Por Vladimir Safatle |
MAIO DE 68 NO BRASIL
É sintomático o silêncio dominante atual a respeito de Maio de 68 no Brasil.
Em circunstâncias normais, poderíamos esperar uma reflexão articulada a respeito deste momento importante da história nacional, suas aspirações e impasses. No entanto, algo funciona atualmente sob a sombra da lógica do esquecimento, como se fosse questão de melhor não lembrar o que pode sempre retornar.
Lembremos como a ditadura militar brasileira havia se imposto como uma experiência transitória. Logo após o golpe, ainda se falava em eleições presidenciais em 1965. Foi aos poucos que a intervenção militar mostrou sua verdadeira face, a saber, aquela de um regime que nunca iria passar por completo, que mesmo depois de terminado saberia como continuar.
O sentimento social de sufocamento crescia com a promulgação de uma Constituição autoritária, com a consciência da impossibilidade da via eleitoral, como os casuísmos que apareciam diante dos resultados eleitorais desfavoráveis à ditadura.
29 de março de 1968: enterro do jovem Edson Luís de Lima Souto inflamou o movimento estudantil |
Nesse contexto, as revoltas estudantis aparecem como o primeiro momento efetivo de resistência à ditadura. Elas colocavam em questão os modos de oposição reinantes, já que o Brasil desenvolvera uma ditadura com uma capacidade de amortização de tensões maior do que aquelas que conheceriam seus vizinhos.
Estamos a falar de uma ditadura que criou um partido de oposição para chamar de seu, não por acaso o conhecido MDB. Uma ditadura que aplicou não o princípio do assassinato em massa, mas do assassinato seletivo que tinha a força de paralisar todo o conjunto da vida social com um esforço menor.
Nesse horizonte, constituíram-se os primeiros grupos efetivos de luta armada no Brasil. Ou seja, a história de Maio de 68 no Brasil é indissociável dessa opção pela luta armada que levaria boa parte dos estudantes à clandestinidade.
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."Toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal. Mesmo segundo princípios liberais, a luta armada contra a tirania é um direito" (Vladimir Satatle)
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A violência contra eles seria ainda mais brutal do que aquela que ocorreria em outros países latino-americanos. Pois até hoje seus corpos continuam desaparecidos, seus nomes, apagados da memória nacional, suas ações, recusadas.
Mas seria importante lembrar como o contexto legitimava tal escolha. O Brasil se situava em meio a uma ditadura claramente tipificada enquanto tal.
Um princípio fundamental a ser aceito em qualquer democracia que queira fazer jus a tal nome, mesmo uma democracia liberal, é: toda ação contra um Estado ilegal é uma ação legal. Mesmo segundo princípios liberais, a luta armada contra a tirania é um direito.
Participantes do 30º congresso da UNE, em Ibiúna (SP), sendo levados presos em outubro de 1968 |
Note-se que vários líderes da luta armada, como Carlos Marighella, eram até então atores políticos bastante integrados ao que se chamaria de jogo democrático. Marighella opta por organizar a luta armada apenas após a implantação da ditadura militar, abandonando assim a diretriz hegemônica do PCB de então.
Ou seja, sua escolha é motivada por um fechamento do horizonte político nacional, ela responde a tal fechamento.
Impor a uma sociedade a brutalidade da ditadura, da censura e da exceção e ainda esperar que a integralidade de seus cidadãos não use de todos os meios para se rebelar é desconhecer as dinâmicas mais profundas da história dos povos.
Um dos jovens estudantes que foram à luta armada |
Nesse sentido, Maio de 68 no Brasil mostrou claramente como emergia uma juventude que não estava disposta a continuar a ser sufocada.
Ela foi fundamental para que o Brasil conservasse uma dinâmica de transformações possíveis e de tensões. Ela deixou filhos e netos, de sangue e de espírito, que nunca estarão dispostos a esquecer o que eles fizeram e o que representaram.
Há um dever de memória a ser feito, ainda mais nos momentos sombrios da história nacional.
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