segunda-feira, 16 de outubro de 2017

DALTON ROSADO E SUAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O FILME "O JOVEM KARL MARX"

Os habituados a vê-los assim...
"Já é tempo de os comunistas exporem
abertamente ao mundo inteiro o seu modo
de ver, os seus fins, as suas tendências, e
de contraporem à lenda do espectro do
comunismo um manifesto do próprio
partido" (Karl Marx e Friedrich Engels)

A transição do feudalismo para o capitalismo foi gestada nos últimos cinco séculos que nos precederam, quando as relações pré-capitalistas cederam paulatinamente lugar a relações político-econômicas capitalistas, ocasionando uma substancial substituição das relações de produção eminentemente agrárias pelas de produção industrial urbana, o que implicou profundos conflitos e alterações dos comportamentos sociais. 

A tensão provocada pela transição política de estados escravocratas, monárquico-eclesiásticos, para estados laicos, republicanos, adequados à nova realidade de produção mercantil plena, é o que está na base das convulsões políticas havidas na primeira metade do século 19, nas quais Karl Marx e Friedrich Engels iniciaram as suas intervenções (o capitalismo é o modo político-econômico-social que mais provocou genocídios e guerras na história da humanidade).

O foco da crítica contida em todo o pensamento marxista é o fato de a evolução das relações de produção capitalistas ter entronizado um novo tipo de escravização, mais sutil, porque feita a partir da extração de mais-valia, com o trabalhador se vendo impelido a vender espontaneamente a única mercadoria que possui (ou seja, a sua força de trabalho) por preço vil. 
...ficarão surpresos por o filme mostrá-los assim.

Karl Marx, por sua sólida formação filosófica hegeliana e humanista, tendia a ser um teórico crítico dessas novas relações de produção, enquanto Friedrich Engels, indignado com as degradantes condições de vida dos operários (principalmente dos das empresas do seu pai, que conhecia muito bem), sem prejuízo de seu interesse teórico, era mais propenso às abordagens políticas.  

O filme O jovem Karl Marx (2017, dirigido por Raul Peck), pode ser assistido na tela do seu computador (clicando aqui) ou baixado  (clicando aqui). Reconstitui os cinco primeiros anos da colaboração entre Marx e Engels, desde que se aproximaram em Paris no ano de 1843 até redigirem a quatro mãos (ou a seis, porque Jenny Marx, esposa do primeiro, os ajudava com seus bons palpites) o célebre Manifesto do Partido Comunista.

A parceria entre ambos, que perdurou até a morte de Marx em 1883, representou não só uma contribuição teórica mútua, mas teve um papel marcante no aspecto material: Engels, por ser filho (dissidente) de um grande industrial alemão da indústria têxtil, pôde minimizar as agruras financeiras de Marx e sua família, causadas pelas permanentes perseguições que ele sofria, permitindo-lhe manter o foco na formulação e publicação das teorias que até hoje embasam o pensamento revolucionário. 

A autoria conjunta da obra A Sagrada Família (1845), que inicialmente deveria intitular-se Crítica da crítica-crítica, foi o marco inicial dessa colaboração. 
Início do capitalismo: trabalho infantil nas minas de carvão

Eles questionaram o afastamento dos jovens hegelianos (os irmãos Bauer) das convicções democráticas, pois negavam a importância do papel do proletariado nas mudanças em curso. Aí já se prenunciava o interesse intervencionista na luta de classes que se configurava em Marx e Engels.      

Em toda a Europa surgia um novo quadro societário urbano, prenunciando a primeira revolução industrial. Ao mesmo tempo que provocava uma crescente aglutinação populacional urbana, tal processo acentuava a penúria a que estava submetido o proletariado. A formação de correntes de pensamento anticapitalistas inspirou a organização dos trabalhadores, com a criação de sindicatos e ligas para a defesa dos seus interesses. 

Ainda que focadas na mesma defesa dos interesses dos trabalhadores, ditas correntes de pensamento divergiam na forma de condução da luta e nos objetivos a serem alcançados. 

Os anarquistas, também chamados de socialistas utópicos, direcionavam suas críticas contra a Igreja (que até então dividira o poder político com a nobreza monárquica e a aristocracia rural) e contra o Estado burguês emergente, tendo em Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin e Charles Fourrier os seus mais proeminentes teóricos ativistas; do outro lado, Marx e Engels representavam a linha de pensamento que se convencionou chamar de socialismo (ou comunismo) científico.

Inicialmente eram todos companheiros de luta. Muitos se aglutinavam, em maior ou menor proporção, na Liga dos Justos, que em 1847 passaria a intitular-se Liga dos Comunistas (agora com Marx e Engels). Tal movimento seria o embrião da Primeira Organização Internacional de Trabalhadores.
Proudhon é o que está falando. Marx escuta.

As divergências teóricas e práticas viriam, contudo, a separá-los, provocando disputas muitas vezes agressivas entre pares de uma mesma crítica social. Tais divergências desembocaram num confronto de posições políticas dos anticapitalistas diante da luta de classes.

Com a fundação da Liga dos Comunistas estava dado um passo fundamental para a criação de um Partido Comunista desejado por Marx (menos) e Engels (bem mais).

O MANIFESTO COMUNISTA 
  
O Manifesto do Partido Comunista de 1848 é a tese mais claramente definida de uma concepção de luta política que, ao invés de pugnar pela superação da categoria trabalho como fonte de formação do capital e, consequentemente, do capitalismo, visa adotar o proletariado como sujeito da revolução e o Estado dito proletário como instrumento de consolidação da revolução proletária.

Tal concepção, ainda que vislumbrasse a superação futura do próprio proletariado (tese defendida por Marx), tem componentes discutíveis:
— implica o fortalecimento e unidade do trabalho abstrato e do trabalhador como sujeitos da ditadura do proletariado; 
— implica, por consequência, o fortalecimento do Estado;  
— e implica, como consequência última, a permanência da forma-valor (dinheiro e mercadorias) para sustentar os dois, o que postergaria a emancipação humana para as calendas gregas.  
Ou seja, embora lance as bases do Partido Comunista e exalte o proletariado como coveiro do capitalismo (daí a foice e o martelo como dísticos do trabalho em sua bandeira), o Manifesto, contraditoriamente, não leva às últimas consequências o fato de que os trabalhadores, em conexão indissolúvel com o trabalho e como categorias capitalistas que são, dão vida ao capitalismo. Não há capitalismo sem trabalhador e trabalho abstrato, substâncias da forma-valor que se materializa no dinheiro e na mercadoria, formando o ciclo instrumental da exploração social. 

O ponto central do Manifesto é o encaminhamento para a pretensa ditadura do proletariado pelo Estado proletário, uma ilusão na qual os comunistas do mundo inteiro acreditaram e que deu no que deu. Os Estados ditos proletários terminaram por aderir à economia de mercado internacional e em suprimento da minguante economia de mercado nacional; foi a resultante inevitável de uma lógica social mercantil fechada.            

Outro aspecto importante a ser criticado no Manifesto é que ele refere-se exclusivamente à abolição da propriedade privada, sem alusão à propriedade em si; isto tem a ver com o confronto havido com os socialistas utópicos (como Proudhon), que criticavam a propriedade de uma maneira geral. Os ditos utópicos defendiam o direito de posse do bem a quem dele necessitasse, algo bem diferente do direito de propriedade estatal. 

Em que pese o vigor panfletário do Manifesto e aspectos elogiáveis como a defesa do internacionalismo (que, mais corretamente, deveria chamar-se transnacionalismo) em contraposição ao nacionalismo patriótico xenófobo até hoje cultuado (com mais intensidade agora, aliás, pois a crise do capitalismo provoca um recrudescimento das posturas ditatoriais), ele se constitui numa aporia política, compreensível no momento em que surgiu, mas que contradiz em grande parte aquilo que o Marx da maturidade passaria a defender 11 anos mais tarde, na obra Contribuição para a crítica da economia política

É que o gênio de Marx compreendeu posteriormente (vide seus Grundrisse) que, com o desenvolvimento da maquinaria, o trabalho e o trabalhador se tornariam supérfluos em maior parte; e que isto faria voar pelos ares toda a concepção do sistema produtor de mercadorias baseado no valor, como ora ocorre.
Cadê o operário que estava aqui? A automação comeu.

Daí estarem agora os movimentos operários a mendigarem emprego, ao invés de superá-lo, transformando a força do proletariado num leão sem dentes. 

A mudança de concepção do Marx da maturidade, com relação ao Marx da juventude, se expressa claramente num excerto extraído da dita Contribuição para a crítica da economia política, que vai numa direção bem diferente do enfoque acentuadamente político e vanguardista do Manifesto Comunista. Ali ele critica a natureza do sistema sem querer humanizá-lo, quando diz:
"O dinheiro não é só um objeto da paixão de enriquecer; ele é o próprio objeto. Essencialmente, esta paixão e a auri sacra fames (a maldita sede do ouro). A paixão de enriquecer, ao contrário da paixão pelas coisas naturais particulares ou pelos valores de uso tais como o vestuário, as joias, os rebanhos, etc., só é possível a partir do momento em que a riqueza geral se individualiza numa coisa particular e pode, assim, ser retida sob a forma de uma mercadoria isolada. 
O dinheiro surge, portanto, como sendo o objeto e a fonte da paixão de enriquecer. No fundo, é o valor de troca, o seu crescimento, que se torna um fim em si. A avareza mantém o tesouro prisioneiro, não permitindo ao dinheiro tornar-se meio de circulação, mas a sede do ouro mantém a alma de dinheiro do tesouro, a constante atração que exerce sobre ele a circulação"
O filme tem o mérito de demonstrar o espírito do tempo naqueles meados do século 19, quando se acerbavam os sentimentos de apropriação da riqueza abstrata que provocavam a miséria urbana, em contraponto ao fausto dos capitalistas emergentes, causando a indignação dos que defendem (e têm) o sentimento se justiça. 

Mais que isto, representa, também, uma aceleração de batimentos nos corações dos que ainda conservam a capacidade de indignar-se com essa mesma injustiça social histórica, e que creem na consciência e força aglutinadora do povo no rumo da sua emancipação.

Fica a plena convicção de que, se Karl Marx redigisse nos dias de hoje um Manifesto Comunista, ele diria: 
"Desempregados de todo mundo: uni-vos!"


autor:
Dalton
Rosado.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito libertadores seus comentários, obrigado amigo! Creio que a música "Quero um Blues pra Viver"(de sua autoria, se não me engano), elucida tais apontamentos de maneira simples e objetiva, estou certo?

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