A sociedade burguesa é fundada na dualidade entre vida cotidiana e vida política.
A vida cotidiana é o império da propriedade privada, com os agentes individuais competindo entre si no mercado. É o terreno do egoísmo; nele cada um cuida apenas de si mesmo e de mais ninguém.
Porém, as relações do mundo cotidiano conduzem à necessidade de uma administração transcendente aos agentes individuais, do contrário a sociedade explodiria no caos da guerra de todos contra todos, tornando inviável a própria existência competitiva do mercado. Tal administração é o Estado, locus da vida política.
Existem duas formas principais de Estado: o ditatorial e o democrático. As próprias disputas e divergências no interior da sociedade levam à necessidade do regime democrático, o qual é o momento de resolução de conflitos pela via da barganha e da negociação. A ditadura instala-se quando a dominação de classe não é mais possível por estas duas vias, sendo necessário, portanto, a imposição de consenso pela via da força bruta.
Não há mínima dúvida que a democracia política é preferível ao regime ditatorial. No entanto, tal forma de democracia é parcial, visto que relacionada apenas à administração do mercado. Os limites da democracia política são estabelecidos pela existência da propriedade privada.A propriedade privada é como se fosse uma espécie de ditadura localizada.
Em seu interior, o proprietário governa de modo absoluto.
Em seu interior, o proprietário governa de modo absoluto.
Embora no plano político, empregado e patrão estejam igualados, no interior da propriedade privada há uma clara hierarquia de poder, não tendo o empregado qualquer voz na condução do seu local de trabalho.
No entanto, o local de trabalho é o ambiente da vida cotidiana do empregado. Assim, apesar de viver em uma democracia no mundo político, o empregado vive numa ditadura no plano da vida cotidiana.
Ocorre, deste modo, uma contradição entre a democracia na vida política e a ditadura na vida cotidiana. Tal desnível torna-se um embaraço decisivo no gozo da própria vida política, pois é impossível ao empregado fazer frente ao poder concreto reunido pelo patrão por meio da acumulação capitalista. O assalariado, portanto, entra em igualdade apenas abstrata com seu patrão.
Os regimes ditatoriais devem ser considerados apenas como a generalização da dinâmica autocrática própria aos meios de produção capitalistas.
Como dito, a democracia política é preferível ao regime ditatorial, obviamente. No entanto, não pode ser considerada como sendo o fim ou o valor supremo da humanidade.
Na verdade, a democracia política hoje só existe fundada na ditadura da propriedade privada, devendo, portanto, ser radicalizada por meio da instauração da democracia da vida cotidiana. Tal forma de democracia só pode ser alcançada via controle dos meios de produção pelos próprios trabalhadores, abolindo a propriedade privada e instaurando a propriedade coletiva e social.
Deste modo, a verdadeira democracia é a democracia da vida cotidiana, aquela que se dará pelo fim da ditadura do patronato e a abolição das classes sociais.
(por David Emanuel de Souza Coelho)
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