quinta-feira, 22 de março de 2018

BELO DIAGNÓSTICO E SOMBRIO PROGNÓSTICO?

O assíduo leitor SF – Sady Fernandes – a quem sempre agradeço os questionamentos e observações que me permitem aprofundar os temas debatidos, enviou um pertinente comentário sobre o artigo em que trato da questão da concorrência internacional de mercado em relação ao limite absoluto do capital no seu processo de necessária e impossível (principalmente no estágio atual) reprodução aumentada nos níveis exigidos. 

Nele aludiu ao meu belo diagnóstico e sombrio prognóstico. Avaliei que valia a pena desenvolver o tema num novo artigo.  

Para se curar qualquer doença faz-se necessário um correto diagnóstico. Assim, a cura está diretamente relacionada com a análise da origem do mal. Nas ciências sociais, que não têm a precisão das ciências físicas, as variáveis são tantas que se torna difícil para a mente humana a compreensão plena dos males sociais e suas origens primárias. 

Daí termos que reverenciar Karl Marx, não como um Deus infalível, mas como um intelecto brilhante que pôde desvendar o mistério que faz com que uma coisa abstrata (a forma-valor) imiscua-se numa coisa concreta (os objetos e serviços que têm alguma utilidade para a satisfação das necessidades humanas) para criar uma forma de segregação social. 

Como a forma-valor poderia ser um instrumento de escravização mais sutil e menos flagrantemente injusto do que a crueldade da escravização direta, os senhores do mundo perceberam que ela cairia como uma luva para contemplar os interesses mesquinhos da segregação social escravista de então e de hoje.

Graças à verdade e profundidade contida na sua crítica da economia política, Karl Marx conseguiu desvendar o segredo guardado no quarto escuro por esses senhores do mundo, que insistem em mantê-lo fechado a sete chaves. E é este o grande motivo de a academia, as religiões, a política, e até mesmo os partidos ditos marxistas continuarem a ignorá-lo como propositor de uma teoria emancipacionista, simplesmente omitindo-a ou afirmando ser pouco compreensível e fora da realidade. 

Marx já foi declarado morto e sepultado centenas de vezes desde a sua morte física em 1883, mas sempre ressurge das cinzas em razão da atualidade e correção dos seus prognósticos, que os economistas burgueses fazem questão de desconhecer.    

Tenho estudado com afinco e esforço (a profundidade dos seus argumentos e análises adequados à realidade atual é indispensável mas complexa, exigindo intenso esforço intelectual para a sua compreensão) a crítica marxiana, esotérica, que chega a ser contestatória do marxismo do movimento operário, esotérico, por ele mesmo levantado ainda nos albores de sua juventude.

Marx não teve medo de se contrapor a si mesmo e admitir os seus próprios erros (disse certa vez que não era marxista) como deve acontecer com quem busca verdades científicas, principalmente no campo social.   
Robert Kurz: "obra imprescindível"
Quando faço os meus modestos prognósticos, não estou inventando a roda, mas apenas tentando interpretar alguém que já a inventou e muitos outros lúcidos estudiosos que, sobre os ombros do Marx esotérico, vêm trabalhando para darem um salto qualitativo à sua teoria. 

Um desses estudiosos é Robert Kurz, falecido em 2012, a quem reverencio como um dos mais brilhantes ensaístas modernos da crítica da economia política, cuja obra, cada dia mais atual, é imprescindível para a compreensão das causas do infortúnio social que assola o mundo.   

Como dissemos, só um correto diagnóstico pode nos conduzir a um correto encaminhamento das nossas ações, de modo consciente, podendo assim nos proporcionar o prognóstico de um futuro luminoso. 

Nunca na história da humanidade foram reunidas tantas condições intelectuais e materiais para a cômoda satisfação das necessidades sociais e sustentabilidade ecológica, bem como para a elevação do homo sapiens a um estágio superior de seu processo civilizacional.

Isso não significa que, ao superarmos o nosso modo social de ser, tenhamos dado fim aos problemas da existência humana, mas certamente haveremos superado a nossa segunda natureza bárbara, mística e opressora do ser humano sobre o próprio ser humano.  

A verdade é que a forma atual de produção de mercadorias atingiu, no estágio atual, graças à potencialização da mais-valia relativa em níveis que tornam supérflua a absorção do trabalho abstrato em maior parte, seiva de sua própria existência, que se contrapõe ao conteúdo do seu objeto teleológico, o vazio fim em si tautológico da reprodução do valor, sem sentido virtuoso, e coloca em xeque o modo de mediação social a partir de sua forma acanhada.

Tal fato, agora explicitado pelo fenômeno do desemprego estrutural e da queda da massa global de mais-valia; da massa mundial de lucro e de valor, fora previsto por Marx, que o deduziu da análise da dinâmica da concorrência mundial de mercado.

Isto porque tal concorrência força o capital a investir, proporcionalmente, cada vez mais em capital constante (capital fixo, de máquinas, equipamentos e instalações) e cada vez menos em capital variável (a força de trabalho abstrato humana) que reduz o preço das mercadorias, ao mesmo tempo em que exclui a capacidade de consumo de grandes contingentes sociais.

Vejamos o que disse Marx n'O capital, a respeito do limite absoluto do necessário crescimento do capital ad infinitum sem o qual ele perece, como agora está a ocorrer (n'O capital):
"...o limite do modo de produção capitalista se manifesta: 

a) no fato de o desenvolvimento da força produtiva do trabalho gerar, na queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se opõe com a maior hostilidade ao seu próprio desenvolvimento, tendo de ser portanto constantemente ultrapassada por meio de crises, e

b) no fato de que é a apropriação de trabalho não pago, e a proporção entre esse trabalho não pago e o trabalho objetivado em geral (ou, expresso de forma capitalista, é o lucro e a proporção entre esse lucro e o capital aplicado, portanto certo nível de taxa de lucro) que decide sobre ampliação ou limitação da produção, em vez de ser a relação entre a produção e as necessidades sociais, as necessidades de seres humanos socialmente desenvolvidos. Por isto surgem limites para elas já num grau de ampliação insuficiente. Ela pára não onde a satisfação das necessidades a obriga, mas onde a produção e realização do lucro determina...

...O que inquieta [o economista clássico britânico David] Ricardo é que a taxa de lucro, o acicate da produção capitalista, venha a ser posta em perigo pelo próprio desenvolvimento da produção. E a relação quantitativa aqui é tudo. De fato há algo mais profundo na base, de que ele apenas suspeita. 

Verifica-se aqui, no plano puramente econômico, isto é, do ponto de vista burguês, dentro dos limites do juízo capitalista, do ponto de vista da própria produção capitalista, a sua limitação, a sua relatividade, que ela não é nenhum modo de produção absoluto, mas apenas histórico, um modo de produção correspondente a certa época, limitada de desenvolvimento das condições materiais de produção.
      
Além do mais, é apenas uma necessidade do modo de produção capitalista que o número de assalariados aumente de maneira absoluta, apesar da sua diminuição relativa...

Um desenvolvimento das forças produtivas que diminuísse o número absoluto dos trabalhadores, isto é, que capacitasse toda a nação a efetuar a sua produção social num período de tempo menor provocaria uma revolução, porque colocaria fora de circulação a maior parte da população. Aqui aparece novamente o limite específico da produção capitalista e vê-se que ela não é de modo nenhum uma forma absoluta de desenvolvimento das forças produtivas e de geração de riqueza: pelo contrário, em certo ponto entra em colisão com esse desenvolvimento. 

Essa colisão aparece parcialmente em crises periódicas, que decorrem da transformação em supérflua, ora desta, ora daquela parte da população trabalhadora no seu antigo modo de produção. O seu limite é o tempo excedente dos trabalhadores. Mas o tempo excedente absoluto que a sociedade ganha não lhe interessa. O desenvolvimento da força produtiva só é importante para ela na medida em que diminui o tempo de trabalho para a produção material em geral: move-se assim na contradição
".

Caso este texto tivesse sido escrito por algum estudioso dos dias de hoje, certamente o consideraríamos um retrato fiel da situação, embora sem maior originalidade. Mas foi escrito há 160 anos. 

Os meus prognósticos, embasados na crítica da economia, somente podem ser considerados sombrios caso continuemos a ignorar o caráter destrutivo (de nós todos) e autodestrutivo (da sua própria forma) da mediação social patrocinada pelo capital, que se tornou anacrônica.

Admitida a hipótese de superação do nosso modo de produção mercantil, descortina-se a possibilidade de uma luminosa forma de produção social que erradique de uma vez por todas a miséria humanada face da terra, e possa aproveitar plenamente nossas conquistas científicas, em contraponto à nossa mesquinha e suicida atual forma social de ser.     

Lamento que este tema não seja aprofundado em nenhum órgão da grande imprensa e mesmo nas academias. Tal alheamento decerto tem tudo a ver com a verdade que o próprio tema encerra, pois ninguém gosta de um espelho revelador da inconsistência e crueldade de seus conceitos e modo social, até porque, pelo contrário, as categorias capitalistas são constantemente positivadas pelos mesmos que teimam em desconhecer as naturezas contraditórias.

Não apenas creio na existência de vida fora do mercado, como estou convicto de que um futuro luminoso para a humanidade só haverá de tornar-se realidade fora do mercado.
(Dalton Rosado) 

3 comentários:

Anônimo disse...

Celso, inusitado, interessante no aspecto,distinto colocado por Dalton. Intrigante sua consumação. Abraços

celsolungaretti disse...

Valeu, companheiro. O Dalton lhe manda um abraço.

Anônimo disse...

...
A riqueza tem três usos possíveis: caridade, desfrute e destruição.

Ao ser utilizada na caridade promove a superpopulação e as nefastas consequências previstas por Malthus e comprovadas por J. B Calhoun.

Utilizada no desfrute esbarra no limite metabólico da fruição e degenera em vícios e perversões. (Os vomitórios romanos gritam silentes o que é isso!)

Usada na destruição cumpre seu verdadeiro papel já que está em consonância com a Lei da Causalidade. Pois de um furto nunca poderia resultar nada de bom.

E neste aspecto da riqueza todos os economistas evitaram tocar, preferindo enaltecer a materialidade da questão o que, bem vistas as coisas, já seria um grande avanço para a humanidade.
Pelo menos, os problemas gerados pela riqueza são mais fáceis de resolver, enquanto que os da pobreza só se resolvem com riqueza.

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