terça-feira, 24 de janeiro de 2012

UMA ÚLTIMA PALAVRA SOBRE A MORTE DE WILMAN VILLAR

O valoroso companheiro Carlos Lungarzo, que há mais de três décadas milita na Anistia Internacional (seções argentina, brasileira, estadunidense e mexicana), pôs-se a investigar seriamente o episódio do novo preso de consciência que morreu ao fazer greve de fome em Cuba. Eis os trechos principais de seu artigo Wilman Villar: dissidente ou quê? (integra aqui) :
"'Desacato' [acusação a Villar] é uma figura criminal que existe no Brasil e outros países com tradição autoritária, mas é ignorada em países realmente democráticos.

Em Cuba, como no Brasil, a noção de  desacato  é um resíduo da mentalidade escravocrata, combinada, no caso de Cuba, com a tradição stalinista, e no Brasil, com a do Estado Novo.

Saber se Villar bateu na esposa é bem difícil. Raramente podemos conferir se um crime cometido em nosso bairro foi real ou foi 'plantado' pela polícia. Aliás, os argumentos cubanos são sempre similares. Todos os que têm alguma discordância com o sistema são agentes imperialistas, ou criminosos comuns, bandidos, mercenários, estupradores, etc.

Quem é Villar?

Os dados sobre Wilman Villar Mendoza têm especialmente três fontes: o próprio governo cubano, sua esposa, Maritza Pelegrino Cabrales, e o professor Elizardo Sánchez, fundador e presidente da CCDHRN [Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional].

Segundo relatos da esposa, no dia 2 de novembro de 2011, Willman participou na cidade de Contramaestre (na província de Santiago, no extremo oriente da Ilha) de um ato de protesto pacífico exigindo liberdades e direitos humanos. Ele era membro da Unión Patriótica de Cuba, um grupo de oposição moderada, vinculado com a ONG das Damas de Blanco, irmãs, viúvas e mães de vítimas da repressão. Maritza afirma que ele foi detido nesse mesmo dia. Outros artigos que não especificam sua fonte registram como data de captura o dia 14 de novembro.
Segundo a esposa, Wilman foi submetido a um julgamento que durou menos de uma hora, durante o qual nenhuma pessoa foi autorizada a entrar, incluída ela, e no qual não houve advogado. O réu foi proibido, segundo isto, de apresentar qualquer alegação em sua defesa.

Ele foi condenado a quatro anos de prisão sob a acusação de 'desacato', e logo no dia 25 de novembro começou uma greve de fome, enquanto permanecia em regime isolado. Maritza conseguiu vê-lo pela última vez em 29 de dezembro. Algumas agências indicam a duração da greve em 50 dias, mas o começo em 25 de novembro é mencionado por quase todas as fontes, o que significa 56 dias.
Desde a captura de Wilman até sua morte em 19 de janeiro de 2012, a esposa, que continuava militando com as Damas de Blanco, foi ameaçada várias vezes pela polícia, que lhe advertiu que suas filhas de 5 e 7 anos poderiam ser colocadas sob a tutela do Estado. Sabe-se que alguns contatos fora de Cuba informaram a Maritza que Wilman tinha morrido em 19 de janeiro. Ele foi enterrado num pequeno cemitério de Contramestre, mas a assistência de amigos ou simpatizantes foi proibida.
O governo cubano divulgou uma nota (...) onde se relata a captura, processo e condenação de Villar numa forma totalmente diferente:
O documento oficial diz que Villar tinha sido detido por pedido de sua sogra (cujo nome não menciona) por ter agredido a sua esposa em público. Essa agressão teria ocorrido em 7 de julho de 2011, ou seja, cinco meses antes de sua detenção.

O texto oficial afirma que, apesar de ter agredido a sua esposa, a justiça cubana permitiu a Villar responder o processo em liberdade, mas, logo em seguida, este se teria vinculado a grupos conspiradores contra o governo. Um detalhe interessante é que o comunicado acusa Villar de ter atacado os policiais que acudiram em defesa de sua esposa no dia do conflito conjugal. Mas, por outro lado, o julgamento do réu foi em novembro, e aparentemente pelo mesmo delito (desacato).

Seria um exercício de maniqueísmo tentar distribuir culpas e identificar bandidos e mocinhos. Cuba foi alvo de enorme quantidade de atos terroristas da direita, de bloqueio e de diversos tipos de conspiração internacional. Não sabemos se teria sido fácil estabelecer um regime democrático e humano, compatível com o modelo de sociedade imaginado pelo marxismo.

Mas, o que é claro é que nunca o governo cubano, nem mesmo nos primeiros momentos da Revolução, admitiu qualquer forma de dissidência.

Portanto, é uma ingenuidade surpreender-se de que o governo cubano não considere Villar um dissidente. Para o governo da Ilha, dissidentes são sempre inimigos, de diferente grau e sujeitos a diferentes punições".
Democraticamente, Lungarzo escreveu um segundo artigo, contemplando o contraditório: Caso Wilman: a voz de Cuba (íntegra aqui ).

Ele e eu continuamos acreditando na possibilidade --e necessidade!!!--- de regimes que não sejam nem capitalistas, nem autoritários. São os únicos que podem vingar em escala internacional no século 21, era da internet e do repúdio cada vez mais generalizado a tudo que tolha a liberdade pessoal dos cidadãos.

Enquanto a imagem do socialismo continuar associada ao esmagamento do indivíduo, o capitalismo terá imensamente facilitada a faina para perpetuar-se quando sua função histórica já está esgotada. Vai se manter senhor do mundo e nós permaneceremos restritos a países isolados e periféricos --cujos sabotados e embargados regimes, por impossibilidade material de oferecerem aos governados tudo que Marx prometeu, acabam recorrendo ao autoritarismo contra os insatisfeitos. É um círculo vicioso que precisamos desesperadamente romper, para podermos almejar de novo a revolução internacional.

Ou seja, os maiores beneficiários de episódios como o de Villar são nossos inimigos. E não adianta taparmos o sol com a peneira. Ninguém que tenha um mínimo de espírito crítico acredita em versões oficiais maquiladas; só fanáticos as engolem.

O que temos é de impedir que tais episódios aconteçam. Então, a verdadeira contribuição que devemos dar à gloriosa revolução de Che e Fidel é fazer chegar às autoridades cubanas nosso inconformismo com mortes inúteis e desastrosas como a de Zapata e de Villar. Distorcê-las e acumpliciarmo-nos a elas só faz aumentar o desgaste da nossa imagem, dificultando o ascenso revolucionário neste momento que nos é tão propício.

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails