sexta-feira, 6 de abril de 2012

A BEM-AVENTURANÇA É SUBVERSIVA

Quando eu era criança, cinemas de bairro, na 6ª Feira Santa, só passavam filmes religiosos. Horríveis, malfeitos, de um primarismo atroz.

Um se chamava
O Mártir do Calvário. Outro, Vida, Paixão e Morte do Nosso Senhor Jesus Cristo. Talvez houvesse mais, que eu não esteja recordando.

As cópias eram sempre as mesmas, já que não compensava fazer novas para aproveitá-las só uma vez por ano. Estavam em petição de miséria, tremidas, puladas, chuviscadas e embaçadas.

Os  pulgueiros  não queriam pagar mais caro por uma superprodução como Os Dez Mandamentos. Mesmo porque, com seus 220 minutos, ficaria restrita a duas sessões. Mau negócio.

O certo é que, na minha infância, eu me tornei avesso a filmes bíblicos. Além de não me interessarem, impediam que eu aproveitasse a folga escolar como gostava, vendo bangue-bangues, comédias, ficção-científica, capa-e-espada, etc. De que valia um feriado sem matinê?

Lá pelos 17 anos, no começo do meu engajamento político, assisti com algum interesse à visão marxista da trajetória de Cristo: O Evangelho Segundo São Mateus (1964, d. Pier Paolo Pasolini). Mas, não me deslumbrei. Muito seco, parecendo mais teatro do que cinema.

Em 1973, entretanto, Jesus Christ Superstar me atingiu como um raio.

Transposição para o cinema da opera-rock de Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, era, em primeiro lugar, belíssimo, com ótimas coreografias, músicas marcantes e o verdadeiro achado de filmá-lo em ruínas e desertos de Israel.

Norman Jewison, o diretor, tem grandes filmes no seu currículo, como A Mesa do Diabo (1965), No Calor da Noite (1967), Rollerball - Os Gladiadores do Futuro (1975), A História de um Soldado (1984) e Hurricane (1999). Faz mais o gênero artesão, porém com muito bom gosto e sensibilidade.

O que mais me fez a cabeça foram as letras pra lá de inteligentes de Tim Rice, apropriadíssimas para cada situação enfocada (o filme mostra os últimos sete dias de Cristo), além de proporem um enfoque absolutamente novo e fascinante: os personagens principais do drama bíblico são mostrados como prisioneiros da História, forçados a agir contra suas predileções e sua personalidade.

Cristo segue as ordens de Deus, mas gostaria mesmo é de continuar vivo. Sua relutância e temor do sacrifício se ressalta, principalmente, na sequência da primorosa música "Gethsemane", quando ele pergunta ao Criador por que, afinal, deve morrer. No final, pede que, se essa é a vontade de Deus, então que o mate e o pregue na cruz... mas, que o faça depressa, antes que ele mude de idéia.

Pilatos não vê crime em Cristo e tenta salvá-lo de todas as maneiras, só cedendo diante da fúria da multidão, que ameaça denunciá-lo a César.

Judas não quer ser delator, mas teme uma retaliação terrível de Roma sobre seu povo, caso a pregação de Cristo prossiga. O episódio da expulsão dos vendilhões do templo o leva a crer que a situação foge ao controle e terminará num banho de sangue. É quando decide entregar Cristo aos inimigos.

Caifás quer preservar a autoridade dos sacerdotes, igualmente temendo que Roma intervenha caso eles já não consigam mais manter dócil o povo.

Enfim, nunca me agradou a visão de que o drama já fora determinado inteirinho nas alturas e era representado mecanicamente pelos homens, obedecendo à vontade de Deus. Tornavam-se todos títeres, incapazes de provocar empatia.

Ao humanizar esses personagens, destacando o sofrimento que lhes causava o papel para o qual estavam sendo empurrados, a ópera-rock e o filme apresentaram o drama bíblico como uma tragédia nos moldes gregos, em que homens imbuídos até de boas intenções acabam presos numa armadilha do destino, sem escapatória.

Esse evangelho da era hippie continua sendo o melhor de todos; um clássico. 

Até porque os apóstolos e os hippies tinham mesmo muito em comum, com sua mensagem de paz e amor contrariando os desígnios dos poderosos e sendo por eles duramente combatida -- já que, para os senhores do mundo, a bem-aventurança é sempre subversiva.

Para download do filme, clique aqui

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