"Queira ser lembrado como professor no sentido real do termo" |
Ilmo. sr.
Matheus Bornelli de Castro
Diretor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Mato Grosso do Sul
Naviraí/MS
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Prezado senhor,
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vendo-o apresentar a instituição à comunidade num vídeo postado no YouTube, percebi tratar-se de um jovem, com, no máximo, 35 anos de idade. Ou seja, alguém que atingiu a consciência num Brasil já redemocratizado e apenas sabe como foi o pesadelo ditatorial por ouvir falarem ou por leituras.
Então, só posso lamentar que seus atos sejam de tal forma parecidos com o de alguns professores autoritários dos anos de chumbo, como o que me caçou, ao lado de policiais, no pátio do Colégio Estadual MMDC (no bairro paulistano da Mooca), quando os estudantes paramos a escola em protesto contra uma diretora atrabiliária, em junho de 1968.
Todo os alunos do Noturno haviam descido para dialogar com os professores que tinham mente aberta e os líderes naturais dos estudantes, entre os quais eu me incluía. Aí chegaram os agentes da Delegacia de Ordem Política e Social, utilizando uma viatura do Juizado de Menores como camuflagem; mandaram trancar os portões e, juntamente com um mestre alcaguete, saíram em busca de alguém para prender, utilizando uma lanterna, já que o pátio estava às escuras.
O professor David Emanuel: injustiçado. |
Circulávamos entre os colegas, que nos protegiam, então nenhum de nós foi capturado. Aí os policiais desistiram e os portões foram abertos. Truculentos e despreparados, os agentes deram tiros para o ar, provocando o estouro da multidão, cuja maioria era de menores que cursavam o ginásio.
No dia seguinte, os colegas estavam tão amedrontados que não ousavam entrar na escola. Eu e outro líder fomos pedir à diretora garantias de que ninguém seria preso – e acabamos sendo laçados para uma reunião com a Associação de Pais e Mestres, na qual defendemos firmemente o movimento, contra alguns pais e professores exaltados. Depois, a diretora nos comunicou que, se aceitássemos uma transferência compulsória para outro colégio da rede pública, completaríamos o ano letivo normalmente; se fôssemos brigar na Justiça, perderíamos inevitavelmente o ano
No dia seguinte, os colegas estavam tão amedrontados que não ousavam entrar na escola. Eu e outro líder fomos pedir à diretora garantias de que ninguém seria preso – e acabamos sendo laçados para uma reunião com a Associação de Pais e Mestres, na qual defendemos firmemente o movimento, contra alguns pais e professores exaltados. Depois, a diretora nos comunicou que, se aceitássemos uma transferência compulsória para outro colégio da rede pública, completaríamos o ano letivo normalmente; se fôssemos brigar na Justiça, perderíamos inevitavelmente o ano
O colega que estava comigo se chamava Eremias Delizoicov. Hoje é nome de rua e de uma instituição de defesa dos direitos humanos. Foi retalhado por 35 disparos dos assassinos da ditadura, em outubro de 1969, aos 18 anos de idade. O corpo ficou tão irreconhecível que, num primeiro momento, divulgaram à imprensa o nome de outro militante como sendo a vítima.
E eu, ex-preso político com lesão permanente causada por torturas em unidades militares, jornalista por profissão e blogueiro porque é a tribuna livre que resta, continuo aos 66 anos lutando contra o autoritarismo e defendendo os direitos humanos.
Eremias, meu colega, amigo e companheiro |
Fiquei pasmo ao ver que a História praticamente se repete quase meio século depois, com o professor David Emanuel de Souza Coelho [teve seu contrato rescindido de supetão, flagrantemente em função de suas convicções e não do seu desempenho profissional, recebendo firme solidariedade dos alunos], um dos mais brilhantes colaboradores do meu blogue, raro exemplo de jovem cidadão que pensa bem e se comunica bem nos dias de hoje, contribuindo para disseminar a reflexão e o pensamento crítico entre as novas gerações.
Com a minha idade e o meu passado de dedicação aos bons combates, creio ter autoridade moral suficiente para lhe recomendar uma reconsideração de sua postura.
Não repita a intolerância dos anos de chumbo ou o macartismo dos anos 50; a História foi impiedosa com quem percorreu tais caminhos e também o será com os novos autoritários. Queira ser lembrado como professor no sentido real do termo, aquele cuja autoridade provém do saber e da abertura para o diálogo, essencial para se formarem verdadeiros cidadãos.
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Não repita a intolerância dos anos de chumbo ou o macartismo dos anos 50; a História foi impiedosa com quem percorreu tais caminhos e também o será com os novos autoritários. Queira ser lembrado como professor no sentido real do termo, aquele cuja autoridade provém do saber e da abertura para o diálogo, essencial para se formarem verdadeiros cidadãos.
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Atenciosamente,
.CELSO LUNGARETTI
2 comentários:
A questão não é apenas de um único colégio. Não é isolada. É política de Estado velada na Ditadura instalada no Brasil desde 17 de abril do ano passado. Tem apoio articulado no Congresso Nacional ("Escola Sem Partido") e ecoa entre os mais jovens com os vídeos de Jair Bolsonaro e seus seguidores. Tal esquema tão bem articulado requer logística e custa caro. Aí. entra o Instituto Millenium com a organização e o dinheiro do NED via fundações como aquelas custeadas por empresários estadunidenses do "Tea Party". Já havia alertado a você sobre a articulação externa do Golpe no Brasil quando teceu elogios ao "líder" do MBL. Trata-se de "refundar" a mente da sociedade para uma realidade neoliberal, na qual o cidadão titular de Direitos não existe. Apenas existe o "consumidor-empresa", que deve resumir sua vida ao consumir e a vender suas habilidades como "capital humano" no mercado do trabalho precário. Portanto, cartinha para diretor de colégio fascista ou fascistizado pelo medo de perder o emprego na "nova ordem" não adiantará nada. É a luta de morte entre a "era dos Direitos" do pós-guerra e a barbárie neoliberal que tenta ser a sua sucessora no Brasil e no mundo. O que adianta é derrotar o neoliberalismo, que tem Michel Temer como seu fantoche de plantão, e destruir completamente as estruturas golpistas que citei acima, e que pretendem criar raízes na sociedade. Para isto, todos os meios disponíveis devem ser usados. Inclusive, criando consensos entre a esquerda e setores do empresariado e médios que ainda acreditam que um Brasil democrático e justo ainda é possível. Exatamente como tenta aquele grupo liderado pelos catedráticos Belluzo, Singer e Bresser Pereira, e que cuja tentativa você critica.
Marcos, a barbárie neoliberal nada mais é do que o desespero do capitalismo agonizante. Temos é de enterrar o defunto de uma vez por todas, não pretender combater o capitalismo do século 21 com uma volta ao capitalismo de meados do século 20. O relógio da História não anda para trás e o nacional-desenvolvimentismo foi exatamente o que gerou a recessão atual. A Dilma tentou exumá-lo no primeiro mandato e deixou a economia em frangalhos (aí, no segundo mandato, tentando corrigir a lambança, rendeu-se incondicionalmente ao neoliberalismo). De resto, peço encarecidamente que não distorça o que afirmei e está claríssimo no artigo em questão: jamais elogiei líder do MBL nenhum, apenas constatei que as novas lideranças mais promissoras estavam agora despontando no campo inimigo, e isto porque a esquerda não está sabendo mais cultivá-las e abrir espaço para elas. Se o PT não tratasse a pontapés os manifestantes de junho de 2013 e depois o pessoal do #naovaitercopa, inclusive aprovando uma repulsiva lei antiterrorista para ser utilizada contra eles, a História deste país poderia ter sido diferente. Afugentamos os jovens e eles foram para a av. Paulista pedir o impeachment da Dilma. Ao invés de insultá-los, temos é de responsabilizar os tacanhos dirigentes petistas que passaram a adotar o discurso da lei e da ordem, sem a mínima empatia com a insatisfação de quem não desfruta das mordomias dos palácios presidenciais.
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