quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

DÚVIDA HAMLETIANA NO REVEILLON: DEVEMOS ENTRAR EM 2017 COM OTIMISMO OU PESSIMISMO?

"Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre
em nosso espírito sofrer pedras e flechas
com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja,
ou insurgir-nos contra um mar de provocações
e em luta pôr-lhes fim?" (William Shakespeare)

"A ambição universal do homem 
é colher o que não plantou"
(Adam Smith, economista clássico)
Dizem que o otimista é um crente da esperança, e que o pessimista o é da desesperança. Ambos têm visões distorcidas da realidade. Diz-se que, quando veem um copo com água pela metade, os otimistas afirmam estar meio cheio e os pessimistas, meio vazio. As visões de ambos estão parcialmente corretas, e este é o problema: a parcialidade.

Os críticos da vida mercantil no atual estágio de degringola mundial, bem como os defensores da dita cuja, não deveriam fundamentar as suas críticas ou defesas em visões parciais, fruto de suas crenças ou desejos, nem mesmo como ilações dos fatos sociais imediatos (os falsos milagres brasileiros que o digam), mas analisarmos as questões estruturais que estão subjacentes a esses fatos. 

Os músicos do Titanic que continuavam a tocar enquanto o navio afundava, tinham uma visão de estabilidade momentânea, mas numa realidade de tragédia iminente. 

Nestes dias de Natal, nos quais comumente nos reunimos com familiares e amigos, nós costumamos ouvir análises e visões diferenciadas sobre os mesmos fatos sociais, e encontramos sempre os otimistas e pessimistas quanto ao ano de 2017. 

Mas, o que devemos mesmo esperar de 2017, independentemente de sermos otimistas ou pessimistas?

As causas que estão determinando as dificuldades sociais mundo afora, vêm sendo atacadas com medicamentos que se constituem em antitérmicos que podem debelar a febre em alguns organismos, mas não são capazes de anular a infecção. Daí, em termos de perspectivas para 2017, não podermos acreditar que os problemas venham a ser resolvidos, pois inexiste uma perspectiva de extirparem-se as causas determinantes da debacle social mundial. 

Não é uma questão de ser pessimista ou otimista, mas de observarmos que os remédios utilizados estão contaminados pelo vírus causador da infecção. Quer-se utilizar mecanismos para o combate à crise do capitalismo que são imanentes ao próprio capitalismo num estágio de evolução dos modos de produção mercantil que atingiu o seu ponto de saturação. 

Os remédios usados são antitérmicos, e é urgente que pensemos em pró-bióticos da vida (ou antibióticos à exploração) capazes de extirpar a infecção, o que não é feito por inconsciência social dos servidores voluntários do sistema, cujo pensar está aprisionado pela lógica fetichista do sistema produtor de mercadorias.     

Tanto os otimistas como os pessimistas não conseguem raciocinar fora da lógica de mercado e, assim, as suas conclusões estão contaminadas por um erro original essencial, que os levarão a equívocos de avaliação, quaisquer que sejam elas. É que a base da lógica mercantil sobre a qual eles elaboram os seus otimismos ou pessimismos está equivocada.
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AS PREVISÕES (DE ONTEM E HOJE) 
DO PIB BRASILEIRO PARA 2017
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As agências de rating, como Standard Poor’s e outras, não foram capazes de prever o óbvio na crise dos subprime de 2008 nos Estados Unidos (financiamentos com hipotecas de imóveis avaliados fora da realidade dos custos de construção, graças à bolha especulativa do mercado imobiliário/creditício). 

Isto se deveu a dois fatores:

  • a crença ilusória de que o mercado pode crescer indefinidamente numa curva ascendente;
  • o comprometimento com o mercado financeiro no sentido de lhe emprestar credibilidade. 
Então, meses antes do estouro do sistema financeiro, ditas agências passavam batidas pela incapacidade de solvência das hipotecas e falta de liquidez do mercado imobiliário, que somente não levou o sistema financeiro mundial à bancarrota graças ao socorro financeiro estatal com base em moeda sem lastro e títulos da dívida pública, cujos efeitos colaterais ainda estão renitentemente presentes.      

Tudo no sistema financeiro é um cassino no qual os castelos de cartas tendem a desabar a qualquer momento, principalmente agora, quando um dono de cassino se torna presidente da meca do capitalismo. 

As previsões do PIB brasileiro do primeiro momento do governo do presidente Temerário foram igualmente inconsistentes. 

Os bancos e consultorias se apressaram em crer, sem nenhuma base científica, fiando-se no otimismo e na confiança dos seus pares no governo, que o ano de 2017 seria substancialmente diferente de 2016. Até mesmo para 2016 já previam certa recuperação com melhora dos números do PIB brasileiro.

O banco Itaú elevou a perspectiva de crescimento do PIB de 2017 de 0,3% para 1,0%, afirmando que o desencalhe da produção industrial promoveria tal crescimento. O que se viu foi o aumento da contínua queda da produção industrial, que no último trimestre ficou em -0,8%, após sete quedas trimestrais consecutivas.

O BNP, por meio do seu economista chefe Marcelo Carvalho, apostou num crescimento do PIB de 2017 em 2,0%, arguindo que “a combinação de política fiscal e monetária mais saudável pode impulsionar o sentimento do mercado e estimular a confiança local, abrindo caminho para uma recuperação do crescimento”. 

Na consultoria Tendências, Alessandra Ribeiro apostou num crescimento de 2017 de 1,2%; e a MB Associados também embarcou na onda do viés de crescimento. 

Até o FMI fez coro, ainda que menos otimista: sua presidente Christine Lagarde afirmou que há uma previsão de crescimento de 0,5% do PIB brasileiro para 2017. 

Entretanto, a realidade, que não costuma conviver com palpites otimistas de quem aposta na perenidade do capitalismo, contraria as estatísticas dos organismos financeiros e institucionais. O pior é que a realidade impõe o desespero àqueles que estão na base da pirâmide social como resultado da inconsistência de um sistema que atingiu o seu limite interno de expansão.

Não sou otimista, nem tampouco pessimista, pois prefiro fincar os meus pés e pensamentos na simplicidade do raciocínio de que podemos construir um mundo melhor, tanto do ponto de vista do suprimento das necessidades materiais, como dos valores verdadeiramente humanos.

Tais sentimentos e construções não podem advir de um modo concorrencial de vida, no qual todos sejam adversários de todos, mas sim de um agir e pensar solidário, no qual o meu semelhante seja fonte de nossas mútuas redenções. (por Dalton Rosado)

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