segunda-feira, 13 de junho de 2011

TRIBUTO AO SEMPRÚN QUE UM DIA FOI GRANDE

Paulo Francis, Mario Vargas Llosa e Jorge Semprún. Três brilhantes homens de esquerda que foram longe demais na rejeição ao stalinismo, acabando por se desnortearem: perderam a esperança num mundo melhor do que o inferno capitalista.

O terceiro morreu na semana passada, aos 87 anos.

Suponho que seja mais fácil, morando no 1º mundo, alhear-se da terrível miséria a que o capitalismo continua condenando parcelas significativas da humanidade.

Mas, como alguém com tamanha capacidade intelectual consegue  não perceber  a manipulação totalitária das consciências que grassa nos países centrais, tangendo-os para o reacionarismo, o racismo e até para a rediviva fascista (como ocorre na Itália de Berlusconi)?!

A liberdade é mesmo um valor supremo para qualquer ser humano digno deste nome -- E, MAIS AINDA PARA OS VERDADEIROS REVOLUCIONÁRIOS!

No entanto, uma forma de organização da sociedade que não só desperdiça o enorme potencial hoje existente para se proporcionar uma existência digna a todos os habitantes do planeta, como ameaça extinguir a própria espécie humana ao submetê-la ao primado predatório do lucro, não é, nem de longe, a consumação da liberdade e um ponto de chegada para os melhores seres humanos.

Gostaria de lembrar com mais carinho de Semprún, mas nunca conseguirei esquecer que um dia ele disse uma frase tão infeliz como a de que "não há sociedades livres que não sejam fundadas numa economia de mercado". Confundiu os grilhões dourados lá da Europa com liberdade.

Enfim, presto tributo ao jovem espanhol que, morando com a família na França, não hesitou em ingressar na Resistência contra o nazismo, foi preso e sobreviveu ao campo de concentração de Buchenwald.

Ao idealista que em 1942, no exílio, ingressou no Partido Comunista Espanhol para mudar seu país e o mundo.

Ao valente que, finda a Guerra mundial, atuou como pombo-correio entre  a direção do partido refugiada na França e os comunistas espanhóis, correndo riscos imensos toda vez que transpunha a fronteira e em cada minuto que passava no país subjugado ao franquismo.

Ao militante que estava certo ao contestar a direção fossilizada do PCE, acabando por ser expulso do partido depois de uma pantomima stalinista.

Suas vivências renderam quatro excelentes livros, que recomendo sem restrições:
  • A longa viagem (1963), baseado na fase em que foi prisioneiro dos nazistas;
  • A segunda morte de Ramón Mercader (1969), a obra-prima de Semprún, sobre a permanência do trauma do assassinato de Leon Trotsky nas décadas seguintes, a ponto de um homônimo do carrasco do grande revolucionário acabar sendo tangido para o mesmo destino do malsinado predecessor;
  • Autobiografia de Federico Sanchez (1977), sobre seu julgamento por parte do PCE de Santiago Carrillo, entremeado por memórias da militância; e
  • A vida continua (1983), biografia luminosa do grande ator e do grande ser humano que foi Yves Montand.
E, como roteirista, tem seu nome associado a filmes inesquecíveis, fundamentais, seja formatando suas próprias obras para as telas, seja adaptando textos alheios:  A guerra acabou (1966), de Alain Resnais; Z (1969), de Costa Gravas; A confissão (1970), de Costa Gravas; O atentado (1972), de Yves Boisset; Seção especial de justiça (1975), de Costa Gravas; e Uma mulher na janela (1976), de Pierre Granier-Deferre, dentre outros.

Com o fim do franquismo e a redemocratização da Espanha na segunda metade da década de 1970, Semprún despediu-se de vez da vida atribulada: passou a ser um intelectual mundialmente prestigiado e efusivamente reconhecido no seu país. Foi ministro da Cultura entre 1988 e 1991, no governo do socialista  light  Felipe González.

À medida em que desistia de mudar o mundo e era, isto sim, mudado pelo mundo, sua própria escrita definhou: a falta de assunto o levou a revirar exaustivamente o baú das lembranças de Buchenwald, buscando, em reminiscências menores, motivos para novos livros, embora o realmente importante ele já tivesse utilizado (e esgotado) em A longa viagem.

Foi grande. Ao morrer, contudo, já não o era.

Um comentário:

José Antero Silvério disse...

Parece até que nós estávamos sintonizados. Provavelmente, enquanto você escrevia este artigo,eu estava lendo sobre a vitória apertada de Ollanta no Peru. Fiquei emocionado quando li sobre o resultado e ao mesmo tempo fiquei sabendo que Vargas
Lhosa se desprendia daquela direita que usou todos os truques baixos contra ele, Ollanta, em prol da filha do crápula presidiário. Eu me perguntava por que um homem tão culto e inteligente, conhecedor dos problemas da classe baixa,indígena, levou tanto tempo para perceber que estava num caminho contrário a sua índole.
Seprún, depois de seu sucesso e já idoso, deveria ter viajado pelos países do chamado Terceiro Mundo, para repor as baterias de suas ideias, mas pelo que você disse deve ter-lhe faltado coragem.

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