quinta-feira, 25 de setembro de 2008

PUNIÇÃO DOS TORTURADORES PÕE DESAFIOS ATUAIS EM 2º PLANO?

Em debate realizado anteontem (23) na USP sobre a punição das atrocidades cometidas pela ditadura de 1964/85, o professor de filosofia Paulo Arantes avaliou que a insistência da esquerda na reparação das "abominações do passado" denota a inexistência, na atualidade, de um horizonte de transformação radical da sociedade:

- É uma confissão de que o futuro passou para o segundo plano. De que ele só virá depois desse rodeio pelo passado. É uma confissão tácita de que o horizonte de transformação foi posto de quarentena.

Concordo plenamente.

Deixando de lado a retórica inflamada de palanque, eis como realmente se apresenta o problema:

1) golpistas derrubaram o presidente legítimo em 1964 e, durante 21 anos de usurpação do poder, generalizaram a prática da tortura a seus opositores, além de terem sido responsáveis por assassinatos, estupros. ocultação de cadáveres e outros crimes gravíssimos;

2) em pleno regime de exceção, no ano de 1979, foi promulgada uma Lei de Anistia que previamente os eximiu de responderem pelas bestialidades e ilegalidades cometidas, tendo como contrapartida a libertação de resistentes e a permissão de volta dos exilados;

3) redemocratizado o País, nenhum governo, muito menos o atual, se dispôs a desatar esse nó, começando pela revogação da anistia de 1979;

4) o ministro da Justiça Tarso Genro recentemente apontou um atalho (mantém-se a anistia como está e acusam-se os torturadores de crimes comuns) para transferir ao Judiciário um problema cuja solução teria de envolver os três Poderes.

Desde o nascedouro dessa proposta, tenho alertado que:

1) como o que houve no Brasil foi terrorismo de estado, para o qual toda a cadeia de comando concorreu (por ação ou omissão), seria uma verdadeira aberração jurídica punirem-se apenas os executantes e eximirem-se os mandantes;

2) ademais, fornece-se uma escapatória legal aos executantes, que poderão arguir o desrespeito ao princípio da igualdade de todos perante a lei;

3) finalmente, seguindo-se os trâmites e prazos usuais da Justiça brasileira, Deus e o mundo sabem que os acusados acabarão todos morrendo antes de serem punidos.

Cheguei a propor que, como alternativa, o governo e o Congresso negociassem um pacote que:

1) revogasse a anistia de 1979;

2) fixasse, definitivamente, a responsabilidade dos usurpadores do poder pelas atrocidades cometidas e por todas as violações dos direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros ocorridos durante a ditadura de 1964/85;

3) anistiasse seus agentes, por motivos de ordem humanitária (idade avançada) e política (a inaceitável omissão do Estado, que deveria ter passado a limpo o período a partir do momento em que o País foi redemocratizado, em 1985);

4) estabelecesse, também definitivamente, que os atos praticados por cidadãos brasileiros no legítimo exercício do direito de resistência à tirania não constituíram crimes, devendo ser desconsiderados para todos os fins, inclusive morais, os Inquéritos Policiais-Militares da ditadura e as sentenças emanadas de auditorias militares.

Para a esquerda, seria trocar uma guerrilha jurídica interminável, cujos resultados acabarão sendo inócuos, por uma vitória moral indiscutível.

À direita restaria o prêmio de consolação de não ver seus carrascos na cadeia, pois tem sido esta a tônica de suas ruidosas tomadas de posição - algumas das quais configuraram visivelmente uma quebra de hierarquia, sendo, mesmo assim, engolidas pelo Governo Federal.

E se evitaria que indivíduos sórdidos se apresentassem à opinião pública como vítimas, utilizando suas doenças e idade provecta para fazerem chantagem emocional. A imagem final seria a de lhes haver sido concedida a graça de morrerem fora da prisão em que mereciam estar.

Ou seja, todas as arestas seriam aparadas: não haveria punições, esvaziando-se os focos que estão gerando conflitos no presente; mas, fixar-se-iam parâmetros legais importantíssimos para desestimular reincidências futuras no arbítrio.

Por que a esquerda nem cogita de se mobilizar nesta direção? simplesmente porque parece mesmo preferir usar as "abominações do passado" como pivô de mobilizações no presente, ao invés de oferecer "um horizonte de transformação radical da sociedade" aplicável aos dias atuais - até por causa da ambígua situação na qual se debate, com alguns dos seus quadros históricos hoje ajudando a manter o status quo.

Mas, com isto, quase nada de palpável se oferece às novas gerações que, majoritariamente, interessam-se mesmo é pelo que está acontecendo agora, encarando a ditadura militar como uma página virada de uma História que não lhes diz respeito.

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