segunda-feira, 20 de novembro de 2023

ELEIÇÃO DE JAVIER MILEI MOSTRA QUE É URGENTE À ESQUERDA RETOMAR A RADICALIDADE CONTRA O CAPITALISMO


J
avier Milei orgulha-se de seguir conselhos políticos de seu cachorro morto, com o qual mantém contato via sessões espíritas, e chegou mesmo a clonar tal cão cinco vezes. Seu maior plano político é, além de legalizar a venda de orgãos, extinguir o Banco Central e adotar o Dólar como moeda oficial da Argentina. 

Não era muito melhor, contudo, seu adversário. Sérgio Massa é o atual ministro da Economia, antigo funcionário do FMI, tão patético quanto Fernando Haddad em sua concepção tecnocrata e falta de carisma. Pior, pois a condição econômica argentina hoje é caótica, com inflação galopante, fome generalizada e desemprego.

O resultado foi mais surpreendente que o esperado pela diferença, praticamente dez pontos percentuais de frente para Milei, quando o previsto era uma eleição apertada, semelhante à de 2022 do Brasil. Contudo, foi inequívoco o predomínio do candidato da extrema direita. 

Javier se consultando com seu principal
conselheiro político.

De fato, trata-se apenas de mais uma etapa do pêndulo político induzido pela crise capitalista. Há oito anos os argentinos optaram por Macri, um direitista moderado, logo depois retornaram ao Kirchnerismo com Alberto Fernandez, sendo que ambos terminaram seus mandatos de forma absolutamente melancólica, com baixíssimos índices de aprovação. Agora, os eleitores decidiram aumentar a aposta, elegendo um verdadeiro palhaço com retórica anarcocapitalista

A Argentina é um país em implosão há décadas. No começo do século XX era uma potência em ascensão, mas sua burguesia de feição colonial - semelhante à brasileira - não conseguiu dar o passo adiante para ampliar a indústria e o mercado consumidor interno, pois tal fato implicava em caminhar para uma ruptura com o imperialismo estadunidense/europeu, com repercussões potencialmente revolucionárias em um contexto de contrarrevolução mundial após a vitória bolchevique na Rússia. Às agitações populares, a resposta foi uma sucessão de golpes e ditaduras, sendo a mais sanguinária a de Jorge Videla, entre 1976 e 1983.

A última ditadura seguiu o caminho trilhado por Pinochet e iniciou o desmonte da indústria argentina como estratégia para enfraquecer a ação da classe trabalhadora e já antecipando a reorganização mundial do capitalismo que se aprofundaria entre as décadas de 80 e 90 com a migração maciça das indústrias para a Ásia. A saída das indústrias, contudo, deixou o país vulnerável à importação de bens e à oscilação do dólar em uma economia primária mais fraca que a brasileira e, portanto, com menos condições de atrair divisas, reduzindo o valor do peso a níveis irrisórios, algo difícil de se contornar mesmo com taxas de juros estratosféricas. Como resultado, o peso se tornou moeda fantasma, sendo o dólar a divisa efetivamente dominante no país. 

Tanto é assim que nas ruas de Buenos Aires, ao invés de ouro, vende-se dólares com preço paralelo muito superior ao oficial. O peso é tão enfraquecido a ponto de não ser incomum inexistir dinheiro disponível nos caixas eletrônicos da cidade. Por isso, não é difícil entender o porquê da proposta de Milei de dolarizar por completo a economia e eliminar o Banco Central, instituição já largamente inoperante na prática. É apenas oficializar o que já é fato. 

A fantasia de palhaço não foi suficiente.
Fantasia da fantasia. 

Milei em grande medida é uma resposta ao fiasco do Kirchnerismo e da esquerda liberal argentina. Desde o levante popular de 2001, quando Fernando de La Rua fugiu da Casa Rosada de helicóptero, os Kirchner assumiram o poder com uma politica de intervencionismo estatal através de empresas públicas e subsídios, mas sem atacar a lógica essencial do capital e a subordinação argentina dentro do mercado mundial. Semelhante ao Brasil, enquanto houve o boom das commodity as contradições puderam ser apaziguadas, mas desde a última grande crise o país patina e os limites do estatismo ficam claros. Concretamente, a política dos Kirchner foi uma tentativa de controlar a implosão argentina, a colocando em câmera lenta.

Contra isso, Milei surge com um discurso radical de retirada completa do estado da economia, desregulamentação absoluta a ponto de se legalizar o tráfico de orgãos. Aos jovens argentinos, que nunca conheceram o período difícil do fim dos anos 90, mas conhecem a dura realidade dos últimos 15 anos, tal discurso é atrativo porque parece ser a solução definitiva para os problemas da sociedade: contra o fiasco do intervencionismo estatal, o livre mercado absoluto. 

A ousadia de Milei chegou ao ponto de  elogiar em público Margaret Thatcher, certamente a pessoa mais odiada na história daquele país. Mas, aos jovens, que estão décadas distantes da Guerra das Malvinas e cujo conhecimento de história é frágil, tal elogio não significa nada, nem de bom, nem de ruim. 

De la Rua terminou seu governo neoliberal
fugindo de helicóptero para não ser linchado.

O trágico, contudo, é mais uma vez a radicalidade ficar com a extrema direita, enquanto a esquerda se comporta de modo sensato, em prol do status quo e das instituições burguesas. Na Argentina isso chegou ao cômico da esquerda defender a existência do Banco Central, um despautério completo. Atrelada ao peronismo, é incapaz de propor uma saída revolucionária, não muito diferente do Brasil e de nossa esquerda sabuja do lulismo. 

Quanto ao nosso país, é preciso ficar atento. Os sinais são péssimos e quem apostava no refluxo da onda da extrema direita mundial deve rever suas concepções diante da persistência do bolsonarismo por aqui e do reavivamento do trumpismo nos EUA. Inclusive, de acordo com pesquisas recentes, a possibilidade real de Trump vencer as eleições de 2024 contra o medíocre Biden. A turbulência só está começando. (por David Emanuel Coelho) 

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Mais uma peça de humor negro! No Brasil JaIr na Argentina JaVier!

Dalton Rosado disse...

A Argentina entrou no.modulo desespero. Depois se viver um apogeu no início de século vinte, quando a producaobde alimento e proteínas animais eram significativas no comércio.mindial, vem vi e não um pro esso de decadência que ja dura cerca de 60 anos ininterruptos.
Já experimentou diversos tipos de orientaçoes de governos que vao desde Juan Perón, Isabelita Perón, ditadura militar, Raul Alfonsín, Carlos Menem, DE La Rue, Nestor Kirchner, Cristina Kirchner, Maurício Macri, Alberto Fernandes, até chegar a Javier Milei, o mais patético personagem que a politica pode produzir.
Trata-se de uma alternância de poder político sob uma mesma base capitalista que nada muda substancialmente.
Está claro que a Argentina optou pelo suicídio por desespero,, depressão e incredulidade.
Mas é justamente com um processo falimentar argentino num mundo agonico que a Argentina pode fazer valer a sua imensa riqueza material (terras férteis e grande extensão territorial, autoautossuficiência energética e aquífera, e outras riquezas naturai) que ela pode dar uma banana para a economia mundial agonica e se fechar inttramuros e viver da abundância de que é detentora.
Pode ser que de fracasso em fracasso ela encontre o caminho certo, impelida pela necessidade de sobrevivência.
Os próximos passos darão a resposta ás nossas indagações. Dalton Rosado.

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