
E, ao invés de assumir que, ao implantarem um terrorismo de estado capaz de evocar o sofrido pelos países sob ocupação nazista, os militares brasileiros inviabilizaram qualquer possibilidade de resistência pacífica após o fatídico 13 de dezembro de 1968 (quando foi assinado o AI-5), Genro prefere considerar a luta armada "um equívoco", cometido por "parcelas da juventude" que não viram outro meio de resistir.
Tais parcelas da juventude impediram que o Brasil carregasse até hoje o opróbrio de haver-se sujeitado docilmente a viver debaixo das botas.
Assim como a Resistência Francesa não libertou o país, mas evitou que ele ficasse identificado com Pétain e os colaboracionistas de Vichy, os poucos milhares de abnegados que ousaram travar aquele confronto desigual e trágico não resgataram o Brasil das trevas, mas salvaram a honra nacional.
Caso contrário, a imagem que ficaria na História seria a de que todos os brasileiros queriam apenas locupletar-se com o milagre econômico, mandando às urtigas a cidadania.
E, se havia outro meio de resistir após o AI-5, por que Genro não o adotou, ao invés de exilar-se no Uruguai?
Então, dispenso a condescendência com que o ministro aparenta defender, mas acaba depreciando a opção que ele próprio não tomou: "foi uma decisão moral respeitável e compreensível historicamente", mas "errada", tanto que "aumentou a distância entre setores da sociedade e a esquerda", etc.
Assim como repudio enfaticamente a tergiversação de Genro que, para respaldar sua sugestão oportunista de que os torturadores sejam julgados por crimes comuns (já que, supostamente, não estariam cumprindo ordens e, portanto, não teriam cometido os crimes políticos anistiados em 1979), é obrigado a fazer afirmações como a de que os casos de tortura, em sua "ampla maioria", foram cometidos por "civis, policiais ou parapoliciais, que agiam por conta própria (sic)".
Até as pedras sabem que toda a cadeia de comando, do general que se fazia passar por presidente da República até o mais ínfimo carcereiro, foi responsável pela prática generalizada e ilimitada da tortura.
Ao dar um cheque em branco para os verdugos, como signatário do AI-5, o então ministro Jarbas Passarinho nem sequer se preocupou em dourar a pílula: "Sei que a V. Exa. repugna, como a mim e creio que a todos os membros deste conselho, enveredar pelo caminho da ditadura. Mas às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência!".
Está em Mateus: "Seja o vosso falar sim, sim; não, não. Pois o que passar disto, virá do Maligno." (5:37)
Concordo e subscrevo.
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