quinta-feira, 6 de outubro de 2011

MORTOS SEM SEPULTURA

O bravo guerreiro Aluízio Palmar, que militou no PCB, organizou o MR-8 e foi um dos presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, dá longo depoimento à companheira Ana Helena Tavares, que vale a pena todos conhecerem na íntegra.

Reproduzo aqui o trecho no qual ele relata como desvendou, na década passada, o desaparecimento de seis militantes da Vanguarda Popular Revolucionária, estabelecendo que haviam caído numa cilada e sido executados pela repressão; e como esta investigação o animou a escrever Onde foi que vocês enterraram os nossos mortos?, leitura obrigatória para quem quer saber toda a verdade sobre os  anos de chumbo  no Brasil.

Dos chacinados, é provável que eu tenha conhecido apenas o ex-sapateiro Lavechia, participante comigo da equipe precursora para a instalação de uma escola de guerrilha na região de Registro. 

Tinha 50 anos e aparentava 60. Fingia ser o caseiro do pequeno sítio, ajudando a tornar mais verossímil nossa  fachada

Era um homem afável, que falava pouco mas sabia muito... da arte de viver e do sonho com um Brasil melhor, ao qual dedicou seus melhores esforços, até o amargo fim.

Eis a narrativa de Palmar:
"Em 2005, o Ministério da Justiça fez um acordo com o departamento da Polícia Federal e eu fui credenciado a ter acesso aos arquivos da PF. Para descobrir rastros, pistas dos desaparecidos políticos da Estrada do Colono. O grupo da extinta VPR.
Eu já vinha há tempos, desde quando eu emergi da clandestinidade, para ser mais preciso, procurando por: Onofre Pinto, Joel José de Carvalho, Daniel de Carvalho, José Lavéchia, Vítor Ramos e Ernesto Ruggia. Não sabia onde eles estavam. Uma coisa era certa: não estavam no exílio mais. Não estavam no exterior nem no interior, então haviam desaparecido.

E, neste processo de busca, aconteceu o meu acesso a alguns arquivos. Estamos falando de papéis, informes… Quando comecei a analisá-los, na metade da pesquisa, mexendo daqui e dali, encontrei um nome, que é citado várias vezes em casos semelhantes. Mais tarde, numa pesquisa que eu fiz num cartório de uma cidade próxima daqui (Foz do Iguaçu), descobri o mesmo nome.

Aí eu resolvi me acampar em meio à região sudeste do Paraná. Levei fogaréu, aluguei um quarto, e fiquei por lá morando, de carro próprio. Para, ao sair dali, comunicar por onde essas pessoas passaram e ficaram, e quem era essa pessoa que apareceu o nome no arquivo.

Então, eu fui até Três Passos e lá no quartel da Brigada Gaúcha, revirando uns documentos, eu descobri a mesma pessoa, porque ela cometeu um crime naquela região. O Comandante da Brigada recebeu um telefonema do Coronel de fronteiras pedindo que ele fosse libertado, porque era gente deles. E ele foi libertado.

Eureca! Era o cara… Ligado às forças armadas…
Daí, comecei a procurar essa pessoa. Procurando, aqui por Foz do Iguaçu, até que eu descobri, graças ao Google, por causa de uma multa de trânsito. Depois, essa pessoa não quis falar comigo, mas falou com outros amigos – um empresário e um agente da Polícia Federal – e contou como aconteceu a chacina da Estrada do Colono. 
Contou que esses companheiros foram atraídos, no final de 74, quando o aparelho repressivo estava sendo desmontado. Foram atraídos pelos Coronéis Paulo Malhães e Teixeira Brandt. Foram atraídos para uma cilada. Entraram desarmados no Brasil, era fronteira seca, foram conduzidos para um sítio, daqueles no meio da floresta, no Parque Nacional do Iguaçu. E ali eles foram executados a sangue frio.
Descoberto isso, que essa pessoa nos contou e para pessoas responsáveis em criminalidade, eu decidi fazer um informe, um relatório para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Mais precisamente, para a Comissão dos Mortos e Desaparecidos, que era a Comissão 9140 do Ministério da Justiça. Daí eu reparei que o meu relatório tava muito burocrático e dei um tempero jornalístico.

E, de repente, fui entrando numa espécie de catarse, me soltando e me livrando de uma série fantasmas que eu tinha dentro de mim, que estavam entalados. Comecei a falar coisas que, durante anos, não comentei com ninguém, muitas nem eu me lembrava e começaram a vir à tona. Foi aí que comecei a escrever o livro Onde foi que vocês enterraram os nossos mortos?, contextualizando as lutas políticas e sociais contra a ditadura".

2 comentários:

Anônimo disse...

Tá faltando fazer "funa" aqui no Brasil também...

Haroldo Mourão disse...

Ciudad Sin Sueño
Federico Garcia Lorca

(Nocturno de Brooklyn Bridge)

No duerme nadie por el cielo.
Nadie, nadie.
No duerme nadie.
Las criaturas de la luna huelen y rondan sus cabañas.
Vendrán las iguanas vivas a morder a los hombres que no sueñan
y el que huye con el corazón roto encontrará por las esquinas
al increíble cocodrilo quieto bajo la tierna protesta de los astros.

No duerme nadie por el mundo.
Nadie, nadie.
No duerme nadie.
Hay un muerto en el cementerio más lejano
que se queja tres años
porque tiene un paisaje seco en la rodilla;
y el niño que enterraron esta mañana lloraba tanto
que hubo necesidad de llamar a los perros para que callase.
No es sueño la vida.
¡Alerta! ¡Alerta! ¡Alerta!
Nos caemos por las escaleras para comer la tierra húmeda
o subimos al filo de la nieve con el coro de las dalias muertas.
Pero no hay olvido, ni sueño:
carne viva. Los besos atan las bocas
en una maraña de venas recientes
y al que le duele su dolor le dolerá sin descanso
y al que teme la muerte la llevará sobre sus hombros.
Un día
los caballos vivirán en las tabernas
y las hormigas furiosas
atacarán los cielos amarillos que se refugian en los ojos de las vacas.

Otro día
veremos la resurrección de las mariposas disecadas
y aún andando por un paisaje de esponjas grises y barcos mudos
veremos brillar nuestro anillo y manar rosas de nuestra lengua.
¡Alerta! ¡Alerta! ¡Alerta!
A los que guardan todavía huellas de zarpa y aguacero,
a aquel muchacho que llora porque no sabe la invención del puente
o a aquel muerto que ya no tiene más que la cabeza y un zapato,
hay que llevarlos al muro donde iguanas y sierpes esperan,
donde espera la dentadura del oso,
donde espera la mano momificada del niño
y la piel del camello se eriza con un violento escalofrío azul.
No duerme nadie por el cielo.
Nadie, nadie.
No duerme nadie.
Pero si alguien cierra los ojos,
¡azotadlo, hijos míos, azotadlo!
Haya un panorama de ojos abiertos
y amargas llagas encendidas.
No duerme nadie por el mundo. Nadie, nadie.
Ya lo he dicho.
No duerme nadie.
Pero si alguien tiene por la noche exceso de musgo en las sienes,
abrid los escotillones para que vea bajo la luna

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