terça-feira, 28 de outubro de 2008

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR JOSÉ SERRA

Exmo. Sr. Governador José Serra,

como admirador que sou de sua trajetória idealista, mormente no período anterior ao golpe militar que desencadeou o arbítrio, as perseguições políticas e a prática continuada e generalizada de atrocidades em nosso país, quero crer que suas convicções democráticas e seu apego aos valores civilizados continuem os mesmos de quando V. Exa. presidia a UEE e a UNE.

Entre o momento de sua opção pelo exílio para garantir a integridade física e a própria sobrevivência, em 1964, e o feliz reencontro com a pátria amada, em 1978, muitos fatos escabrosos aconteceram. A censura férrea então imposta à imprensa, bem como as intimidações que os usurpadores do poder praticavam sistematicamente contra os jornalistas, devem ter impedido que algumas ocorrências relevantes lhe chegassem ao conhecimento no Chile e Estados Unidos, onde V. Exa. desenvolvia brilhante carreira acadêmica.

Um deles foi a criação, dentro do atual 1º Batalhão de Polícia de Choque Tobias de Aguiar (teve diversos nomes até receber este definitivo em 1975), das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), uma unidade incumbida de combater a guerrilha urbana e que, depois de massacrados os combatentes da resistência à ditadura pela via armada, passou a aplicar os mesmos métodos de torturas e assassinatos contra criminosos comuns.

A bestial execução de três jovens inocentes de classe média por parte dos carrascos da Rota 66, em 1975, fez com que a opinião pública se desse conta da existência de grupos de extermínio legalizados a aterrorizarem a população dos bairros pobres de São Paulo.

O excelente livro Rota 66, do jornalista Caco Barcellos, documentou 4.200 casos de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como vítimas, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros (muitas vezes sem antecedentes criminais). Os inocentes atingidos por engano seriam em maior número do que os verdadeiros criminosos - cuja condição, claro, não eximia os policiais do dever de entregá-los à Justiça, ao invés de simplesmente abatê-los, como faziam.

Tudo é revoltante nos relatos de Barcellos: a impunidade dos criminosos que, nas raras vezes em que alguém ousava denunciá-los, eram julgados pelos próprios colegas de corporação; as arbitrariedades de toda ordem, como alterações nos cenários dos crimes, destruição dos documentos das vítimas, aceitação de depoimentos contraditórios e até ameaças aos profissionais íntegros que tentassem não envolver-se nessas farsas; a impotência das famílias que, sem recursos para custear advogados e exigir justiça, acabavam se conformando com a execução covarde de seus entes queridos...

Endeusada pelos jornais popularescos e sanguinários, a Rota era a menina dos olhos de Paulo Maluf, que lhe deu total liberdade de ação quando governador e depois, em suas campanhas políticas, sempre prometeu colocá-la na rua.

Os excessos cometidos pela Rota eram tão frequentes e chocantes que o jornal Folha de S. Paulo chegou a exigir, em editorial (06/02/1983), que o governo estadual desativasse a Rota, dando fim à sua "legenda sanguinária":
- O método de operação consagrado pela Rota e imitado, nos últimos tempos, por outras unidades da PM não é apenas essencialmente ilegal, porque baseado na detenção de "suspeitos" identificados por uma nebulosa intuição policial; não é só atentatório aos direitos humanos, porque conduz frequentemente à eliminação sumária desses "suspeitos" ou à extração de confissões mediante sevícias; é também intrinsecamente incapaz de conter a escalada da criminalidade, mas ao contrário a alimenta com doses de violência cada vez mais desatinada.

Mas, perguntaria V. Exa., por que estou a relembrar esses acontecimentos infames, referentes a um passado que nos envergonha e entristece?

Simplesmente porque, neste ano de 2008, em plena vigência da democracia, o 1º Batalhão de Choque Tobias de Aguiar - Rota destaca no seu site, com indisfarçável orgulho, os atentados que cometeu contra a democracia:
"Marcando, desde a sua criação, a história desta nação, este Batalhão teve seu efetivo presente em inúmeras operações militares, sempre com participação decisiva e influente, demonstrando a galhardia e lealdade de seus homens, podendo ser citadas, dentre outras, as seguintes campanhas de Guerra:
(...) - Revolução de 1964, quando participou da derrubada do então Presidente da República João Goulart, dando início à ditadura militar com o Presidente Castelo Branco;
- Campanha do Vale do Rio Ribeira do Iguape, em 1970, para sufocar a Guerrilha Rural instituída por Carlos Lamarca..."

Ou seja, o batalhão (hoje totalmente identicado com a Rota, a ponto de incorporar essa sigla funesta a seu nome) se vangloria de haver ajudado a derrubar um presidente legítimo e ainda mente quanto à fracassada campanha de Registro, quando 5 mil militares não conseguiram anular os gatos-pingados que estavam sendo treinados por Lamarca, sem que este tivesse instituído guerrilha rural nenhuma até aquele momento.

A retórica do site continua sendo a mesmíssima dos tempos da ditadura, embora, com a volta do Brasil à civilização, os atos antes vilipendiados estejam sendo vistos na correta perspectiva de resistência à tirania, enquanto a justa condenação cai sobre os mandantes e executantes do terrorismo de estado vigente naquele terrível início dos anos 70. Eis a voz do passado que continua ecoando no presente, à custa dos impostos pagos pelos contribuintes paulistas:

"Mais uma vez dentro da história, o Primeiro Batalhão Policial Militar 'Tobias de Aguiar', sob o comando do Ten Cel Salvador D’Aquino, é chamado a dar seqüência no seu passado heróico, desta vez no combate à Guerrilha Urbana que atormentava o povo paulista.

"Havia a necessidade da criação de um policiamento enérgico, reforçado, com mobilidade e eficácia de ação.

"(...) Surge então o embrião da Rota, a Ronda Bancária, que tinha como missão reprimir e coibir os roubos a bancos e outras ações violentas praticadas por criminosos e por grupos terroristas."

Hoje, quando já se conhece o festival de horrores resultante desse "policiamento enérgico", é inadmissível que os espaços virtuais do Governo do Estado continuem se prestando à exaltação do extermínio e das práticas hediondas.

"Desativar a Rota", pedia a Folha de S. Paulo há 25 anos. Não só escapou dessa medida profiláxica, como continua até hoje sendo enaltecida pelo aparelho policial como uma tropa de elite, a exemplo daquela do Rio de Janeiro (cuja atuação real, aliás, está muito longe das fantasias literária e cinematográfica fascistóides).

Então, Governador, em nome do seu passado de exilado e em consideração ao passado de todos nós que permanecemos aqui e fomos barbarizados, peço-lhe que, pelo menos, determine que as peças de comunicação do seu Governo passem a ser as aceitáveis numa democracia.

Isto se não lhe apetecer tomar a atitude mais pertinente, que já está atrasada em um quarto de século: desativar a Rota!

Respeitosamente,

CELSO LUNGARETTI
EM: 28/10/2008

6 comentários:

Anderson Ferreira disse...

Concordo com você Celso, se o Brasil fosse um país sério que tivesse respeito pelo seu passado, já teria extingüido a tanto a ROTA como o BOPE. é um absurdo que ainda tenhamos em nosso país forças po0liciais que tem o objetivo de massacrar e exterminar o povo pobre, que habita as favelas e periferias.
Entrar na favela, atirando a esmo e chamando trabalhador de vagabundo e ladrão é um absurdo, e entrar em condominio de luxo e chamar fraudador e ladrão de colarinho branco de doutor é um absurdo maior ainda.

William Wollinger Brenuvida disse...

Camarada Celso!

Li no site da polícia tal aberração e copiei para uma futura complementação em minha monografia da especialização de processo penal.

Também li certa vez "Rota 66" e penso ser um livro para abrir a mente das pessoas sobre a truculência da polícia militar. Barcellos fez um trabalho fantástico, e que, não pode ser esquecido.

Enquanto aceitarmos esse disparate teremos a repetição daquela brutalidade dos anos de chumbo.

Saudações Fraternas,

J. Pinto Durão disse...

Celso,
Li e vejo o quanto precisamos ainda passar a limpo o nosso passado.
Um forte abraço,
Jota
16/2/2010

Anônimo disse...

Suas critícas são como tudo dosadas de "meias verdades", não se trata de acabar com a Rota, mas sim adequa-la as necessidades democraticas, na verdade hoje a Rota longe está do que antes era, hoje o ex-Cap. e Dep. Conte Lontes (citado em Rota 66 por C. Barcelos, critica seu comando por ser fraco, e "bondoso" por demais).Então vamos acabar com a "Polícia"(ela inteira) vamos acabar com as Forças Armadas (aliás não era ela a razão da Ditadura?), vamo acabar com os institutos médicos legais (todos comprometidos nos anos de chumbo com a ditadura). Amigos a proposta dos senhores é em demasia "utópica", insensata, irrealista, e por demais defensora de uma "lética" esquecendo-se da "Dia" da questão. Se for visto por um angulo mais amplo teremos que ir a caças as bruxas com todos aqueles que pretendiam instituir uma ditadura no país, seja de direita (já instituida) ou a terríficante (pelo menos do ponto de vista histórico e pragmático)de esquerda. Sim haviam homens que queriam impor algo mais terrível no pais (vejam a as história Lennista, Stalinista, Mao-Tse.. - ainda hoje tão violenta como no tempo do Bom "Mao",ou mesmo daquele barbudo de Cuba, etc.) São as mais duradouras, injustas, e criadoras de duas classes, com uma diferença social que invejaria qualquer capitalista sanguinário e manipulador.. Onde somente existe a "ponta pirãmide" social, e o resto, que é apenas o resto.
Finalizando a ROTA obedece ao estado, e o povo elege os Chefes do Executivo que comandam o Estado. Então meus senhores, se não fosse o próprio povo (em sua maioria) que não apoiassem a ROTA e fizessem sua propaganda, sinceramente não veria motivos para tal instituição se manter manter presente no meio democrático. Sugiram ao C. Barcelos que entrevistem não uma amostra tendênciosa das populações das favelas, mas pesquisem em todas as periferias, verão que não é exatamente a "elite" dos bem informados, que apreciam sua ação. Os excessos cometidos esses sim, quando há a morte de inocentes, esses sim devem ser levados com rigor ao estado. E saibam que existem membros instituição em questão que chegam a ser expulsos ou até presos nos casos de excesso. Os casos de Barcelos são tendênciosos o bastande , a ponto de não caracterizar um jornalismo imparcial, mas sim uma caricata "propaganda" anti-Rota. Lembre-se: "É possível dizer muitas mentiras, apenas dizendo certas verdades, que negam absurdamente a contextuaçização dos Atos".

Anônimo disse...

Espero que o espirito democrático, e liberdade de pensamento que os senhores parecem prezar tanto publiquem meu comentário:
Suas critícas são como tudo dosadas de "meias verdades", não se trata de acabar com a Rota, mas sim adequa-la as necessidades democraticas, na verdade hoje a Rota longe está do que antes era, hoje o ex-Cap. e Dep. Conte Lontes (citado em Rota 66 por C. Barcelos, critica seu comando por ser fraco, e "bondoso" por demais).Então vamos acabar com a "Polícia"(ela inteira) vamos acabar com as Forças Armadas (aliás não era ela a razão da Ditadura?), vamo acabar com os institutos médicos legais (todos comprometidos nos anos de chumbo com a ditadura). Amigos a proposta dos senhores é em demasia "utópica", insensata, irrealista, e por demais defensora de uma "lética" esquecendo-se da "Dia" da questão. Se for visto por um angulo mais amplo teremos que ir a caças as bruxas com todos aqueles que pretendiam instituir uma ditadura no país, seja de direita (já instituida) ou a terríficante (pelo menos do ponto de vista histórico e pragmático)de esquerda. Sim haviam homens que queriam impor algo mais terrível no pais (vejam a as história Lennista, Stalinista, Mao-Tse.. - ainda hoje tão violenta como no tempo do Bom "Mao",ou mesmo daquele barbudo de Cuba, etc.) São as mais duradouras, injustas, e criadoras de duas classes, com uma diferença social que invejaria qualquer capitalista sanguinário e manipulador.. Onde somente existe a "ponta pirãmide" social, e o resto, que é apenas o resto.
Finalizando a ROTA obedece ao estado, e o povo elege os Chefes do Executivo que comandam o Estado. Então meus senhores, se não fosse o próprio povo (em sua maioria) que não apoiassem a ROTA e fizessem sua propaganda, sinceramente não veria motivos para tal instituição se manter manter presente no meio democrático. Sugiram ao C. Barcelos que entrevistem não uma amostra tendênciosa das populações das favelas, mas pesquisem em todas as periferias, verão que não é exatamente a "elite" dos bem informados, que apreciam sua ação. Os excessos cometidos esses sim, quando há a morte de inocentes, esses sim devem ser levados com rigor ao estado. E saibam que existem membros instituição em questão que chegam a ser expulsos ou até presos nos casos de excesso. Os casos de Barcelos são tendênciosos o bastande , a ponto de não caracterizar um jornalismo imparcial, mas sim uma caricata "propaganda" anti-Rota. Lembre-se: "É possível dizer muitas mentiras, apenas dizendo certas verdades, que negam absurdamente a contextuaçização dos Atos".

atenciosamente Fernando Buffolo (não tenho conta nos foruns, por isso coloco como anonimo.)

Anônimo disse...

Concordo,
não se trata de acabar ou não com a rota,
tem que prepará-la para a nova realidade do
Brasil, pois mesmo com a existência dela a criminalidade continua aumetando, tem que dar um basta, o povo tem que ir para as ruas e exigir segurança, e um dos primeiros passos é colocar no comando da segurança, pessoas de bem, pessoas de reconhecida competência, acabar com este negocio de nomeações, sendo os comandantes pessoas honestas e severas no trato com a segurança, os comandados pensarão duas vezes antes de praticarem suas atrocidades. Está se instalando o pânico no País, talvez até seja intencional, mas hoje as pessoas de bem que estão prêsas, teem medo de sair às ruas, param
nos farois e ficam olhando para um lado e outro,
etc, uma das formas de aumentar a segurança é colocando Policia nas ruas, se não for suficiente coloquem mais, e sempre mais, e que seja de boa qualidade, pois nesta questão mais vale a qualidade do que a quantidade, se for para colocar bandidos disfarçados de policiais também não adianta, mas uma solução tem que ser dada, da maneira que está não pode continuar.

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