sábado, 18 de junho de 2016

OS PODRES PODERES E AS TREVAS DO CAPITALISMO

(O CARÁTER MERCANTIL-FINANCEIRO 
AUXILIAR DO ESTADO E DA POLÍTICA)

Por Dalton Rosado
"O Estado é uma máquina do dinheiro, na
medida em que garante o contexto exterior
da valorização. Justamente por isso ele não
tem qualquer comando sobre o dinheiro. Ele
só pode obter regularmente seu próprio
dinheiro dos impostos sobre produção 
de mais-valia real (lucros e salários)."
(Robert Kurz,  O Estado do dinheiro e o dinheiro do Estado)
Há um liame indissociável entre a instituição Estado como hoje a conhecemos (cuja molduragem foi iniciada por volta do século XV) e a mercantilização social one world ora existente. Mas o que lhe deu vida, as relações mercantis em desenvolvimento desde aquela época, agora sucumbem, fazendo também sucumbir o próprio Estado, numa relação simbiótica de causa e efeito. 

A descoberta das armas de fogo potencializou a capacidade de imposição do poderio escravista dos dominantes sobre os dominados. Mas, a crescente modernização das máquinas de guerra (exércitos regulares e equipamentos cada vez mais caros e sofisticados) exigia custos financeiros com os quais os reinos monárquicos pré-capitalistas, predominantemente agrários, não estavam em condições de arcar. 

Assim, para financiar a máquina de guerra cada vez mais mortífera, fazia-se necessária a intensificação da obtenção de dinheiro, somente possível com a arrecadação de impostos e endividamento com os incipientes banqueiros da época; criou-se, então, o Estado nacional. 

A antiga escravização direta, sem remuneração em dinheiro, cedeu lugar à escravização indireta da mais-valia do trabalho abstrato. Esta é a verdadeira razão da transição do regime feudal para as trevas do estatismo pseudo-libertário do iluminismo capitalista. 

Crítico radical do capitalismo, Robert Kurz morreu em 2012.
A conclusão lógico-histórica é de que o Estado moderno é filho direto da guerra de domínio pelas armas de fogo, numa relação de causa-e-efeito e de mão dupla com a mercantilização social. Só que a criatura (a sociedade mercantil) ficou maior do que o seu criador (o Estado) e submeteu este último aos seus cânones ditatoriais. 

O Estado absolutista monárquico feudal, senhor da vontade soberana, cedeu lugar ao Estado nacional mercantil, que passou a ser mero serviçal da lógica fetichista do sistema produtor de mercadorias que o submete. Assim, a falência da sociedade mercantil, cada vez mais evidente, é a falência do Estado e de seu canal de acesso e legitimação: a política, que não pode agir senão dentro dos cânones da inviável lógica mercantil atual. 

Resumo da ópera: todos os construtos institucionais e categorias capitalistas jungidas pela lógica mercantil definham juntamente com esta última, estando prestes a voar pelos ares.       

O verdadeiro poder nas sociedades mercantis é o econômico. O fato de o Estado emitir a moeda, como executor da política monetária ditada pela lógica econômico-mercantil, não significa que ele é um poder capaz de resolver os impasses causados pelas contradições dessa mesma lógica. 

Com a falência da sociedade mercantil e a insistência na permanência do Estado, sem o superarmos, corremos o risco de voltarmos a ter o que tivemos na antiguidade, e de modo piorado, ou seja, uma instituição estatal absolutista emissora de moeda sem lastro e mantida coercitivamente pela força militar tecnológica. Seria o mais déspota de todos os modelos de Estados já existentes, num retrocesso civilizatório capaz de estarrecer os carrascos nazistas mais insensíveis. 

Os estados não têm como se manter via valor válido, extraído dos impostos, e o exemplo disto é o Estado brasileiro, cada vez mais endividado e se vendo obrigado a manobras fiscais e à emissão de títulos insolváveis da dívida pública.

Os juros da dívida pública brasileira consumiram R$ 367 bilhões em 2015, ou seja, é como se cada menino da favela mais humilde pagasse juros anuais de R$ 1.835 (os quais, somados aos dos pais, irmãos, avós, etc., seriam maiores do que muitas rendas familiares) e ainda por cima fosse obrigado a um ajuste fiscal sob a pena de cometimento de crime de responsabilidade (compatibilidade da receita com as despesas), que penaliza o indivíduo social já exaurido pela alta carga tributária. 

A falência do Estado e da política se deve à falência da própria ordem econômica graças às suas contradições internas que agora afloram de maneira surpreendente para os seus desavisados executores. Eles não compreendem o que está ocorrendo e, intencionalmente ou por ignorância, não captam a sua natureza destrutiva e autodestrutiva. A permanência do Estado somente poderá ocorrer de modo ditatorial e pela imposição das armas.  

Opera-se uma relação negativa (e incompreendida) entre o indivíduo social, o Estado e a vida mercantil. O indivíduo social é oprimido tanto pela extração de mais-valia que proporciona a acumulação capitalista autotélica como pela cobrança de impostos embutidos nas mercadorias que é obrigado a comprar para satisfazer as suas necessidades de consumo. 

Os impostos cada vez mais escorchantes, e que supostamente servem para a manutenção cada vez mais precária de serviços públicos prestados aos indivíduos sociais transformados em cidadãos, financiam, na sua maior parte, a cara superestrutura de poder que mantém a ordem mercantil. 

Na verdade, o indivíduo social financia a sua própria opressão, na medida em que é ele que mantém o estado mercantil, seja como trabalhador/produtor de toda a massa de valor produzida, seja como cidadão pagador de impostos. 

E esse mesmo cidadão, preso na camisa-de-força mercantil, ainda clama pela maior presença do Estado na prestação de serviços públicos como segurança, saúde e educação, que nunca vêm, num processo que se assemelha à síndrome de Estocolmo, na qual o sequestrado desenvolve empatia com o sequestrador. 

Entretanto, com o aprofundamento da crise do sistema produtor de mercadorias todo o edifício da opressora vida mercantil vem abaixo como um imenso castelo de cartas, anunciando a possibilidade de ocorrência de duas hipóteses no futuro: 
  1. o recrudescimento da opressão estatal contra a barbárie daí resultante via imposição de um estado despótico coletor de riqueza material como nunca antes se viu (sem se afastar a possibilidade de uma hecatombe nuclear), ou 
  2. a oportunidade de um luminoso dia de emancipação humana, no sentido de uma nova organização social horizontalizada e da formação de um pessoas capazes de prover a prosperidade coletiva de modo ecologicamente sustentável, além de sensíveis e solidárias. 
A opção correta depende exclusivamente da práxis, fundada na consciência coletiva que devemos ter daquilo que está subjacente à miséria social atual.
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Um comentário:

GAZETA DO SANTA CÂNDIDA disse...

EIS AI A REALIDADE,BASTA QUERER ENCHERGAR

Na verdade, o indivíduo social financia a sua própria opressão, na medida em que é ele que mantém o estado mercantil, seja como trabalhador/produtor de toda a massa de valor produzida, seja como cidadão pagador de impostos.

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