A presidente Dilma Rousseff chorou ao lembrar Vladimir Herzog, durante a cerimônia de entrega de um prêmio de direitos humanos ao instituto que leva o nome do jornalista assassinado pela ditadura militar. Disse:
"Aqueles que sabem que em algum momento do nosso país fazer greve era questão de polícia, divergir era questão de cadeia e opinar e lutar contra podia levar ao cárcere e até a morte, sabem que percorremos um caminho. O Brasil devorou e digeriu todos esses artifícios autoritários e conseguiu construir uma democracia".
Os que não viveram esse período ou por ele passaram sem saberem o que realmente ocorria, não têm idéia de como, com todas as suas injustiças e imperfeições, a atual democracia é melhor.
Há cínicos que reconhecem a existência de torturas, mortes, estupros, ocultação de cadáveres e todos os horrores do período, mas os relevam como parte do enfrentamento entre duas forças políticas, alegando que nós, os resistentes, pagávamos o preço de nossa ousadia. Quem aceitava permanecer quietinho debaixo das botas não sofria --é o que se depreende de sua racionália infame.
No entanto, havia também vítimas ocasionais como o motorista de outro Estado que chegou na capital paulista de madrugada e, desconhecendo a cidade, passou em alta velocidade por um quartel. O sentinela o abateu com uma rajada e o comandante fez constar um elogio na ordem do dia, na linha de que "ordens são mesmo para serem cumpridas".
Ou o coitado que trafegava por ali e pegou uma sobra dos disparos contra Carlos Marighella. Tanto medo do grande revolucionário tinham o delegado Sérgio Fleury e seus esbirros que desandaram a atirar a esmo: não só fulminaram quem passava inocentemente pelo local como atingiram um dos seus (uma agente).
Marighella nem sequer teve tempo para reagir, o que não impediu os covardes tocaieiros de meterem os pés pelas mãos.
E o que dizer de tantos cidadãos que passaram por maus bocados tão somente porque um vizinho ou conhecido, como vingança por qualquer rusga, os acusou de subversivos? Cheguei a encontrar exemplares dessa fauna nas prisões pelas quais passei, estupefatos e apavorados.
E o que dizer do próprio Herzog, morto quando a ordem não era mais matar, vítima de uma provocação que passou da conta?
Como o ditador Geisel decidira desativar a máquina assassina do DOI-Codi por haver-se tornado desnecessária e dar péssima imagem ao regime no Brasil e no exterior, seus integrantes tentavam evitar a todo custo que a medida fosse efetivada.
Muita grana irregular e muita promoção imerecida lhes advinham de sua participação nessas unidades repressivas com licença para matar. Então, lutaram com todas as forças para preservá-las:
- incendiaram bancas de jornais que vendiam publicações alternativas,
- desfecharam atentados contra instituições como a a ABI e a OAB;
- quase provocaram pânico explodindo uma bomba num espetáculo musical (se não houvessem falhado no Riocentro, quantos inocentes teriam morrido!).
O inofensivo jornalista da TV Cultura lhes pareceu um alvo ideal: prendendo-o, fariam muita espuma sobre uma suposta infiltração comunista na própria televisão estatal; alfinetariam o governador Paulo Egydio, que gostava de Herzog e era por eles considerado um inimigo; e, talvez, isto causasse reação dos estudantes (pois se tratava de um professor de jornalismo muito querido) e manifestações de protesto era tudo de que precisavam para poderem alegar que sua atividade imunda ainda era necessária.
Mas, excederam-se nas torturas e o coração de Herzog não aguentou. O acidente de trabalho, ao invés de retardar o desmantelamento do aparato de terrrorismo de estado, acabou acelerando-o; foi o chamado tiro no próprio pé..
Quão pouco valia a vida de um homem naqueles tempos nefandos!
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