quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

A JUSTIÇA SUÍÇA DÁ UMA LIÇÃO AOS LACRADORES QUE DESEMPREGARAM CUCA

A sanha punitivista com a qual alguns comentaristas esportivos conseguiram, mediante uma campanha na imprensa e nas redes sociais que lembrou os tempos hediondos do macartismo estadunidense e da ditadura militar brasileira, privar um senhor prestes a completar 60 anos do exercício do seu ofício, foi exemplarmente impugnada pelo destino. Bem feito!

Alegavam que, aos 24 anos de idade, o então jogador Cuca haveria estuprado uma menor na Suíça, juntamente com outros atletas da equipe gaúcha do Grêmio. Mas, embora o tivessem à mão, as autoridades helvéticas permitiram seu retorno ao Brasil. 

Foi adiante condenado, mas, inexistindo tratado de extradição daquele país conosco, fez longa carreira como atleta e depois técnico, sem nunca ser realmente incomodado, apesar de um ou outro protesto. 

A grita mais estridente, contudo, só viria a ocorrer depois de 40 passagens posteriores por diferentes equipesinclusive o Valladolid espanhol e o Shandong Luneng chinês. Foram letárgicos esses caçadores de escalpos! [Ou seria melhor  os chamarmos de caçadores de holofotes, já que as vítimas de seu patrulhamento cricri invariavelmente são famosas?] 

Não levaram sequer em conta o quanto qualquer ser humano muda em 35 anos de existência. A menos de dois meses de tornar-se sexagenário, quando desencadearam a campanha contra ele, Cuca se tornara um inatacável pai de família, que fazia questão de beijar uma medalhinha de Nossa Senhora quando os times por ele dirigidos marcavam gols...

Mais: a condenação do Cuca prescrevera definitivamente em 2004. Ou seja, deixara de existir para fins legais. Então, o verdadeiro crime em 2023 estava sendo cometido por aqueles que incitavam ilegalmente sua estigmatização, inclusive envolvendo as brabas (mas politicamente ingênuas) futebolistas do esquadrão feminino corinthiano nessa campanha de ódio. 

E, como eram jornalistas, também incidiam numa péssima prática para profissionais da imprensa, a de divulgarem partes processuais que estavam sob segredo de justiça (na Suíça), obtidas sabe-se lá como, mas inacessíveis a quem quer que tentasse provar que tais imputações eram parcial ou totalmente infundadas. Atiravam pedras contra as quais o cidadão Alexi Stival não podia exercer o seu direito de defesa. 

Inconformado, ele constituiu advogados que pleitearam e obtiveram legalmente o acesso às cerca de mil páginas do processo suíço. Passo seguinte, eles requereram à justiça helvética a anulação da sentença, já que não houvera um julgamento, mas sim um linchamento togado: o réu não havia sido defendido por ninguém!

Uma juíza digna da toga fez o óbvio: anulou a sentença e determinou que Cuca recebesse uma indenização por haver tido seus direitos atropelados. Mas, não atendeu ao pedido de um novo julgamento por tratar-se de processo já prescrito. Simplesmente extinguiu-o de vez. Nunca mais poderá ser reaberto.

Qualquer ser humano decente pediria desculpas ao Alexi Stival, quase condenado pelo tribunal da internet a uma aposentadoria precoce, já que preferia continuar trabalhando e havia clubes querendo seus préstimos. No entanto, os patrulheiros até agora só se manifestaram tentando justificar seu procedimento, tendo uma delas chegado ao cúmulo de aventar a possibilidade de a alegada vítima aos 13 anos ter morrido (uns 15 anos depois) como consequência tardia do episódio!!!

Ou seja, ignorando quais as verdadeiras circunstâncias do óbito, especulou com aquela que mais lhe convinha, excluindo todas as outras possíveis e imagináveis! Puro Wishful thinking.

Por último, não vou gastar muitas palavras para explicar meu posicionamento de primeira hora nesse episódio, porque o grande Proudhon já o fez muito melhor do que eu jamais o faria. 

Apenas lembrarei a semelhança com uma das muitas ilegalidades cometidas contra o escritor Cesare Battisti, pois a condenação italiana já prescrevera quando sua extradição foi solicitada ao Brasil e, mesmo assim, os inquisidores de lá e daqui sustentaram hipocritamente o contrário, tendo seu entendimento capcioso prevalecido, como era de esperar-se.

Sabendo que esses casos rumorosos acabam servindo de precedentes para outros no futuro, meu real motivo foi o de reafirmar que sentença prescrita não pode ser jamais utilizada para desqualificação orquestrada dos antigos réus.

Preocupou-me o fato de que as brechas que se abrem nas garantias legais para os sentenciados, mais dia, menos dia, acabam sendo utilizadas contra perseguidos políticos do nosso lado. 

Afinal, os judiciários brasileiro e europeu são tudo, menos isentos: em última análise, não passam de sustentáculos institucionais para a hegemonia burguesa. (por Celso Lungaretti) 

4 comentários:

Anônimo disse...

Então... o Stevenson estava errado?

"Todo mundo mais cedo ou mais tarde senta-se para um banquete de consequências".

celsolungaretti disse...

Eu sempre preferi a moral dos existencialistas, como Sartre e Camus: todos os nossos atos são irrevogáveis e passam a fazer parte do que somos. E nem arrependimento os apaga, apenas acrescenta um novo ato à nossa trajetória.

william orth disse...

Boa noite celso. Quanto mais te conheço mais te admiro, mesmo em alguns momentos discordando dos ideais de esquerda. Esse posicionamento de linchameto do Cuca foi característico das "FRENTES LIBERAIS". Gostaria de saber quem é stevenson? E feliz ano novo.

celsolungaretti disse...

O anônimo citou uma frase do Robert Louis Stevenson, o autor de "O médico e o monstro", Orth.

Quanto a algumas posições que adoto, diferentes das de outros articulistas de esquerda, se devem apenas à idade nos ensinar muito. Então, afora todos os motivos que enumerei no post, havia também o fato de que essa história jamais me parecer estar sendo bem contada.

Por exemplo, desde a mocidade eu já sabia da existência do, assim chamado na crônica policial de outrora, golpe do "suadouro": a prostituta, fingindo não sê-lo, atraía um homem ao seu quarto e aparecia um comparsa que, sob diversos pretextos (inclusive fingindo-se de marido traído e furioso), exigia grana para compensar o "insulto".

Então, embora seja favorável a que as mulheres tenham os mesmos direitos que nós desde muito antes do que algumas feministas caçadoras de holofotes da atualidade, não deixei de imediatamente perceber que aquela fulana que subiu no quarto do pugilista Mick Tyson em plena madrugada e, depois de excitá-lo bastante, fingiu que não queria mais transar com ele, tinha 99,99% de chances de ser uma golpista querendo mesmo levar uma surra para depois extorquir-lhe uma grana preta. E conseguiu.

Também não consigo imaginar pais conscienciosos de uma menor que a deixassem ir sozinha numa festa de gente do cinema de Hollywood em pleno 1968, quando a droga rolava como nunca, se não para que um pato como o Roman Polanski transasse com ela e depois tivesse de desembolsar uma fortuna.

E a "coitadinha" de 13 anos que entrou no quarto de cinco machos rústicos na Suíça, desde o primeiro momento me pareceu ser também uma ISCA.

Aliás, o fato de que a Justiça suíça não me pareceu verdadeiramente interessada em encarcerar o Cuca (tinha-o à mão e deixou-o voltar para o Brasil, além de não mover uma palha para obter sua extradição quando, logo depois, foi jogar no time espanhol do Valadolid) me fez desconfiar mais ainda de que o verdadeiro inocente (aqui no sentido de ingênuo, bobão) tinha sido ele e não a garota.

Minhas convicções e valores igualitários e libertários são muito firmes, mas não a ponto de deixar-me cegar por estereótipos em situações como essas. Não vejo as mulheres como eternas vítimas da "masculinidade tóxica", avalio cada caso como cada caso.

Afinal, eu seria um perfeito medíocre se não tivesse aprendido alguma coisa sobre a vida como ela é, ao longo dos 34 anos em que ganhei meu pão no jornalismo profissional, além de quase duas décadas atuando, sem fins lucrativos, como articulista na internet e blogueiro. E não tenho medo de divergir da maioria quando sei que estou certo e os outros, errados.

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